Segundo a Armelle Enders, é preciso também levar em conta a violência simbólica vinda de uma rejeição à classe política de forma geral. “A imagem de figuras como o presidente, ministros, deputados, já não geram respeito", diz ela.
Antes mesmo da tentativa de assassinato de Bolsonaro, a percepção de muitos pesquisadores já era de que parte dos eleitores e da classe política não havia superado a polarização que marcou as eleições de 2014. A crise econômica vinda em 2015, o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff em 2016 classificado como um golpe de Estado por parte da sociedade e o avanço das investigações da Lava Jato são o pano de fundo de uma crise que ganhou força a partir de alguns fatos violentos ocorridos em março.
“Não se pode esquecer que nas últimas eleições brasileiras, entre junho e setembro de 2016, 45 políticos brasileiros foram alvo de ataques a tiros. Desses, 28 morreram, 15 em plena campanha. Mas como essa violência não atingiu personalidades do alto escalão, não se falou tanto sobre essas mortes”, explica Armelle Enders, professora de história contemporânea da universidade Paris VIII, especializada em Brasil e América do Sul. “Já a execução de Marielle Franco, em março, é o maior exemplo de violência política, que mostra que também existe, em muitos casos, uma conexão entre a política e o crime organizado”, ressaltou a historiadora.
Tiros contra caravana de Lula durante pré-campanha
Para Enders, o que aconteceu com Bolsonaro é comparável ao ataque sofrido por Lula, também em março. Ainda na pré-campanha presidencial, a caravana do então pré-candidato do PT à Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva, foi atacada a tiros, no dia 27 de março, no Paraná.
Segundo a historiadora, é preciso também levar em conta a violência simbólica vinda de uma rejeição à classe política de forma geral. “A imagem de figuras como o presidente, ministros, deputados, já não geram respeito. Disso vem uma violência que não envolve pancadas, tiros, mas muitos xingamentos, desaforos, o que aconteceu por exemplo com a então presidente Dilma Roussef na abertura da Copa do Mundo no Brasil. Mas esse tipo de comportamento, que não deixa de ser violento, acontece em outros lugares do mundo, onde políticos já não conseguem andar com tranquilidade na rua”, avalia Armelle Enders. Mas, segundo a professora, no Brasil, a polarização cresceu tanto que as agressões estão deixando de ser apenas verbais.
Brasil já foi um país tolerante
O colunista da RFI e professor do Instituto de Estudos Políticos de Paris, Alfredo Valladão, ressalta que essa é a primeira vez que um candidato à Presidência é ferido em um ataque. “O Brasil sempre foi um país bastante tolerante, mas a questão da polarização dos últimos 10 anos mudou isso e agora com esse atentado, podemos ter um aumento muito grave da violência política“, analisa o colunista.
Segundo Valladão, a polarização se iniciou no governo de Lula, com o discurso do “eles contra nós. “Dizer que a democracia só funcionava quando o PT estava no poder criou um clima de intolerância muito grande, inclusive entre as pessoas, com discussões nos bares, insultos, então se criou esse ambiente de violência verbal dos dois lados que só faz crescer”, concluiu.
Chegando no limite
Para o cientista político da UFMG, Leonardo Avritzer, o atentado contra o deputado e candidato à Presidência, Jair Bolsonaro, piora “uma situação política já muito grave”. “O Brasil está no limite entre a violência política e verbal e o atentado, por mais que seja um ato isolado, acentua a tendência daqueles que defendem a violência política de reagir por esse meio, o que é um grande problema para a democracia brasileira”, analisa Avritzer.
A grande dúvida é saber o que virá pela frente. “No Brasil tudo pode acontecer. Pode ser que depois de uma certa emoção, a tensão caia e não altere tanta coisa, como também pode ser o oposto. O que é certo é que já começamos a ouvir discursos de incitação ao ódio, como a de uma personalidade do PSL que disse ‘agora é guerra’”, afirmou a historiadora Armelle Enders. “O mais complicado será entre os dois turnos, pois se Bolsonaro se recuperar, o que deve acontecer, e perder a eleição, acredito que haverá ainda mais violência”, concluiu.
RFI
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