Seu pai, pedreiro, trabalhou para João Leal, João Serafim , em Tacaratu e outros, construindo muitas casas na velha Jatobá ( antigo nome de Petrolândia –PE), numa época em que a cidade começava a crescer. Ele também fazia filtros de pedra quadrados e redondos. Os filtros eram esculpidos em pedra alva e arenosa, tiradas do serrote de Maria Bárbara, perto do Brejinho de Fora, terras de D. Ana Campos. Nela era desenhado um círculo onde se cavava internamente formando um grande buraco. Depois virava esse buraco para baixo e esculpia-se o lado externo do filtro,alisando-o com outra pedra de forma a fazer nela um bico . O formato final do filtro se assemelhava a um grande peito de mulher oco. Colocado em cima de um gradeado de madeira, com a parte oca virada para cima onde a água era depositada, a pedra filtrava a água que de pingo em pingo enchia um pote colocado logo abaixo. Era água friinha gostosa de beber, diz ele.
A família morava, em Jatobá, num beco por trás do antigo Ponto Ideal , De D. Celestina , onde na esquina foi construída a Igreja dos Evangélicos, que ficava em frente a pracinha Nova. A pracinha não existia ainda, no seu lugar havia um terreno limpo, onde, no seu tempo de rapazinho, seu Tita viu muita festa acontecer. Era o ringue construído por João Leal, que a exemplo de um ringue de patinação, era um piso cimentado á céu aberto, onde Panta colocava difusora e o povo fazia festa , pois na cidade não havia clube. Não havia rua de frente, ali passava o trilho do trem. De sua casa dava pra avistar até o cemitério.
Aprendeu a nadar tomando banho no rio, escondido da mãe. O porto da rua ficava perto de sua casa. Lá viu muitas canoas e barcas que chegavam trazendo mercadorias. Lá seu pai entregava os filtros que fabricava e vendia por 12 mil reis, e algumas vezes até recebia uma parte do pagamento em rapadura.
A igreja de São Francisco, ainda capela, ficava afastada, mas lembra de ter ido nela muitas vezes, menino, descalço, de calção e sem camisa, levado pelo Sr. Djama Menezes , para ajudar durante o mês mariano, servindo até no altar.
Chegou a estudar na Escola 10 de Novembro, no tempo que nem tinha murada. A professora era Yolanda, a filha de Sr. Auspício Valgueiro. As brincadeiras da época era correr e montar a cavalo feito de vara. Começou a trabalhar ajudando o pai pedreiro. Aprendeu a fazer de tudo um pouco, mexia até com eletricidade depois de adulto.
Em 1943, aos 18 anos, começou a trabalhar na estada de Ferro Paulo Afonso, na estação de Jatobá. Emprego raro conseguido por sua irmã Dasdores, cozinheira da casa de Raimundo Lima, condutor do trem. Participando de uma equipe formada por seu irmão Luiz Gomes , Américo Preto, Bráulio Sobreira, , Boaventura e Luiz Alvino, seu Tita cuidava da manutenção da linha do trem de Jatobá à estação do Moxotó. Semanalmente percorria a linha, em pé no trole, com picareta e pá capinando o mato, ajustando os dormentes, abrindo passagem para drenagem da água da chuva e outros serviços necessários ao bom andamento do trem. O trole, seu veículo de transporte na execução do trabalho, era uma plataforma de madeira sobre rodas de ferro. Não havia corrimão, nem grade de proteção. Era apenas um tablado movido por impulsão humana. Dois homens sentados de um lado , mais dois do outro iam dando impulso com os pés para que o trole embalasse e seguisse deslizando nos trilhos. Na subida era preciso descer e empurrar com as mãos, na descida ganhava velocidade. Quando dava, pegavam carona no trem. Engatavam o trole no último vagão e, nesse caso, iam agarrados na corrente com os pés no vagão em frente, arriscado a serem derrubados num sacolejo. . Havia grande risco de queda. Uma vez um menino traquina, enfiou um pedaço de pau com uma lata em cima numa das emendas do trilho, perto do armazém de Zé de Vicente. O trole, que vinha em grande velocidade bateu no pau e, fazendo o efeito de uma catapulta, lançou os ocupantes longe depois virou por cima de Boaventura e Otacílio, que ficaram bem machucados.
Mas o acidente mais famoso mesmo de que se lembra foi o de Sr. Moura, que de jipe ia atravessando a linha e não avistou a vinda do trem. Uma mulher ainda tentou avisá-lo gritando: “Seu Moura olha o trem! “ E ele, vaidoso entendeu : “ Seu Moura meu bem! “ e penas acenou de volta sorrindo. Nisso o trem foi chegando e ele quando viu , apavorado puxou o jipe , que virou. Por sorte num local arenoso e conseguiu sair sem ferimento.
“Seu” Tita diz que ganhava 80 mil reis por mês de salário. Não era muito, mas era certo. Com esse dinheiro ajudava a mãe, viúva naquele tempo, nas despesas da casa onde morava ele e os irmãos.Sua mãe o aconselhou a comprar um terreno e ir construindo sua própria casa. Comprou um chalezinho na rua Santa Inês e foi remodelando. Depois engraçou-se de Mara das Dores do Nascimento, de apelido Pitucha, irmã de José Correia, com quem casou e teve doze filhos, dos quais seis morreram ainda pequenos. Naquela época, segundo Seu Tita, as coisas eram muito difíceis. Não havia médico, nem remédio fácil. Quando uma criança adoecia se curava com rezadeira, erva e às vezes não se sabia o que fazer e morria mesmo. Ficaram Manoel Francisco (Loxa), Paulo Sérgio(Paulinho), Cícero (Cicinho), Dicíola, Dulcimar (Má) e Lindomar (Dóia).
Da feira lembra-se do tempo em que era perto do Ponto Ideal, de Dona Celestina. Era uma feirinha fraca, mercado não existia. Rapadura era vendida num saco que os meninos ficavam esperando Chico Dé vender tudo para ganhar os pedaços que sobravam no fundo do saco. Verdura não existia. A comida era peixe, bode, galinha e porco. Carne de gado era difícil. Agora, feijão verde não faltava e era mais gostoso do que os de hoje, lembra ele com saudade.
Mas, saudade mesmo sente das pescarias na antiga Petrolândia. Gostava de pescar de tarrrafa na beira do rio. Não era para vender, não, era só para comer. Na hora que terminava de pescar, fosse que hora fosse, podia até ser à noite, tratava o peixe e comia junto com seu amigo José Costa (Dedinho) e seu sobrinho Edeildo, companheiros de pescaria. O que sobrava era salgado pra comer em outro dia. Geladeira não existia. Padaria tinha, mas não era todo mundo que podia comprar pão todo dia. Normalmente, de manhã a comida era o mingau de café feito com rapadura e farinha.
Do seu dia a dia no trem, lembra-se do apito para o embarque que se esperava mais dez minutos e vinha outro apito para avisar que o trem ia dar partida. O trem saia para Piranhas na terça feira e voltava na quinta. No sábado, tinha o trem de feira, que ia para Delmiro Gouveia e voltava no mesmo dia. Tinha oito vagões, segundo lembra. Logo depois do vagão do condutor e antes do primeiro carro de passageiros ficava o vagão das bagagens. Lembra-se também do casarão para abrigo dos carros, da oficina e do prédio do giradouro, onde o trem fazia o contorno para voltar. Tempos depois o nome da companhia mudou para Rede Ferroviária do Nordeste e em 1964 chegou o aviso de que o trem ia parar. A vontade de Seu Tita nesse dia foi de hastear uma bandeira preta na estação em sinal de luto. Mas não o fez. Ficou triste, mas não surpreso. Já esperava que isso um dia ia acontecer, pois teve uma época em que tiram os vagões para Arcoverde já pensando em parar, mas por causa do projeto do Núcleo Colonial de Barreiras resolveram voltar os vagões. Mas depois chegou Castelo Branco e cortou o trem de vez mesmo. Os ferros foram vendidos para a Açonorte em Recife e os dormentes uns foram vendidos e outros carregados pelo povo para fazer lenha. Depois disso seu Tita ficou três anos parado aguardando para saber para onde seria transferido. Mandaram escolher três cidades, mas acabou sendo encaminhado para Recife, mesmo sem pedir. Lá morou na Encruzilhada até sua aposentadoria em 1975.
Hoje mora na nova Petrolândia, e reclama da solidão: “ Aqui, não fosse a padaria de Clarindo a gente não tinha com quem conversar. Depois que fizeram essas casas de muro alto ninguém vê vizinho. Muito diferente da velha cidade”.
Aos 92 anos de vida, Seu Tita se orgulha da memória que tem. E com razão, pois ele hoje é memória viva da história da Estrada de Ferro e de Petrolândia.
História de: SEU TITA
Autor: PAULA RUBENS
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