A advogada Patricia Peck Pinheiro, especialista em direito digital e idealizadora do Instituto iStart, relata um desses papos polêmicos em um grupo de mães: “Uma delas disse: ‘vamos lembrar de colocar o desodorante na mochila das crianças’; a outra respondeu: ‘pior que aluno sem desodorante é criança com perfume barato’; e veio outra: ‘nem todo mundo é perua para ficar no shopping comprando perfume caro’; e mais uma: ‘não tenho culpa que você é pobre’”. A conversa, conta Patrícia, continuou na escola e foi parar na delegacia, porque algumas mães se sentiram ofendidas e não queriam mais que os filhos fossem da mesma sala.
Casos. Das 200 escolas pesquisadas em todas as regiões do país, mais de 80% registraram até 50 ocorrências digitais nos últimos dois anos – problemas gerados por grupos, ciberbulling e brigas motivadas por posts. “Temos agora a fofoca digital, aquele papo de corredor ou de praça, que vai ficando documentado no celular. Estamos muito deslumbrados com essa nova tecnologia. A gente tem orientado pais, alunos e comunicadores, que temos que buscar uma comunicação mais objetiva. Usar a ferramenta de uma forma ética e educada”, explicou Patrícia, destacando que a linguagem coloquial do brasileiro por mensagem gera diferentes interpretações.
A cultura do uso de emojis (aqueles ícones divertidos) também pode causar desentendimentos. “Um jovem pega aquele emoji do cocozinho e manda, a pessoa pode achar engraçado ou pode achar que mandou um cocô. Se for aqueles que tem corações e beijinhos, pode parecer excesso de intimidade”, ilustrou Patrícia. Mas hoje, é raro conhecer alguém que não tenha o WhatsApp no celular. O fato é que as crianças estão levando o aparelho para escola cada vez mais cedo, antes era com 12 anos, agora, informou a advogada, há crianças de 6 anos com celular. “A inclusão digital tem que ser feita com educação”, ponderou ela.
Abordagem
Sala de aula. Em 70,3% das escolas ouvidas pela pesquisa, os conteúdos pedagógicos ou atividades específicas envolvem o tema da ética e segurança digital.
Cuidados ao deixar o celular com crianças
“O celular é um recurso muito poderoso. Tem que tomar cuidado (ao deixá-lo com crianças). Vai que um menino tira a foto do bumbum do outro no banheiro, achando que é uma brincadeira, mas, depois que compartilhou, aquele conteúdo não tem volta.”
Cuidados precisam ir além de ciberbullying
O WhastApp tem gerado tantos problemas que, conforme a pesquisa, o ciberbullying deixou de ser o principal causador de conflitos. No estudo realizado em 2015, ele correspondia a 75% das ocorrências e, agora, caiu para 48,4%, enquanto os grupos de WhatsApp estão envolvidos em 77,7%. Mas o que ocorria no Facebook migrou para grupos do aplicativo de conversa.
Depois que a Lei 13.185, de combate ao bullying e ao ciberbullying, entrou em vigor, em 2016, 77,7% das escolas perceberam diferença nos comportamentos da comunidade, apontou a pesquisa. E 74% das escolas responderam que têm conseguido realizar a campanha preventiva anual obrigatória. “Tem que aumentar as campanhas preventivas e educativas para falar do WhatsApp e do uso do celular. Falar só de ciberbullying não é mais suficiente”, afirmou a advogada Patrícia Peck Pinheiro.
Atualmente, 23 Estados possuem leis que proíbem o uso do celular em sala de aula. Três Estados estão com projeto de lei para proibir, e apenas o Acre não tem proibição, conforme pesquisou o Instituto iStart. “O que acontece dentro do celular do aluno a escola não tem gerência, está na grande rua digital, mas os reflexos acabam alcançando a escola”, enfatizou Patrícia, que dá as dicas finais: cuidado com o uso da linguagem, não deixe entrelinhas, o que está registrado é uma prova.
Jornal O Tempo
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