Economista sócia da Oliver Wyman vê contradição de Bolsonaro. Candidatos têm de esclarecer suas propostas.
Economista e sócia da Oliver Wyman, Ana Carla Abrão, 49 anos, disse que as falas do candidato a presidente pelo PSL, Jair Bolsonaro, contradizem seu plano de governo. Segundo ela, “não adianta” o mercado achar que quem tomará as decisões em 1 eventual governo Bolsonaro será seu guru econômico, Paulo Guedes.
“A gente sabe que quem tem a caneta é o presidente e não o ministro da Fazenda. Não adianta a gente imaginar que quem vai governar é o Paulo Guedes. O único que pode fazer isso é o presidente da República”, disse em entrevista ao Poder360.
O militar, que lidera a disputa pela Presidência contra Fernando Haddad (PT), fez declarações controversas nesta semana. Criticou a privatização da Eletrobras e indicou que pode levar adiante uma proposta de reforma da Previdência mais frouxa que a hoje discutida pelo Congresso.
As declarações repercutiram no mercado e o Ibovespa chegou a cair 2,8% na 4ª feira (10.out.2018). “Enquanto tivermos sinais contraditórios de Bolsonaro, o mercado se ressente e aumenta a incerteza”, avalia a economista.
Ela destaca, entretanto, que falta detalhamento nas propostas para a economia dos 2 candidatos que disputam o 2º turno.
Para ela, a implementação do plano de privatização é o grande ponto de interrogação no plano de governo de Bolsonaro.“É impossível chegar aos números que eles colocam que conseguiriam capturar com o programa de privatizações e venda de ativos, de R$ 1 trilhão.”
Já em relação às propostas de Haddad, afirmou que, se o petista quiser conquistar a confiança do mercado, precisará se comprometer com 1 plano mais liberal. Segundo ela, será preciso, principalmente, indicar que fará a reforma da Previdência e desistir da reforma bancária, uma das suas bandeiras de campanha.
“É 1 programa que repete erros do passado. O aspecto mais complicado é o da reforma bancária. Há 1 completo desconhecimento do mercado de crédito. Se ele avançar nessa direção da taxação do spread, caso eleito, podemos ter 1 colapso do mercado de crédito”, afirmou.
Confira trechos da entrevista:
Poder360: Qual a sua avaliação geral sobre as propostas dos 2 candidatos para a economia?
Ana Carla Abrão: Temos uma visão muito superficial nos programas. As propostas ainda são vagas, chamam mais atenção pelas dúvidas do que efetivamente pela direção. A gente tem 1 caminho que parece ser mais reformista, mais liberal, com Bolsonaro, mas ainda há 1 nível de superficialidade muito grande. O outro caminho, de Haddad, é claramente menos reformista, mais intervencionista e vai em uma direção que a gente já conhece. Já vivemos isso no passado recente com impactos negativos para a economia. Do ponto de vista de direção, temos uma dicotomia. Agora, do ponto de vista de implementação, ainda é preciso muito mais aprofundamento.
Em relação ao plano do Bolsonaro, o que precisa ficar mais claro?
Tem 1 grande ponto de interrogação no plano de Bolsonaro e Paulo Guedes, que é a questão das privatizações. É impossível chegar aos números que eles colocam que conseguiriam capturar com o programa de privatizações e venda de ativos, de R$ 1 trilhão. Inclusive, isso mostra a simplificação de 1 problema muito grande, porque só para inventariar esses ativos levaria mais de 6 meses, quanto mais vendê-los. Então, a gente tem uma promessa de venda de terreno na lua que me preocupa. É preciso detalhar como será feita essa privatização e colocar o pé na realidade.
O plano do candidato do PSL fala em atingir superavit primário já em 2020. Qual a viabilidade dessa proposta?
Não é impossível, mas é preciso entender como ele pretende chegar lá, porque não é simples. O Bolsonaro está falando em estabilizar ou reduzir a dívida com privatizações, mas não explicou como vai transformar 1 deficit de R$ 120 bilhões em supervit em 2 anos sendo que 97% do Orçamento é de despesas obrigatórias. É 1 processo que vai exigir uma reforma da Previdência mais profunda do que a que está aí. E não consigo ver como isso será possível com as posições corporativistas do Bolsonaro. Afinal de contas, ele vai mexer na aposentadoria de militares?
Nesta semana, o Bolsonaro fez declarações em relação à privatização da Eletrobras e à reforma da Previdência que desagradaram o mercado. Houve 1 excesso de animação com as propostas do candidato?
O mercado reagiu com euforia ao resultado do 1º turno porque o outro programa, mais intervencionista e menos reformista, perdeu força. Foi mais uma reação de alívio. O que a gente vai ver ao longo dessas duas semanas e meia é quão reformista de fato será o programa do Bolsonaro. E aí o mercado tende a ficar 1 pouco mais realista.
E em relação ao programa do Haddad, o que mais preocupa?
A 1ª coisa é que a gente não sabe se o PT vai cumprir o programa dele. Na última eleição, o partido registrou 1 programa no TSE e cumpriu outro. Mas, deixando isso de lado, é 1 programa que repete erros do passado. O aspecto mais complicado é o da reforma bancária. Há 1 completo desconhecimento do mercado de crédito. Se ele avançar nessa direção da taxação do spread, caso eleito, a gente pode ter 1 colapso do mercado de crédito. E o crédito é motor do crescimento, se a gente colapsa esse mercado não dá para imaginar que teremos investimento, geração de emprego, crescimento.
Outro aspecto é a cópia da proposta de renegociação de dívidas com o SPC, do Ciro Gomes. Isso é reeditar 1 problema que aconteceu quando a Dilma usou os bancos públicos para reduzir a taxa de juros do crédito. Como consequência, os créditos inadimplentes migraram para a Caixa e para o BB, as pessoas se superendividaram e ainda caiu no colo do Tesouro outro problema, que é o de capitalizar essas instituições.
O programa do candidato do PT fala em revogação do teto dos gastos. Vários candidatos abordaram esse tema ao longo da campanha. É possível governar em 2019 sem rever o teto?
É absolutamente possível. O teto não é o problema, mas a consequência. O problema é não fazer os ajustes necessários para cumprir o teto. Se a gente conseguir fazer 1 ajuste nas despesas obrigatórias, que é basicamente fazer a reforma da Previdência e uma reforma do Estado que racionalize os gastos, é possível cumpri-lo. O ajuste terá que ser profundo, porque nesse ritmo sacrificaremos o crescimento por muito tempo.
Se Haddad decidir adotar uma postura parecida com a de Lula em 2002 com a Carta ao Povo Brasileiro, que tipo de sinalização precisaria ser feita em relação à economia?
Em 1º lugar, sinalizar que o PT fará uma reforma da Previdência e explicar qual será essa reforma. É preciso, inclusive, admitir a injustiça social que o atual sistema gera, ao transferir renda dos mais pobres para os mais ricos. Esse já é 1 bom caminho. Depois, é preciso sepultar essa reforma bancária, que é uma grande bandeira do programa dele. O mercado entende que essa reforma não faz sentido.
E o Bolsonaro, o que precisa sinalizar em relação aos planos econômicos antes do 2º turno?
A 1ª coisa é dar fim a essas contradições. O programa está indo para 1 lado e o Bolsonaro faz declarações para o outro. Só de não contradizer o seu programa e o que diz o Paulo Guedes já é uma boa indicação. A gente sabe que quem tem a caneta é o presidente e não o ministro da Fazenda. Não adianta a gente imaginar que quem vai governar é o Paulo Guedes. O único que pode fazer isso é o presidente da República. Enquanto tivermos sinais contraditórios do Bolsonaro, o mercado se ressente e obviamente aumenta a incerteza.
Além disso, tem a questão importante do detalhamento. Quando o Bolsonaro começa a fazer uma lista das estatais estratégicas e fala que não vai privatizar BB, Caixa, Petrobras, Eletrobras, aí a gente olha aquele R$ 1 trilhão que já não era crível e sabe que ele não vai chegar nem perto do que prometeu.
Poder360
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