Sinais de ansiedade e depressão estão presentes em 51% dos pacientes com a doença
Coceiras incontroláveis, lesões na pele, vermelhidão, inchaço, descamações, rachaduras que abrem caminho para infecções. E mais: dificuldade para dormir, depressão, isolamento social. Luana Mercante, de 22 anos, convive com esses sintomas desde a infância. E também com o preconceito. A dermatite atópica não é contagiosa, mas altamente debilitante, quando se manifesta de forma grave. Para esses casos, um novo tratamento, recentemente aprovado nos Estados Unidos e no Brasil, tornou a doença um dos principais assuntos debatidos no Congresso da Academia Americana de Dermatologia, na semana passada em San Diego, na Califórnia.
Dos banhos de maisena na infância às altas doses de corticoide que precisou tomar há dois anos, Luana já passou por inúmeros tratamentos. Cresceu indo a consultórios de dermatologistas, mas o diagnóstico só veio há quatro anos. Na infância e na adolescência, sofria com os olhares preconceituosos e as perguntas dos colegas que queriam saber porque a menina se coçava sem parar e tinha feridas no corpo.
- Nos momentos de crise, é inevitável coçar. Coça tanto que causa feridas, mas você não consegue parar. As pessoas ficam olhando. É constrangedor. Acordo à noite para coçar e, às vezes, sequer consigo dormir. E nunca sei quando a crise virá, quando estarei bem. Há dois anos, tive uma crise no corpo quase todo e precisamos intensificar o tratamento com ciclosporina, um imunossupressor, e altas doses de corticoide. Ganhei 20 quilos. Entrei em depressão e larguei a faculdade - contou Luana, que hoje está com a doença mais controlada e cursando outra faculdade.
A dermatite atópica é uma doença crônica, causada pelo desequilíbrio no sistema imunológico.
- É uma doença genética, que tem implicações com processos inflamatórios. Na parte sistêmica, cada vez menos se usa corticoides e mais os medicamentos biológicos e outros imunomoduladores. Na pele, como é uma doença alérgica e inflamatória, necessita muito de hidratação. O atópico tem uma falta de hidratação natural na pele, o que a deixa desprotegida e sujeita a infecções de repetição - explicou a dermatologista Ana Mósca, do Hospital Municipal Jesus e da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD).
Segundo o Censo da SBD, a dermatite atópica é a 11ª doença dermatológica mais comum na população brasileira, atingido 2,4% das pessoas, considerando-se todas as faixas etárias. No entanto, entre as crianças até 14 anos, a prevalência é de 13,7%. Outros levantamentos apontam que a doença pode afetar até 20% dos pequenos.
- O brasileiro toma muito banho, e a pele fica porosa, sem defesa. Quando o bebê é novinho, as mães costumam dar banhos em banheiras. São banhos de sabão, porque não se troca a água. É ali que começa a irritar a pele - alertou a dermatologista.
Na maioria dos casos, a dermatite atópica se manifesta de forma leve e é controlada com o uso de hidratantes e pomadas à base de corticoides. A maioria melhora com a chegada da adolescência. Mas quando se manifesta de forma moderada a grave, costuma seguir por toda a vida.
- Se o fator genético é muito forte, temos adultos gravemente doentes, com associação de asma, rinite e pneumonia de repetição - explicou Ana.
Medicamento biológico a caminho
A esperança para esses pacientes é que há vários remédios em fase de teste e um aprovado recentemente. Em março do ano do ano passado, a FDA, agência reguladora de remédios dos Estados Unidos, aprovou o primeiro medicamento biológico contra a doença, dupilumabe. Em setembro, foi a vez da Agência Europeia de Medicamentos. No Brasil, o medicamento já foi aprovado pela Anvisa e a previsão é chegar ao mercado até junho.
O dupilumabe, do laboratório Sanofi, ataca duas proteínas, as interleucinas 4 e 13, envolvidas no processo inflamatório. Ele inibe a resposta imunológica exacerbada, controlando a inflamação e, consequentemente, os sintomas da doença.
- O remédio bloqueia a ação das citoquinas, proteínas fabricadas pelas células de defesa e que estão em excesso no paciente atópico. As citoquinas reduzem a produção de lipídios, que são o 'cimento' da pele. Por isso, na dermatite atópica, a barreira da pele é imperfeita. O dupilumabe oferece um controle por meio do reequilíbrio, levando a pele a um nível normal - explicou a dermatologista e pesquisadora Ana Rossi, diretora médica global de dermatologia da Sanofi.
Há casos de pacientes nos Estados Unidos que estão tomando o remédio, cujo nome comercial é Dupixent, há três anos sem efeitos adversos importantes. Há relatos de reação no local da aplicação e conjuntivite.
Três estudos clínicos, com 2.119 pacientes, apresentados no Congresso da Academia Americana de Dermatologia demonstraram significativa redução das lesões e da coceira ainda no primeiro mês de tratamento. Pacientes tratados com dupilumabe relataram melhora nos sintomas com apenas uma semana de tratamento. Após quatro semanas, dois a cada três pacientes atingiram melhora de 75% das lesões na pele. Esse índice é mantido também no período de um ano.
Em uma sala lotada da conferência, o professor de dermatologia da Oregon Health & Science University Eric Simpson apresentou dados dos estudos clínicos com dupilumabe e se mostrou otimista com o desenvolvimento de outras drogas com mecanismos similares.
- O desenvolvimento desses novos medicamentos biológicos e sistêmicos vem para preencher uma lacuna que existe no tratamento da dermatite atópica, principalmente para pacientes sem controle adequado da doença - disse ele.
Como em todos os tratamentos com medicamentos biológicos, o maior problema é o custo. Nos EUA, o tratamento com dupilumabe custa cerca de US$ 37 mil (R$ 120 mil) por ano. No Brasil, o preço ainda está sendo definido. Mas esse valor pode diminuir se pesquisas provarem que o medicamento pode ser usado em outras aplicações. Há outras doenças relacionadas com a dermatite atópica (asma alérgica, rinite) nas quais estão sendo feitos testes.
Fatores genéticos, ambientais e emocionais envolvidos
A doença tem um importante componente genético, mas também influem fatores ambientais e emocionais. E por isso está aumentando. Estudo feito na Dinamarca apontou que, na década de 60, a dermatite atópica afetava entre 2% e 3% das crianças. Na década de 70, eram entre 6% e 7%, e nos anos 90, alcançou uma incidência entre 15% e 20%. A razão poderia ser a denominada hipótese da higiene: as crianças crescem em ambientes tão higienizados que seu sistema imunológico acaba desequilibrado.
Sinais de ansiedade e depressão estão presentes em 51% dos pacientes com a doença. Além disso, 55% das pessoas acometidas com dermatite atópica relatam ter dificuldade para dormir cinco ou mais noites por semana e 77% afirmam que a doença interfere na sua produtividade.
- Dermatite atópica não causa apenas lesões na pele. A qualidade de vida é absurdamente afetada - afirma Ana Rossi.
Flávia Junqueira/Extra RJ
A repórter viajou para San Diego a convite do laboratório Sanofi
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