quarta-feira, junho 27, 2018

Nova lei pode liberar agrotóxico com potencial cancerígeno, diz Anvisa

Nova legislação sobre agrotóxicos está em trâmite na Câmara; projeto foi aprovado em comissão e segue para o plenário (Foto: Reprodução/RBS TV)
Lei pretende mudar nome "agrotóxicos" para "defensores fitossanitários" (Foto: Nathalia Ceccon/Idaf-ES/Arquivo)

Potencial cancerígeno, desregulação dos hormônios, ativação de mutações e danos ao aparelho reprodutor são problemas provocados por nove agrotóxicos atualmente proibidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). O órgão usa a lista com os efeitos e os nomes desses produtos para apontar o impacto que pode provocar uma eventual aprovação do projeto de lei que busca flexibilizar a Lei dos Agrotóxicos em tramitação no Congresso.

A Anvisa alega que a nova lei proposta estabelece que só devem ser proibidos agrotóxicos cuja avaliação apontem que eles têm "risco inaceitável". Mas as nove substâncias vetadas usadas por ela como exemplo (Endossulfam, Cihexatina, Tricloform, Monocrotofós, Pentaclorofenol, Lindano, Metamidofós, Parationa Metílica e Procloraz) são consideradas de difícil avaliação. O órgão diz que em apenas uma delas foi possível determinar uma dose segura para uso, mas o uso desse mesmo produto - Cihexatina - já foi considerado inaceitável em seis países.

Com a meta de desburocratizar e acelerar o registro, o novo projeto de lei concentra a aprovação no Ministério da Agricultura e prevê a liberação de registros temporários, mesmo sem a conclusão da análise de órgãos reguladores. Por isso a Anvisa teme até mesmo que fabricantes dos nove produtos proibidos ou de outros com problemas similares usem a flexibilização da lei para conseguir que eles sejam usados nas lavouras.

Critério de risco


O projeto de lei (PL) 6299, de 2002, é de autoria de Blairo Maggi (PP), atual ministro da Agricultura. Segundo o deputado Luiz Nishimori (PR), relator do PL, o critério de risco inaceitável será determinado pela Anvisa e pelo Ibama, de acordo com os artigos 6º e 7º da nova lei. Ele diz ainda que o Brasil seguirá outros países em que estudos laboratoriais estipulam quais os limites de ingestão diária das substâncias.

"As análises de Limite Máximo de Resíduos (LMR) e Ingestão Diária Aceitável (IDA) de cada substância seguem protocolos internacionais de segurança que continuarão sendo obedecidos na nova legislação. Se um produto for submetido à avaliação de risco, e Ibama, Anvisa ou MAPA identificarem um risco inaceitável, não será liberado para a comercialização".

Apesar de condicionar a aprovação ao aval dos órgãos reguladores, a perspectiva do relator do projeto é criticada por opositores que chamam a medida de "PL do Veneno" e pela própria Anvisa.

A Anvisa considera que uma substância será proibida caso não seja possível estabelecer qual a dose segura para o consumo. Nesses casos, diz a agência, "o risco é sempre inaceitável".

Para a agência, contudo, o projeto dá margem para que essas substâncias sejam autorizadas do jeito que o projeto está - e, por esse motivo, é necessário que o tema seja regulamentado, com detalhamentos mais exatos.

"Em termos gerais, o PL estabelece que poderão ser registrados produtos que possuem características de mutagenicidade, carcinogenicidade, teratogenicidade, desregulação endócrina, que causem dano ao aparelho reprodutor e, ainda, que sejam danosos ao meio ambiente", disse a Anvisa, em nota ao G1.

Novo ponto de corte

Segundo Cláudio Meirelles, pesquisador da Fiocruz, que esteve à frente da Gerência Geral de Toxicologia (GGTOX) da Anvisa por 14 anos, a nova lei tira "um ponto de corte" que a atual legislação tem.

"A atual lei estabelece o seguinte: se tem o potencial de causar câncer, tem de tirar do mercado. Esse é o critério do perigo. Há um ponto de corte claro aí. Para o gestor, isso é impeditivo de registro" - Luiz Cláudio Meirelles (Fiocruz).

"O que a nova lei pretende é estabelecer um novo critério: o de avaliação de risco, o que deixa tudo no vácuo. Há uma tentativa aí de fazer esgotar ao máximo todos os estudos e aceitar o risco já colocado em estudos experimentais", conclui o pesquisador.

Para Meirelles, na prática, a nova lei aceita o risco porque é impossível avaliar em humanos se a substância A causou o câncer B.

"Além de ser totalmente inaceitável e antiético fazer um estudo desse em humanos, mesmo com estudos epidemiológicos, a gente sabe o quanto é difícil essa briga. Só ver o caso do tabaco e do amianto. E a gente não tá falando de uma substância. Estamos falando de 500."

Outro ponto é que a avaliação de risco, nesse caso, seria teórica e baseada em modelos matemáticos.

"Eu estabeleço ali, por exemplo, que ao colocar um item de segurança Y, é possível reduzir o risco em X% a cada 1000 mil pessoas, por exemplo. Mas trabalhar com um critério matemático desses, em produtos potencialmente cancerígenos, é muito complicado."

Meirelles pontua que, nesse momento, "só Deus sabe o que vai acontecer com essas substâncias" em que não é possível fazer uma avaliação de risco por não haver limiar de dose.

"Um complicador é que a nova lei tira o poder de veto da área da saúde e do meio ambiente. O risco é sempre indesejado. A gente tem sempre de evitar. É uma questão de princípio."

O relator da nova lei discorda. Nishimori diz que ela seguirá protocolos internacionais de segurança com parâmetros que são estabelecidos por estudos laboratoriais para determinar o que seria uma "dose segura".

"Funciona como nos medicamentos. Existem vários remédios que trazem na bula a informação de que são teratogênicos ou carcinogênicos e, apesar disso, são receitados pelos médicos e utilizados pelos pacientes, como a isotretinoína (Roacutan), o metronidazol ou a azatioprina. Em atenção às recomendações de dosagem e periodicidade prescritas, as substâncias são seguras, cumprem o efeito esperado e os riscos estarão controlados" - Nishimori

"Substâncias do nosso cotidiano, como cafeína e aspartame, se consumidas inadequadamente, também podem ter potencial cancerígeno e nem por isso são proibidas", defende o relator do projeto.

Mudanças previstas no PL 6299/2002


APROVAÇÃO - O processo de aprovação de agrotóxicos passará a ser concentrado em só uma entidade ligada ao Ministério da Agricultura. Hoje ele tramita em paralelo em três órgãos: Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), do Ministério da Saúde e do Ministério da Agricultura.
ANÁLISE DE RISCO - Empresa dona do produto deve apresentar estudo. Produtos com "risco aceitável" devem ser aceitos.
LICENÇAS TEMPORÁRIAS - Lei prevê liberar licenças temporárias. Hoje, processo de liberação regular pode levar até oito anos.
NOMENCLATURA - Passará a ser usado os termos "defensivos agrícolas" e "produtos fitossanitários" no lugar de "agrotóxico".

Por G1

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