Moradora do Recife diz ter sido agredida e ameaçada por pessoa armada em bar por usar adesivo a favor de Ciro Gomes e contra Jair Bolsonaro (Reprodução Facebook)
Faltando pouco mais de duas semanas para a votação do segundo turno, o acirramento dos ânimos e as discussões sobre as eleições à Presidência do Brasil extrapolaram as redes sociais. Nos últimos dias, tem crescido o número de relatos sobre episódios de violência e agressões verbais ou físicas ocorridas em diversos Estados.
Os casos envolvem ataques físicos e xingamentos, na maioria contra mulheres e homossexuais.
Em meio a muitas denúncias, a BBC News Brasil ouviu envolvidos e investigadores em casos ocorridos nos últimos dez dias - em todos, houve formalização das queixas em boletim de ocorrência.
Os episódios ainda estão em fase de investigação. Envolvem socos, golpes, xingamentos, brigas de rua e uma morte a facadas. Em todos, há motivação política ou eleitoral, segundo os relatos.
Surgiram também, nos últimos dias, iniciativas de mapeamento e registro dessas denúncias, como as do site Mapa da Violência e da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji).
A reportagem também questionou o Ministério da Segurança Pública sobre providências, mas não obteve retorno até a publicação desta reportagem.
A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, se reuniu ontem com integrantes do Ministério Público Eleitoral para discutir que atitudes tomar em relação aos ataques. Uma manifestação oficial ainda é aguardada.
Servidora pública agredida em Pernambuco
A servidora pública Paula Pinheiro Ramos Pessoa Guerra, de 37 anos, disse ter sido agredida no último domingo em um bar por estar usando adesivos do Ciro Gomes e botons do "Ele Não", em menção ao candidato Jair Bolsonaro. Em fotos publicadas em redes sociais, ela aparece com hematomas no olho e nos braços, além de um corte com pontos no antebraço.
Em depoimento à polícia, Guerra disse ter sido espancada por uma mulher no bar localizado no bairro de Cajueiro, na zona norte do Recife, por volta das 22h do último domingo – primeiro turno das eleições. A agressora, ainda não identificada, também teria quebrado o celular da vítima.Direito de imagem
Segundo o depoimento da servidora, a agressão foi motivada por uma discussão entre ela e seu amigo com a agressora e dois homens que a acompanhavam.
Guerra foi encaminhada ao IML para fazer exames de corpo de delito. A polícia investiga o caso para identificar e prender os responsáveis.
Chutes, socos e garrafadas no Paraná
Na terça-feira, em Curitiba, testemunhas ouvidas pela Polícia Civil relataram que um servidor público foi agredido a socos, pontapés e garrafadas em frente à Universidade Federal do Paraná por ao menos cinco homens, identificados como membros da torcida organizada Império Alviverde, do clube de futebol Coritiba.
De acordo com os depoimentos, a vítima usava uma camiseta vermelha e um boné do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e, durante o ataque, um ou mais agressores teriam gritado "aqui é Bolsonaro". A motivação política é uma entre três hipóteses investigadas, segundo o delegado Luiz Alberto Cartaxo Moura; as demais hipóteses seriam briga comum ou briga entre torcidas organizadas.
"(Começou quando) houve um princípio de confusão na rua e ele (vítima) foi intervir, dizendo 'aqui não é lugar de briga'. Passou a ser agredido com chutes, socos e garrafadas e sofreu lesões corporais, principalmente uma contusão no olho esquerdo", afirmou o delegado em entrevista coletiva realizada ontem.
"Identificamos cinco ou seis possíveis autores pelas redes sociais. Vamos interrogá-los, ouvir as testemunhas e tentar identificar a motivação."Direito de imagem
Tentativa de atropelamento na Bahia
Em Salvador, dias antes do primeiro turno das eleições, um professor da Universidade Federal do Recôncavo Baiano (UFRB) foi preso pela polícia. Ele é suspeito de tentar atropelar um homem que vendia camisetas de temática política - segundo a imprensa local, as camisetas seriam pró-Bolsonaro.
"A vítima não foi atingida pelo veículo, mas sofreu ferimentos leves e teve os produtos danificados. O professor foi indiciado por crime de lesão corporal", informou a polícia baiana em nota à BBC News Brasil.
Em nota, a reitoria da UFRB afirma que o professor nega o "atropelamento ou qualquer tentativa de atitude dolosa" e que, sentindo-se ameaçado por se recusar a comprar material de campanha, retirou-se "bruscamente do local, causando danos materiais ao arrastar um varal contendo camisas que estavam sendo vendidas em via pública".
Até agora, o caso mais dramático foi registrado também em Salvador: o assassinato do mestre de capoeira baiano Romualdo Rosário da Costa, o Moa do Katendê, de 63 anos. Ele foi morto a facadas após uma discussão política algumas horas depois da eleição de domingo.Direito de imagem
Agressão com barras de ferro no Rio de Janeiro
Na manhã de sábado, a cantora transexual Julyanna Barbosa, de 41 anos, relatou que voltava andando para casa em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense, quando foi provocada por três homens.
"Eles começaram a me xingar e a dizer coisas como: 'Bolsonaro tem que ganhar mesmo, para tirar esses lixos da rua' e 'esses veados são todos doentes, têm Aids'", disse à BBC News Brasil.
"Um deles puxou uma barra de ferro de uma barraca de camelô e acertou a lateral da minha cabeça."
Julyanna conta ter caído no chão e sido agredida com chutes por mais três homens, mas conseguido fugir e chegar em casa.
"Nem sei se a agressão teve a ver com política. Eles falaram o nome de Bolsonaro, mas não posso dizer se eles são eleitores ou não."
A cantora levou dez pontos na cabeça e tem hematomas espalhados por todo o corpo. Ela registrou o crime na 56ª DP na cidade vizinha de Mesquita e aguardava para fazer o exame de corpo de delito quando falou com a reportagem.
"Nos pareceu ser uma agressão mais relacionada com homofobia do que com política, mas vai ser investigado", disse à BBC News Brasil o delegado Matheus Romanelli, que atendeu Julyanna.
Mapear as denúncias e registrar na polícia
Em meio às ocorrências, surgem algumas iniciativas de mapear as denúncias de violência pelo Brasil. O caso de Julyanna, por exemplo, entrou para as estatísticas da ONG Aliança Nacional LGBTI, que vem compilando relatos de agressões a homossexuais e transexuais relacionados com as eleições. Desde o primeiro turno, eles registraram 15 casos, incluindo ataques verbais e físicos.
"Eu até acredito que Bolsonaro não seja tudo isso, mas ele abriu uma porta para fascistas, nazistas e extremistas", afirma Toni Reis, presidente-executivo da ONG.
Em iniciativas semelhantes, os sites Mapa da Violência e Vítimas da Intolerância, criados na última semana, também reúnem dezenas de relatos de agressões físicas e verbais.
De acordo com um levantamento feito pela Agência Pública e pela Open Knowledge Foundation, cerca de 70 ataques relacionados às eleições aconteceram no país nos últimos 10 dias.
Nesta semana, o aplicativo de encontros Grindr, voltado a homossexuais, passou a exibir a seus usuários brasileiros, pela primeira vez, um aviso sobre segurança, que normalmente é feito em países onde a homossexualidade é ilegal.
"Relatos de violência contra membros da comunidade LGBTQ+ foram trazidos ao nosso conhecimento por diversas organizações locais", disse, em nota, Jack Harrison-Quintana, diretor-executivo do programa Grindr for Equality.
O papel dos candidatos
Para o professor Marcos Cesar Alvarez, do Núcleo de Estudos de Violência da USP, ainda é cedo para saber se vivemos uma tendência de crescimento na violência de cunho político, embora considere preocupante o fato de "ser uma eleição de muitos conflitos e com ao menos um candidato defendendo claramente a violência e (se posicionando) contra os direitos humanos, o que pode estimular atitudes agressivas por parte de seus correligionários".
Alvarez, que destaca que o próprio Bolsonaro foi vítima de um atentado a facada no início de setembro e que a violência contra minorias acaba atingindo negativamente não só essas comunidades, mas toda a sociedade.
"Piora a cultura política e vai contra as próprias instituições (democráticas)."
Adélio Bispo, autor do ataque contra o candidato do PSL, está preso preventivamente pela Polícia Federal em Campo Grande. O processo contra ele, que confessou o crime em depoimento à PF, foi suspenso temporariamente nesta semana para que seja realizado um exame de sanidade. O delegado responsável pelo caso concluiu que ele agiu sozinho.
O pesquisador defende que os candidatos ainda em disputa "claramente se manifestem negando a violência, porque até mesmo a omissão pode estimular correligionários a agir violentamente".
Em entrevista concedida ao portal UOL esta semana, o presidenciável Jair Bolsonaro disse lamentar os ataques registrados recentemente, mas afirmou que "não tem controle sobre milhões e milhões de pessoas" que o apoiam.
Na noite de quarta-feira, em seu perfil de Twitter, o capitão reformado falou novamente sobre o tema: "Dispensamos voto e qualquer aproximação de quem pratica violência contra eleitores que não votam em mim. A este tipo de gente peço que vote nulo ou na oposição por coerência, e que as autoridades tomem as medidas cabíveis, assim como contra caluniadores que tentam nos prejudicar".
Em seguida, no entanto, o candidato disse na rede social que "há também um movimento orquestrado forjando agressões para prejudicar nossa campanha nos ligando nazismo, que, assim como o comunismo, repudiamos completamente".
Agressões verbais e intimidação contra mulheres
Nos últimos dias, a reportagem ouviu relatos de pelo menos cinco mulheres que foram empurradas ou xingadas nas ruas de Rio de Janeiro, São Paulo e Bahia.
Elas atribuem as agressões ao fato de estarem usando camisetas vermelhas, adesivos ou broches da campanha "Ele Não" - em referência ao movimento de mulheres contra Jair Bolsonaro - e dizem ter sido chamadas com frequência de "petista", "vagabunda" e outros nomes impublicáveis.
A professora universitária Marília Flores Seixas, de 56 anos, registrou na polícia uma agressão que sofreu em seu próprio prédio, em Vitória da Conquista (BA), no dia da votação.
"Eu estava entrando em casa com uma amiga - uma senhora de 60 e poucos anos - e o neto dela, de três anos de idade, quando um homem que estava saindo da casa do meu vizinho começou a gritar: 'vou embora porque chegaram as vagabundas, as prostitutas do PT'", disse a professora, que relata que foi empurrada e reagiu pedindo respeito.
"Meu marido viu o ocorrido e desceu, conseguimos entrar em casa correndo. Fiquei muito nervosa."
Segundo Marília, a sensação na cidade é de "violência banalizada" nas últimas semanas.
"Acho que os violentos 'saíram do armário'. A agressividade pela rua está perceptível pela cidade. Tenho medo de colocar um adesivo no meu carro, para você ter ideia."
Nos últimos dias, a reportagem ouviu relatos de pelo menos cinco mulheres que foram empurradas ou xingadas nas ruas de Rio de Janeiro, São Paulo e Bahia.
Elas atribuem as agressões ao fato de estarem usando camisetas vermelhas, adesivos ou broches da campanha "Ele Não" - em referência ao movimento de mulheres contra Jair Bolsonaro - e dizem ter sido chamadas com frequência de "petista", "vagabunda" e outros nomes impublicáveis.
A professora universitária Marília Flores Seixas, de 56 anos, registrou na polícia uma agressão que sofreu em seu próprio prédio, em Vitória da Conquista (BA), no dia da votação.
"Eu estava entrando em casa com uma amiga - uma senhora de 60 e poucos anos - e o neto dela, de três anos de idade, quando um homem que estava saindo da casa do meu vizinho começou a gritar: 'vou embora porque chegaram as vagabundas, as prostitutas do PT'", disse a professora, que relata que foi empurrada e reagiu pedindo respeito.
"Meu marido viu o ocorrido e desceu, conseguimos entrar em casa correndo. Fiquei muito nervosa."
Segundo Marília, a sensação na cidade é de "violência banalizada" nas últimas semanas.
"Acho que os violentos 'saíram do armário'. A agressividade pela rua está perceptível pela cidade. Tenho medo de colocar um adesivo no meu carro, para você ter ideia."
Agressões contra jornalistas
O período eleitoral também foi marcado por casos de agressões a jornalistas. Foram 137 em 2018, segundo estimativas da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) - sendo 75 ataques digitais e 62 físicos, e a maioria deles ligados à cobertura eleitoral.
A Abraji denuncia também "a exposição indevida de comunicadores, quando os agressores compartilham fotos e/ou perfis apontando que o profissional seguiria uma ideologia e, assim, incentivando ofensas em massa" em redes como Facebook e Twitter.
A entidade cita o caso de grupos e influenciadores como Danilo Gentili - que, pelo Twitter, conclamou seus seguidores a uma ofensiva contra jornalistas após a publicação de reportagem com a ex-mulher de Bolsonaro - e o Movimento Brasil Livre (MBL), que produziu um "dossiê" com o perfil de jornalistas que classificava como sendo de "esquerda" e "extrema esquerda". A BBC News Brasil procurou a assessoria de Gentili e aguarda retorno.
"Declarações e posicionamentos de qualquer figura pública influenciam uma audiência bastante ampla, que muitas vezes ecoa a mensagem transmitida ou repete a atitude. Em alguns dos casos digitais, por exemplo, fatos falsos sobre jornalistas passaram a ter o alcance amplificado depois de terem sido compartilhados por essas figuras."
O período eleitoral também foi marcado por casos de agressões a jornalistas. Foram 137 em 2018, segundo estimativas da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) - sendo 75 ataques digitais e 62 físicos, e a maioria deles ligados à cobertura eleitoral.
A Abraji denuncia também "a exposição indevida de comunicadores, quando os agressores compartilham fotos e/ou perfis apontando que o profissional seguiria uma ideologia e, assim, incentivando ofensas em massa" em redes como Facebook e Twitter.
A entidade cita o caso de grupos e influenciadores como Danilo Gentili - que, pelo Twitter, conclamou seus seguidores a uma ofensiva contra jornalistas após a publicação de reportagem com a ex-mulher de Bolsonaro - e o Movimento Brasil Livre (MBL), que produziu um "dossiê" com o perfil de jornalistas que classificava como sendo de "esquerda" e "extrema esquerda". A BBC News Brasil procurou a assessoria de Gentili e aguarda retorno.
"Declarações e posicionamentos de qualquer figura pública influenciam uma audiência bastante ampla, que muitas vezes ecoa a mensagem transmitida ou repete a atitude. Em alguns dos casos digitais, por exemplo, fatos falsos sobre jornalistas passaram a ter o alcance amplificado depois de terem sido compartilhados por essas figuras."
Fui agredido. O que fazer?
Em São Paulo, a Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi) é responsável por investigar pessoas e grupos que praticam crimes motivados por intolerância religiosa, racial, política ou qualquer outra. Procurada pela reportagem, a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo informou que "não tem nenhuma investigação de cunho político em andamento".
Denúncias ou pedidos de ajuda em caso de violência também podem ser feitos em um batalhão da Polícia Militar, na delegacia mais próxima, ou pelo telefone 190, destinado ao atendimento da população nas situações de urgências policiais. As denúncias também podem pelo Disque Denúncia - número 181.
Em São Paulo, a Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi) é responsável por investigar pessoas e grupos que praticam crimes motivados por intolerância religiosa, racial, política ou qualquer outra. Procurada pela reportagem, a Secretaria da Segurança Pública de São Paulo informou que "não tem nenhuma investigação de cunho político em andamento".
Denúncias ou pedidos de ajuda em caso de violência também podem ser feitos em um batalhão da Polícia Militar, na delegacia mais próxima, ou pelo telefone 190, destinado ao atendimento da população nas situações de urgências policiais. As denúncias também podem pelo Disque Denúncia - número 181.
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