Passada uma semana do incêndio do Museu Nacional, tudo indica que esta será mais uma daquelas tragédias nas quais ninguém é responsabilizado, uma vez que a culpa é “de toda a sociedade”. Aliás, os gestores responsáveis pela manutenção do museu foram os primeiros a disseminar, em entrevistas e nas redes sociais, a tese da culpa coletiva, como se eles próprios não tivessem nada a ver com o assunto, ou como se eu e você que me lê fôssemos tão culpados quanto eles.
Ora, segundo o presidente do BNDES, em 2017 a UFRJ recebeu do banco R$ 3,1 bilhões em recursos federais e não repassou a parcela necessária à manutenção do museu. Não foi o acaso, nem foi algo inevitável: foi uma escolha. A negligente direção da universidade preferiu, por exemplo, destinar R$ 2,24 milhões, captados em 2016 e 2017, à criação de uma rádio FM. Só esse valor já bastaria para garantir a manutenção do museu por mais de quatro anos.
Como acontece nessas horas, as versões sobre os cortes de recursos se multiplicam, ao sabor das preferências ideológicas do leitor, em mais uma guerra de narrativas. O certo é que, já em 2004, eram feitos alertas contra o risco de incêndio do museu, e que o orçamento da instituição vinha sofrendo cortes desde 2013. Mas há quem prefira acreditar que a tragédia se deveu à PEC do teto de gastos ou à inépcia dos bombeiros.
O tempo irá passar, o assunto desaparecerá das páginas dos jornais, e os gestores de universidades e museus continuarão sendo escolhidos por critérios político-partidários. Até que o próximo incêndio aconteça e, mais uma vez, ninguém seja punido.
Isso só é possível porque se disseminou no Brasil a mania de relativizar a responsabilidade individual, jogando no colo da sociedade a culpa por todos os males – a criminalidade, a pobreza, a corrupção dos políticos, o tráfico de drogas. Em um país no qual a impunidade é assustadoramente alta e o rigor das penas é assustadoramente baixo, o resultado dessa relativização moral é a percepção de que o crime compensa.
No caso do Museu Nacional, a irresponsabilidade criminosa no trato com um patrimônio científico, cultural e histórico inestimável só poderia prosperar em um ambiente no qual gestores não se sentem responsáveis nem têm a percepção de que serão punidos pelos danos irreparáveis causados por sua ação ou omissão. Era uma tragédia mais do que anunciada, mas ninguém fez nada para evitá-la.
O incêndio do Museu Nacional foi um verdadeiro crime contra a humanidade, mas, passada uma semana, ninguém se sentiu obrigado sequer a pedir desculpas – muito menos a assumir qualquer parcela de responsabilidade. Enquanto todos forem culpados, a culpa não será de ninguém.
Blog do Luciano Trigo/G1
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