FILHOS DO MUNDO
Por: Fernando Batista
Franzinos e maltrapilhos, logo cedinho se aventuram em meio aos carros; quando não, brincam de ser crianças nas calçadas sob os holofotes opacos da sociedade. Despenteados e com cheiro de colchão sujo, querem quebrar as barreiras que os dividem. Do lado de cá do pára-brisas a fala ainda infantil pede um trocado quando, inconscientemente ou consciente (quem sabe), querem mais que isso. Querem simplicidade. Coisa pouca. Colo de mãe, prolongadas carícias.
Uns são órfãos de pai ou de mãe. Todos são órfãos de afeto, como se este tivesse ido na bodega da esquina comprar cigarros e nunca mais se atreveu voltar. Gostariam de mãos de mulher sobre suas faces adormecidas, voz serena de homem ensinando lisuras e propondo caráter. Nas memórias de suas peles o abandono é hóspede diário a se albergar. Nunca foram alcançadas pelo carinho das mãos, a não ser no seu muito imaginar.
Sabem muito pouco a respeito de suas origens. Nome curto, sem sobrenome, sem história. Quando a tosse quebra a fria madrugada e o seu silêncio, ocorre que um prato de cuscuz seria uma declaração de amor sobre a mesa. O significado extrapola a matéria. Há momentos em que os ovos são mais que ovos. É metafísica que os sentidos sugerem. O leite branco na tigela atribui riqueza que não cabe em seu valor protéico. O leite deixou de ser leite para ser transporte que conduz à mesa da cozinha.
Amanhece. O coração sente saudades, mas não sabe de quem. O resto é ausência sem face, sem testamento. Tudo fazendo morada neles. O antagonismo chega a ser cruel. Os sentimentos têm morada enquanto eles padecem sem teto. Sentimentos clamando em vozes uníssonas, gritando aos ouvidos de suas almas que são eles o destino de todas as ausências do mundo.
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