Gente graúda alerta para o tema. Mais uma eleição boa para perder.
Por José Paulo Kupfer
Passado um ciclo político completo de quatro anos, a situação econômica prevalente no início deste exercício que se encerra é a mesma possível de vislumbrar naquele que está próximo de se iniciar. Como foi lá em 2014, a eleição presidencial de 2018 é boa de perder.
Essa situação ameaça se prolongar, acentuando a deterioração da estrutura produtiva. Estamos falando não só de máquinas, equipamentos e processos defasados por falta de investimentos, mas também das sequelas para a mão de obra afastada de ocupações decentes por tempo prolongado.
Quatro anos depois, as dificuldades para reequilibrar a economia e colocá-la em trajetória de crescimento mais consistente se equivalem. Se a inflação amainou, o desemprego não saiu do lugar e os impasses fiscais se aprofundaram.
Com as guerras comerciais de Trump e a normalização monetária puxada pela alta dos juros de referência nos Estados Unidos, até o ambiente externo, diante do qual o País, com seu alto volume de reservas internacionais, dispõe de um razoável seguro contra contágios, se apresenta menos confortável.
Também do ponto de vista político, naquilo que importa para a economia, nada se alterou em substância. Entre 2015 e 2018, os Poderes da República não só continuaram a não se entender como alargaram seus desentendimentos, inclusive internamente a eles.
Essa grave disfunção institucional está na raiz das dificuldades para superar os gargalos estruturais que sufocam as potencialidades brasileiras. Se a notória inabilidade de Dilma permitiu prosperarem no Congresso as pautas-bomba que a impediram de governar e ajudaram a derrubá-la, nem por isso o estilo jeitoso e conciliador de Michel Temer foi suficiente para levar a bom termo o programa reformista conservador com o qual ocupou o lugar da antecessora.
Ficará como mais uma das ironias da História a incompreensão dos perdedores da eleição de 2014 de que aquela era uma eleição boa para perder. Não obstante a tenham perdido, não se conformaram com o resultado e se lançaram na aventura de ganhá-la por outros meios.
O impactos negativos da vitória alcançada via contestação do resultado eleitoral e do impeachment estão aí para ninguém ter dúvidas. Associado a outros partidos no impeachment da presidente reeleita Dilma Rousseff, o PSDB compôs o governo de Michel Temer, contando com a aprovação de reformas, a volta dos investimentos e do crescimento econômico. Deu errado e muitos tucanos, assistindo agora a um PT surpreendente e razoavelmente competitivo, quando há meros dois anos parecia moribundo, se perguntam se não teria sido melhor deixar Dilma e seu partido afundarem até o fim.
Nesse meio tempo, assentada com a argamassa do protagonismo do Judiciário, a criminalização da política fertilizou o terreno da atual barafunda institucional e contribuiu fortemente para o engarrafamento de soluções do imenso imbroglio econômico em que estamos metidos. O fato é que, nos termos atuais, qualquer que fosse o eleito, a quantidade de ajustes e acertos dependentes de maiorias no Congresso e de decisões judiciais torna a missão de rearrumar a economia, para dizer o mínimo de forma elegante, muito complexa.
Quando os dois líderes da corrida eleitoral são também os campeões da rejeição entre os eleitores, o quadro dá margem a perspectivas ainda mais preocupantes. É diante desse cenário incontornável de dificuldades que até as apostas dos agentes do mercado financeiro em um destravamento da economia a partir da vitória do candidato outsider Jair Bolsonaro, estão passando por revisão, depois das reações eufóricas com sua vantagem nas pesquisas de intenção de voto.
É verdade que os ganhos de curto prazo vislumbrados a partir de uma vitória de Bolsonaro compõem uma atração e tanto para operadores de mercado. Afinal, o sonho deles, de acordo com síntese do ex-diretor do Banco Central e articulista do Estadão, Luis Eduardo Assis, “é estar vendido na hora do fim do mundo”. Despreocupados com coisas que possam “tumultuar” o bom andamento dos negócios, tais como democracia e instituições, segundo definição do colunista da Folha de S. Paulo Marcelo Coelho, “seu candidato ideal será sempre Pinochet”.
Porta-vozes do establishment econômico — caso da revista The Economist, do jornal econômico Financial Times e da agência de classificação de riscos Standard&Poors, além de brasileiros atuantes no mercado financeiro —, no entanto, temem os desdobramentos contraproducentes já a médio prazo da ausência de coerência na visão da economia e de desconfiança nas instituições, do qual decorre falta de compromisso com elas, como exposto por Bolsonaro. Em mensagens a clientes, grandes consultorias financeiras estão alertando para a ilusão dos ganhos de curto prazo do “benefício da dúvida” na agenda liberalizante de capitão reformado.
O raciocínio é que, com vitória de Bolsonaro, uma esperada valorização cambial reduziria pressões inflacionárias e teria efeitos positivos tanto sobre a taxa básica de juros quanto sobre as ações na Bolsa. Mas, passada a primeira reação, a inabilidade política do candidato, sua conhecida indisposição para repartir poder e adotar agendas negociadas falarão mais alto, condenando a economia a permanecer em estagnação sabe-se lá até quando.
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Registro ter sido o grande jornalista e amigo José Roberto de Toledo que, em 2014, chamou minha atenção para a expressão “eleição boa de perder”.
Poder360
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