Processo químico transforma resíduos gordurosos, como as sobras do óleo de cozinha, em fonte de energia renovável. A solução criada por cientistas ingleses pode ser implantada nas casas e ainda evita o entupimento da rede de esgoto
Alguns materiais não podem ser descartados no lixo comum por serem considerados uma ameaça ao meio ambiente, como pilhas, baterias e o óleo de cozinha, um dos produtos mais presentes nas residências. Para resolver esse problema, pesquisadores canadenses desenvolveram uma tecnologia capaz de quebrar gorduras presentes nesses resíduos domésticos e em materiais semelhantes da indústria, como a graxa.
O processo químico ainda tem outros benefícios: produz gás metano, uma fonte de energia renovável, e evita o entupimento de canos. Essa última solução tem sido cada vez mais procurada por grandes cidades. Recentemente, por exemplo, a população de Londres foi surpreendida com os fatbergs, depósitos sólidos de resíduos gordurosos que bloquearam a rede de esgoto. Segundo especialistas, nada melhor do que a adoção de soluções simples para esses grandes dilemas atuais.
É o que prometem os cientistas canadenses com a nova tecnologia de reaproveitamento. Nela, os compostos de gordura são aquecidos a temperatura entre 90°C e 100°C e, em seguida, recebem peróxido de hidrogênio, um produto que estimula a decomposição da matéria orgânica. Em testes, o tratamento reduziu o volume de sólidos presentes nos óleos gordurosos em até 80%. Também liberou ácidos graxos, que permitiu a passagem para a segunda etapa do tratamento, quando o material é decomposto por bactérias.
Ao se alimentar do material orgânico abundante nos restos gordurosos, os micro-organismos podem produzir gás metano. “Esses óleos são uma excelente fonte para as bactérias, que podem transformá-los em uma fonte de energia renovável e valiosa. Mas, se eles forem muito ricos em orgânicos, as bactérias não podem lidar com isso, e o processo se torna ineficiente. À temperatura certa, asseguramos que esses resíduos têm potencial para gerar grandes quantidades de metano”, explica, ao Correio, Asha Srinivasan, principal autora do estudo e pesquisadora da Universidade de British Columbia (UBC).
Para os criadores da tecnologia, será possível usá-la também dentro de casa, devido à simplicidade da técnica. “O princípio seria o mesmo: você faz o pré-tratamento desses resíduos para não entupir os canos de onde mora”, ilustra Victor Lo, professor de engenharia civil da UBC e um dos autores do estudo.
Luiz Alberto Cesar Teixeira, professor do Departamento de Engenharia Química e de Materiais do Centro Técnico Científico da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), ressalta que a tecnologia traz solução para um problema de escala global. “Somente no Brasil, pode-se estimar que mais de 200 milhões de litros desses resíduos são gerados mensalmente e que, atualmente, apenas 1% seja seletivamente coletado e tratado”, diz.
O professor lembra que o descarte inadequado pode provocar a contaminação de mananciais utilizados para a captação e o tratamento de água para consumo humano. Segundo ele, hoje, são adotadas diferentes abordagens para evitar o problema. Desde a mais simples, com o aproveitamento do poder calorífico para queima e economia de combustíveis em fornos de coprocessamento com cimento, até a produção de biodiesel. “Há ainda a fabricação de sabão e ração animal. A estratégia canadense poderia ajudar a reduzir esse problema surgindo como uma nova estratégia de reciclagem”, acredita.
Nas fazendas
Segundo Asha Srinivasan, os óleos submetidos ao processo químico também podem ser de grande auxílio para a área agrícola, que se beneficiaria com melhoramento na fabricação do metano. “Geralmente, eles são misturados com lodo de esgoto ou esterco, mas sem passar por um processo de decomposição, esses resíduos não podem ser usados diretamente em um biodigestor para produzir biogás. Por isso, atualmente, apenas uma quantidade limitada desses óleos pode ser usada para esse fim”, explica. “Os agricultores normalmente restringem o uso desse resíduo a menos de 30%. Com a nossa técnica, esse número pode subir para 75%. Você teria duas vantagens: reciclaria mais resíduos de óleo e produziria mais metano ao mesmo tempo.”
Victor Lo, professor emérito de engenharia civil da UBC, conta que a equipe planeja aperfeiçoar a técnica, mas acredita que o método já apresenta vantagens consideráveis, que fazem dele um grande candidato a ser incorporado por empresas. “Até onde sabemos, esse tipo de pré-tratamento não foi estudado antes, embora existam métodos químicos simples para decompô-los”, justifica. “Esperamos fazer mais pesquisas para encontrar a proporção ideal da decomposição desses resíduos”, adianta.
Para o professor da PUC-RJ, uma das preocupações dos cientistas deve ser o valor do processo desenvolvido. “Como todo aperfeiçoamento tecnológico que surge, será necessário dar um próximo passo, comparar custos desse com os dos já existentes processos de utilização de resíduos oleosos para fins de geração e aproveitamento energético. O novo conceito apresentado, além de tecnicamente válido, tem que ser seguro e economicamente competitivo”, opina Luiz Alberto Cesar Teixeira.
Icebergs de gordura
Em 2017, uma enorme bola de gordura foi encontrada em um bueiro de esgoto londrino por funcionários da Companhia de Águas Britânica Thames Water. A bola era composta por gordura oriunda de vazamentos e descarte de óleo e azeites, além de pedaços de papel que, segundo especialistas, datam da época vitoriana. As autoridades conseguiram acabar com o iceberg de gordura, reduzindo de 20 a 30 toneladas por dia, com a ajuda de mangueiras de alta pressão.
Correio Braziliense via Diário de Pernambuco
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