Há 15 anos arrasta-se a criação do Comitê da Bacia Hidrográfica dos Rios Paraíba do Meio e Mundaú. Segundo a ANA, a situação dos dois rios que correm entre Pernambuco e Alagoas é crítica.
Em 2010, os Rios Mundaú e Paraíba do Meio ficaram famosos. Um temporal os fez transbordar, inundando ruas e bairros inteiros, tanto em Pernambuco como em Alagoas. Foram milhares de desabrigados. De lá para cá, nada foi feito para a recuperação ambiental desses rios que correm entre dois estados. Eles nascem em Pernambuco, ultrapassam a divisa estadual, quando se unem e chegam à Alagoas, até desaguar no Complexo Lagunar Mundaú-Manguaba, em Maceió.
A Bacia do Rio Mundaú possui uma área de 4.126 km²distribuídos por 30 municípios, e o Paraíba do Meio abrange uma área de 3.330 km² e banha 20 municípios, entre os dois estados. O cenário segue degradado, triste. De acordo com a Agência Nacional de Águas (ANA), os dois rios são classificados como sendo críticosnos quesitos de conservação e disponibilidade hídrica e demanda.
Há 15 anos, a população labuta na articulação para a criação de um Comitê de Bacias para os Rios Mundaú e Paraíba do Meio. O trabalho não avança. Segundo o professor da Universidade Federal de Pernambuco (UFRPE) e membro do Conselho Municipal de Defesa do Meio Ambiente (Codema), de Pernambuco, Marcos Renato Franzosi Mattos, depois de muita mobilização, o Codema promoveu o “1º Seminário de cooperação técnica entre Alagoas e Pernambuco para uso e preservação das águas dos Rios Mundaú e Paraíba do Meio”, em abril passado, no município de Garanhuns (PE). Na oportunidade, houve a união de 49 instituições e 36 municípios alagoanos e pernambucanos.
“Durante o seminário, foi lida e assinada, após modificações, a Carta dos Rios Mundaú e Paraíba do Meio”, recordou ele.
De acordo com Franzosi, além desse documento, a ata da reunião e um requerimento do Legislativo Municipal foram encaminhados aos órgãos executivos de recursos hídricos e de meio ambiente dos dois estados e também para a ANA. “Apenas a agência federal respondeu à documentação em agosto, avalizando a criação do Comitê. Informa a validade do documento técnico da Bacia e considera que o que falta agora é a mobilização conjunta dos órgãos executivos dos dois estados”, relatou.
O evento citado por Franzosi contou com a participação do presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Francisco (CBHSF), Anivaldo Miranda. Ele defende que somente uma gestão verdadeiramente participativa e compartilhada das águas comuns será capaz de salvar os Rios Mundaú e Paraíba do Meio. “Devido ao alto grau de deterioração que já chegou aos limites do impensável”, justificou Miranda. Ele recorda que quando exerceu o cargo de secretário de Meio Ambiente de Alagoas iniciou as tratativas para essa finalidade, mas não houve avanço depois que ele deixou o órgão executivo.
O secretário municipal de Meio Ambiente de Rio Largo, município de Alagoas, Cláudio Melo, conhece bem o problema. Ele integra o Complexo Estuarino Lagunar Mundaú-Maguaba (Celmm) desde o início das atividades e garante que, enquanto o Comitê não se efetiva, o município age sozinho. “Estamos programando um investimento próprio de R$ 270 mil. Contrato nesse sentido já foi assinado com a entidade que irá executar esse trabalho”, anunciou.
Em União dos Palmares, outra cidade alagoana, o nível de degradação também assusta. “Tem dono de abatedor de galeto que joga as penas e as vísceras no rio. Além disso, muitos moradores jogam lixo e entulho; as margens foram desmatadas e não há quase mais peixes no Mundaú”, reclamou o morador Paulo José Correia.
Sobre a mesa
Atuando na mobilização para instituir o Comitê da Bacia Hidrográfica dos Rios Paraíba do Meio e Mundaú, o diretor de gestão de Recursos Hídricos da Agência Pernambucana de Águas e Clima (APAC), Gustavo Henrique Ferreira Gonçalves de Abreu, informou que os dois estados retomaram as conversações. Segundo ele, aconteceu uma reunião no início de novembro último, durante o XIX Encontro Nacional de Comitês de Bacias Hidrográficas (Encob), realizado em Aracaju (SE), reunindo, os representantes dos governos de Alagoas e de Pernambuco com a Agência Nacional de Águas.
Ficou definido que os governos estaduais irão oficializar junto à ANA o interesse em criar o colegiado federal. “Diante da demanda apresentada, a direção da agência federal prometeu que irá se manifestar quanto à melhor maneira para conduzir esse processo”, explicou Abreu. Na opinião dele, mesmo sem uma resposta definitiva, é certo que o Comitê sairá do papel. Será apenas uma questão de tempo.
Apesar disso, a Agência Nacional de Águas não deixou de expor suas dificuldades para atendimento da demanda. Isso porque há demandas de outros estados para a mesma iniciativa.
O assessor técnico da APAC, João Paulo Andrade, também participou da reunião no Encob e confirma as tratativas. Ele relata que confia na efetivação do Comitê, principalmente porque já houve uma época na qual o colegiado chegou a funcionar do lado pernambucano. “Em 2000, o Comitê chegou a funcionar em Pernambuco, durante um único mandato de três anos”, recorda ele. “Depois, foi revogado pelo Conselho Estadual de Recursos Hídricos”, completa João Paulo.
O superintendente de Recursos Hídricos da Secretaria de Estado de Meio Ambiente de Alagoas (Semarh), Gustavo Carvalho, disse que, durante a reunião promovida durante o Encob, ficou definido que o governo estadual irá instaurar uma comissão para tratar da questão de forma conjunta. Segundo ele, esse é um compromisso comum, ou seja, um estado só dará um passo em comum acordo com o outro.
Começar do zero
Deixar para trás o que foi discutido e recomeçar a construção desse processo, pensando no futuro. Essa é a proposta do superintendente de Apoio ao Sistema Nacional de Recursos Hídricos (SINGREH) da Agência Nacional de Águas, Humberto Gonçalves. Foi ele quem reuniu os representantes dos governos estaduais. Apesar do encontro informal durante o Encob, Gonçalves propôs, inicialmente, que o Executivo alagoano e o pernambucano demandem à ANA de forma oficial, com vistas a criação do Comitê. Depois disso, serão estudadas formas para atendimento.
Questionado se diante dessas formas de atendimento poderia surgir outra proposta diferente da criação do Comitê, Humberto Gonçalves admitiu que sim. “Tudo depende da sustentabilidade”, justificou. Segundo ele, um colegiado desse tipo depende de fatores variados, para evitar que a representação seja apenas para realizar reuniões. “Talvez, lá na frente, a gente entenda que seja mais eficaz a criação de dois Comitês estaduais ou uma outra estrutura, ou até um Comitê regional. Tudo dependerá de como serão os processos político, de mobilização e de enfrentamento. É preciso definir se haverá cobrança pelo uso da água, quem irá pagar, enfim, são várias questões até chegarmos a uma conclusão. A criação de um Comitê não pode acontecer de forma monocrática por parte da Agência Nacional de Águas”, disse Gonçalves.
O que dizem os moradores
O pescador Adenilson Luiz da Silva, de 41 anos, ainda consegue manter parte da renda familiar com o rio: “Aqui em Rio Largo, os maiores problemas são o lixo e o lançamento de esgotos. Vemos muita mortandade de peixe sempre que a usina aqui instalada lança efluentes”.
Aos 67 anos, também moradora de Rio Largo, Maria Conceição Costa afirma que mudanças têm sido drásticas nos últimos anos. “A população aumentou muito e quem sofre é o rio. Antigamente, as pessoas vinham até aqui para tomar banho, tiravam o dia de domingo para se reunir com a família nas margens do Mundaú, era lindo. Hoje, o mau cheiro aqui é horrível”.
Por Delane Barros/Ascom CBHSF
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