Caetano Veloso integra movimento contra a candidatura de Jair Bolsonaro
Um grupo que inclui intelectuais, juristas, artistas, esportistas, ativistas e empresários subscreveu um manifesto contra a candidatura de Jair Bolsonaro (PSL), líder nas pesquisas de intenção de voto para presidente da República, divulgado neste domingo. O documento, intitulado "Pela democracia, pelo Brasil", não indica apoio a nenhuma candidatura presidencial, mas afirma ser necessário um movimento democrático contra o projeto do candidato do PSL nas eleições 2018.
"A candidatura de Jair Bolsonaro representa uma ameaça franca ao nosso patrimônio civilizatório primordial", diz o texto. A carta relaciona a ascensão de Bolsonaro com o surgimento de regimes autoritários em outros países e momentos da história. "Testemunhamos os ecos de experiências autoritárias pelo mundo, deflagradas pela expectativa de responder a crises ou superar impasses políticos, afundando seus países no isolamento, na violência e na ruína econômica."
O documento também compara o sucesso do ex-capitão a outros presidentes que assumiram com promessas populista relacionadas ao fim da corrupção. "Conhecemos amplamente os resultados de processos históricos assim. Tivemos em Jânio (Quadros) e (Fernando) Collor outros pretensos heróis da pátria, aventureiros eleitos como supostos redentores da ética e da limpeza política, para nos levar ao desastre."
Nas primeiras linhas, o texto ressalta as diferenças ideológicas entre os autores. Assinam desde o jurista Miguel Reale Jr., um dos autores do pedido de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), ao ex-ministro Renato Janine Ribeiro, que comandou o Ministério da Educação (MEC) por seis meses no governo Dilma.
O manifesto também é subscrito por personalidades que deram apoio a outros candidatos nas eleições. Entre os nomes estão os de Maria Alice Setúbal, educadora e acionista do Itaú Unibanco; do economista Bernard Appy; do empresário Guilherme Leal, sócio da Natura; de Caetano Veloso e Paula Lavigne; do advogado e professor da FGV Oscar Vilhena; e do médico Drauzio Varella.
Caetano e Paula Lavigne declararam apoio a Ciro Gomes (PDT). Maria Alice Setúbal e Guilherme Leal já atuaram ao lado de Marina Silva (Rede) em pleitos passados, mas não tê m papel na campanha atual da ex-senadora.
O manifesto foi lançado com uma relação inicial de signatários e ficará hospedado num site próprio do movimento. A lista ficará aberta para quem quiser incluir a assinatura. Até a noite deste domingo, a lista tinha a assinatura de cerca de 330 nomes.
O documento foi fechado na quinta-feira pelas mãos de um grupo de amigos, entre eles o advogado José Marcelo Zacchi. Ao longo do fim de semana, circulou em grupos de WhatsApp e teve adesões.
Segundo Zacchi, o objetivo do manifesto é reunir vozes que representem diversos segmentos da sociedade e possam mobilizar setores. "É sobre repudiar um projeto que nos parece contrário aos princípios democráticos", diz.
A campanha de Bolsonaro não havia se manifestado até a publicação desta reportagem.
Leia abaixo a íntegra do manifesto:
"Pela Democracia, pelo Brasil
Somos diferentes. Temos trajetórias pessoais e públicas variadas. Votamos em pessoas e partidos diversos. Defendemos causas, ideias e projetos distintos para nosso país, muitas vezes antagônicos.
Mas temos em comum o compromisso com a democracia. Com a liberdade, a convivência plural e o respeito mútuo. E acreditamos no Brasil. Um Brasil formado por todos os seus cidadãos, ético, pacífico, dinâmico, livre de intolerância, preconceito e discriminação.
Como todos os brasileiros, sabemos da profundidade dos desafios que nos convocam nesse momento. Mais além deles, do imperativo de superar o colapso do nosso sistema político, que está na raiz das crises múltiplas que vivemos nos últimos anos e que nos trazem ao presente de frustração e descrença.
Mas sabemos também dos perigos de pretender responder a isso com concessões ao autoritarismo, à erosão das instituições democráticas ou à desconstrução da nossa herança humanista primordial.
Podemos divergir intensamente sobre os rumos das políticas econômicas, sociais ou ambientais, a qualidade deste ou daquele ator político, o acerto do nosso sistema legal nos mais variados temas e dos processos e decisões judiciais para sua aplicação. Nisso, estamos no terreno da democracia, da disputa legítima de ideias e projetos no debate público.
Quando, no entanto, nos deparamos com projetos que negam a existência de um passado autoritário no Brasil, flertam explicitamente com conceitos como a produção de nova Constituição sem delegação popular, a manipulação do número de juízes nas cortes superiores ou recurso a autogolpes presidenciais, acumulam declarações francamente xenofóbicas e discriminatórias contra setores diversos da sociedade, refutam textualmente o princípio da proteção de minorias contra o arbítrio e lamentam o fato das forças do Estado terem historicamente matado menos dissidentes do que deveriam, temos a consciência inequívoca de estarmos lidando com algo maior, e anterior a todo dissenso democrático.
Conhecemos amplamente os resultados de processos históricos assim. Tivemos em Jânio e Collor outros pretensos heróis da pátria, aventureiros eleitos como supostos redentores da ética e da limpeza política, para nos levar ao desastre. Conhecemos 20 anos de sombras sob a ditadura, iniciados com o respaldo de não poucos atores na sociedade. Testemunhamos os ecos de experiências autoritárias pelo mundo, deflagradas pela expectativa de responder a crises ou superar impasses políticos, afundando seus países no isolamento, na violência e na ruína econômica. Nunca é demais lembrar, líderes fascistas, nazistas e diversos outros regimes autocráticos na história e no presente foram originalmente eleitos, com a promessa de resgatar a autoestima e a credibilidade de suas nações, antes de subordiná-las aos mais variados desmandos autoritários.
Em momento de crise, é preciso ter a clareza máxima da responsabilidade histórica das escolhas que fazemos.
Esta clareza nos move a esta manifestação conjunta, nesse momento do país. Para além de todas as diferenças, estivemos juntos na construção democrática no Brasil. E é preciso saber defendê-la assim agora.
É preciso dizer, mais que uma escolha política, a candidatura de Jair Bolsonaro representa uma ameaça franca ao nosso patrimônio civilizatório primordial. É preciso recusar sua normalização, e somar forças na defesa da liberdade, da tolerância e do destino coletivo entre nós.
Prezamos a democracia. A democracia que provê abertura, inclusão e prosperidade aos povos que a cultivam com solidez no mundo. Que nos trouxe nos últimos 30 anos a estabilidade econômica, o início da superação de desigualdades históricas e a expansão sem precedentes da cidadania entre nós. Não são, certamente, poucos os desafios para avançar por dentro dela, mas sabemos ser sempre o único e mais promissor caminho, sem ovos de serpente ou ilusões armadas.
Por isso, estamos preparados para estar juntos na sua defesa em qualquer situação, e nos reunimos aqui no chamado para que novas vozes possam convergir nisso. E para que possamos, na soma da nossa pluralidade e diversidade, refazer as bases da política e cidadania compartilhadas e retomar o curso da sociedade vibrante, plena e exitosa que precisamos e podemos ser."
Estadão Conteúdo
"A candidatura de Jair Bolsonaro representa uma ameaça franca ao nosso patrimônio civilizatório primordial", diz o texto. A carta relaciona a ascensão de Bolsonaro com o surgimento de regimes autoritários em outros países e momentos da história. "Testemunhamos os ecos de experiências autoritárias pelo mundo, deflagradas pela expectativa de responder a crises ou superar impasses políticos, afundando seus países no isolamento, na violência e na ruína econômica."
O documento também compara o sucesso do ex-capitão a outros presidentes que assumiram com promessas populista relacionadas ao fim da corrupção. "Conhecemos amplamente os resultados de processos históricos assim. Tivemos em Jânio (Quadros) e (Fernando) Collor outros pretensos heróis da pátria, aventureiros eleitos como supostos redentores da ética e da limpeza política, para nos levar ao desastre."
Nas primeiras linhas, o texto ressalta as diferenças ideológicas entre os autores. Assinam desde o jurista Miguel Reale Jr., um dos autores do pedido de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff (PT), ao ex-ministro Renato Janine Ribeiro, que comandou o Ministério da Educação (MEC) por seis meses no governo Dilma.
O manifesto também é subscrito por personalidades que deram apoio a outros candidatos nas eleições. Entre os nomes estão os de Maria Alice Setúbal, educadora e acionista do Itaú Unibanco; do economista Bernard Appy; do empresário Guilherme Leal, sócio da Natura; de Caetano Veloso e Paula Lavigne; do advogado e professor da FGV Oscar Vilhena; e do médico Drauzio Varella.
Caetano e Paula Lavigne declararam apoio a Ciro Gomes (PDT). Maria Alice Setúbal e Guilherme Leal já atuaram ao lado de Marina Silva (Rede) em pleitos passados, mas não tê m papel na campanha atual da ex-senadora.
O manifesto foi lançado com uma relação inicial de signatários e ficará hospedado num site próprio do movimento. A lista ficará aberta para quem quiser incluir a assinatura. Até a noite deste domingo, a lista tinha a assinatura de cerca de 330 nomes.
O documento foi fechado na quinta-feira pelas mãos de um grupo de amigos, entre eles o advogado José Marcelo Zacchi. Ao longo do fim de semana, circulou em grupos de WhatsApp e teve adesões.
Segundo Zacchi, o objetivo do manifesto é reunir vozes que representem diversos segmentos da sociedade e possam mobilizar setores. "É sobre repudiar um projeto que nos parece contrário aos princípios democráticos", diz.
A campanha de Bolsonaro não havia se manifestado até a publicação desta reportagem.
Leia abaixo a íntegra do manifesto:
"Pela Democracia, pelo Brasil
Somos diferentes. Temos trajetórias pessoais e públicas variadas. Votamos em pessoas e partidos diversos. Defendemos causas, ideias e projetos distintos para nosso país, muitas vezes antagônicos.
Mas temos em comum o compromisso com a democracia. Com a liberdade, a convivência plural e o respeito mútuo. E acreditamos no Brasil. Um Brasil formado por todos os seus cidadãos, ético, pacífico, dinâmico, livre de intolerância, preconceito e discriminação.
Como todos os brasileiros, sabemos da profundidade dos desafios que nos convocam nesse momento. Mais além deles, do imperativo de superar o colapso do nosso sistema político, que está na raiz das crises múltiplas que vivemos nos últimos anos e que nos trazem ao presente de frustração e descrença.
Mas sabemos também dos perigos de pretender responder a isso com concessões ao autoritarismo, à erosão das instituições democráticas ou à desconstrução da nossa herança humanista primordial.
Podemos divergir intensamente sobre os rumos das políticas econômicas, sociais ou ambientais, a qualidade deste ou daquele ator político, o acerto do nosso sistema legal nos mais variados temas e dos processos e decisões judiciais para sua aplicação. Nisso, estamos no terreno da democracia, da disputa legítima de ideias e projetos no debate público.
Quando, no entanto, nos deparamos com projetos que negam a existência de um passado autoritário no Brasil, flertam explicitamente com conceitos como a produção de nova Constituição sem delegação popular, a manipulação do número de juízes nas cortes superiores ou recurso a autogolpes presidenciais, acumulam declarações francamente xenofóbicas e discriminatórias contra setores diversos da sociedade, refutam textualmente o princípio da proteção de minorias contra o arbítrio e lamentam o fato das forças do Estado terem historicamente matado menos dissidentes do que deveriam, temos a consciência inequívoca de estarmos lidando com algo maior, e anterior a todo dissenso democrático.
Conhecemos amplamente os resultados de processos históricos assim. Tivemos em Jânio e Collor outros pretensos heróis da pátria, aventureiros eleitos como supostos redentores da ética e da limpeza política, para nos levar ao desastre. Conhecemos 20 anos de sombras sob a ditadura, iniciados com o respaldo de não poucos atores na sociedade. Testemunhamos os ecos de experiências autoritárias pelo mundo, deflagradas pela expectativa de responder a crises ou superar impasses políticos, afundando seus países no isolamento, na violência e na ruína econômica. Nunca é demais lembrar, líderes fascistas, nazistas e diversos outros regimes autocráticos na história e no presente foram originalmente eleitos, com a promessa de resgatar a autoestima e a credibilidade de suas nações, antes de subordiná-las aos mais variados desmandos autoritários.
Em momento de crise, é preciso ter a clareza máxima da responsabilidade histórica das escolhas que fazemos.
Esta clareza nos move a esta manifestação conjunta, nesse momento do país. Para além de todas as diferenças, estivemos juntos na construção democrática no Brasil. E é preciso saber defendê-la assim agora.
É preciso dizer, mais que uma escolha política, a candidatura de Jair Bolsonaro representa uma ameaça franca ao nosso patrimônio civilizatório primordial. É preciso recusar sua normalização, e somar forças na defesa da liberdade, da tolerância e do destino coletivo entre nós.
Prezamos a democracia. A democracia que provê abertura, inclusão e prosperidade aos povos que a cultivam com solidez no mundo. Que nos trouxe nos últimos 30 anos a estabilidade econômica, o início da superação de desigualdades históricas e a expansão sem precedentes da cidadania entre nós. Não são, certamente, poucos os desafios para avançar por dentro dela, mas sabemos ser sempre o único e mais promissor caminho, sem ovos de serpente ou ilusões armadas.
Por isso, estamos preparados para estar juntos na sua defesa em qualquer situação, e nos reunimos aqui no chamado para que novas vozes possam convergir nisso. E para que possamos, na soma da nossa pluralidade e diversidade, refazer as bases da política e cidadania compartilhadas e retomar o curso da sociedade vibrante, plena e exitosa que precisamos e podemos ser."
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