Dona Expedita Ramalho, avó materna de Assis Ramalho
Por Paula Rubens
A oportunidade surgiu através de Sinhô, cunhado de seu pai, irmão da nova esposa. Ele havia se casado com uma prima do Mundo Novo. Por causa disso, voltou ao Sírio Cajazeiras para vender uma propriedade para comprar outra no Mundo Novo. Regina, a mulher de Sinhô, conhecida como Marruca, era prima muito chegada de sua mãe, quase uma tia sua.
Assim, já com um plano em mente aos dezenove anos aceitou correndo o convite de Sinhô para que conhecessem a nova terra. O pai e um dos irmãos foram também. Seguiram por dois dias, ela, Sinhô, seu pai e seu irmão mais velho, em quatro animais, um só para a bagagem.
Seu pai passou por lá quase um mês, ajudou a construir a casa do cunhado em Cipozinho e quando resolveu voltar chamou a filha. Ela, muito bem acolhida onde estava, anunciou que não voltaria com ele. O pai não insistiu. Deixou que ficasse. O plano já era não voltar, mas mesmo que quisesse... Não é que teve um moço que ao vê-la pela primeira vez na casa onde ela estava hospedada, encantou-se e disse determinado: “essa não volta que eu não deixo!" E não deixou mesmo! Com ela casou há pouco mais de um ano depois de conhecê-la.
Ela com 21 anos e Antonio Nunes, seu noivo com 23 anos. Ele era neto do velho Antonio Nunes, o primeiro morador do Mundo Novo, que veio morar lá enviado por seu pai, o dono da terra, Capitão José Xavier, da Quixabinha. A intenção era livrar o filho recém casado e sua esposa, Ana, de uma epidemia de varíola, que vitimou posteriormente o próprio Capitão Xavier. Vida nova num mundo novo. Assim, por Mundo Novo, ficou batizado o lugar.
Antonio Nunes e Aninha, como ficou conhecida, tiveram, quatorze filhos: Maria Feliciana, Antonio, Juvenal, Francisco, Mariana, Maria (Nem), Tereza, Joaquim, Francisca (Chiquinha), José, Pedro, Manoel ( Avô de Maria de Santo) Januária e João. Os filhos do velho Antonio Nunes, foram construindo suas casas dentro das terras do Mundo Novo, mas a cada lugar onde se instalavam iam dando nome à área.
Pedro Nunes, um dos filhos do velho, que depois viria ser sogro de D. Expedita, casou-se com Marcionila e reformou uma casa de farinha que ficava à sombra de um juazeiro. O lugar ficou conhecido como Juazeiro. Depois João Nunes, também construiu a sua na parte de cima do terreno, onde havia um pequeno riacho, que ficou conhecido como Riacho. O mesmo fez, seu irmão Manoel Nunes, que fixou-se noutra área do mesmo terreno que ficou conhecido como Barrocão. Portanto, Juazeiro, Riacho e Barrocão são lugares da mesma terra do Mundo Novo.
Quando D. Expedita chegou no Mundo Novo, no ano de 1942, existiam lá apenas essas três casas e muita fartura de manga, caju e outras frutas. Não havia luz elétrica, nem água encanada. A água de beber era a de chuva ou do riacho quando cheio. Lá criou seus seis filhos.
Antonio Nunes, marido de Dona Expedita, falecido em 2001
Antonio, seu marido, homem trabalhador, tinha criatório de cabras e gado, plantava feijão, melancia e muita mandioca. Ela cuidava da casa e na hora da colheita ajudava, mas nunca precisou trabalhar de enxada. Levava comida para os trabalhadores e, aqui acolá, se juntava às mulheres para apanhar feijão quando a safra era farta. Também colaborava nas farinhadas. Gostava de ver o trabalho animado da casa de farinha. Era tanta mandioca que precisava chamar gente de fora para ajudar.
As mulheres, normalmente eram as encarregadas de raspar a mandioca, que depois de raspadas eram colocadas na cevadeira, espécie de triturador, fazendo a massa cair em um grande cocho de madeira , que depois era levada para a prensa. Fazer a roda da prensa girar era coisa de homem, precisava ter força. A água que desprendia da massa era jogada fora. Era venenosa. Lá mesmo aconteceu de um bezerro sedento ter tomado dessa água e ter morrido na mesma hora. Já a massa, agora livre da água, era peneirada e seguia para o forno, onde era mexida por braços de homem até torrar. Uma parte dessa massa, antes de ir ao forno, era novamente lavada e jogada dentro de uma pequena rede para coar. O caldo que dela escorria era aparado, da água decantada surgia a goma branquinha com a qual se fazia o tapioca e o beijú.
Eram noites animadas na casa de farinha. De manhã beiju quentinho pra todo mundo comer com o café que ela trazia de casa logo cedo. Também costurava enormes sacos de tecido para armazenar toda a farinha, resultado de até um mês de farinhada, muitas vezes. Ela que viera de um lugar farto de leite, queijo e derivados, pois seu pai era criador de gado, só estranhou um pouco o costume de comer farinha, preferia o cuscuz de milho que estava habituada a comer.
Era feliz ali, gostava muito de lá. Lá criou seus seis filhos: Elita, Maria José, Eliêda, Ana (Naninha) , Manoel, Pedro, Antonio (Toinho), Socorro, Maria do Carmo (Carminha), Maria Aparecida (Cida) e Isaías. Festa no lugar só os forrós nas casas, mas ela não participava, tinha muito menino pra cuidar. Era trabalho e casa. Criou os filhos e ajudou o marido sem ter ajuda de empregada. Nunca pagou costura. Fazia ela mesma roupa para sua família. Seu único lazer era a novela Direito de Nascer, que ouvia na Rádio Clube do Recife, num rádio de pilha. Luxo para poucos na época. Todo dia ia levar a comida dos trabalhadores na roça e voltava correndo pra não perder a novela.
A única festa que não perdia era a de Nossa Senhora da Saúde em Tacaratu. Antonio, seu marido, levava carne de bode retalhada e ficavam por lá, pelo menos os últimos três da festa em casa de amigos. Religiosa, católica fervorosa, é integrante do Apostolado da Oração desde esse tempo. Muitas vezes foi a pé assistir à missa do Sagrado Coração de Jesus em Tacaratu. Depois filiou-se à Legião de Maria, e mais tarde tornou-se catequista em Petrolândia, onde atuou por oito anos, na época de Pe. Mateus e Adriano.
Os filhos foram crescendo e precisavam continuar a estudar, pois lá só havia o primário. O marido, que matava boi para a feira de Barreiras, comprou casa lá e botou os filhos mais velhos. Anos depois teve que comprar casa em Petrolândia para que fizessem o segundo grau. Moraram na rua Gonçalves Dias, 126. Ela continuava no Mundo Novo. Agora, o que era bom ficou melhor. Energia, água encanada e muito mais gente morando por lá. Ao todo dezoito famílias.
Mas havia a questão indígena. As terras, segundo eles, haviam sido doadas aos índios pela Princesa Isabel, conta de ouvir falar, D. Expedita. Já havia uma parte delas demarcadas. Uma cerca passava perto de uma propriedade dos Nunes. Mas eles reivindicavam toda a aérea e nela incluía toda a terra do Mundo Novo. Essa questão durou anos. Antes de chegarem a uma solução, Antonio adoeceu e tiveram que vir morar em Petrolândia.
Ele tinha adquirido a doença de Chagas, o coração estava crescido. Só depois de falecido a família recebeu a indenização de suas terras do Mundo Novo. Com o dinheiro construíram casa na nova cidade de Petrolândia, que estava mudando de localização em função da inundação causada pela barragem de Itaparica. Ficaram casados por 50 anos. Ele faleceu em 2001, aos 89 anos. D. Expedita , que na época já morava em Petrolândia, não conseguiu permanecer na mesma casa. Mudou-se para casa da filha Ana.
Aos noventa e cinco anos, D. Expedita diz que tem muita saudade do Mundo Novo, das manhãs chuvosas, das galinhas no terreiro... e lamenta saber que hoje as terras que foram deles se encontram tão mal cuidadas. Na casa que foi sua, hoje mora a Cacique do Povo Pankararu Entre Serras. Nunca mais ela quis ir lá. Prefere guardar as boas lembranças.
Fonte: Museu da Pessoa
Nota: Expedita Jacobino Ramalho é avó materna do blogueiro e radialista Assis Ramalho.
Blog de Assis Ramalho
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