Museu em Ouro Preto (MG) aposta na articulação comunitária para contar histórias do local.
No interior do Ceará, um museu tem como guias as crianças da cidade, que também participam do processo de construção do acervo. Em Maranguape, no mesmo estado, um Ecomuseu comunitário articula os habitantes para criar territórios educativos na região. Em uma escola, professores e estudantes montam um museu virtual para contar histórias de mulheres. Em Godoy Cruz, na Argentina, um grande museu a céu aberto convida todos que passam a parar um pouco e observar. Já em Porto Alegre, uma comunidade resolveu organizar sua história em um espaço e criou o Museu da Lomba do Pinheiro. Um processo muito parecido também se deu em Ouro Preto (MG).
Estes são alguns exemplos da potência de desenvolvimento, sustentabilidade, aprendizado e articulação comunitária que guarda o conceito de museologia comunitária. Ou como explica Nádia Helena Almeida, que integra a equipe do Ecomuseu de Maranguape e faz parte da Rede Juntos pela Educação Integral, “um museu comunitário é, em essência, um território educativo”.
Uma museologia latino-americana
A educadora, que atualmente faz mestrado em Museologia na Universidade do Porto, em Portugal, explicou que o conceito de Museu Comunitário é “muito nosso, da América Latina” e teve como pedra fundamental a Mesa Redonda de Santiago, no Chile – que, trazendo o acúmulo de intelectuais como o museólogo Hugues de Varine, começou a pensar sobre a necessidade das comunidades “se apropriarem da identificação, criação e gestão de seu patrimônio”.
A Mesa trouxe para o mundo o conceito de “museu integral”, que é quando um museu entende que sua atuação vai além de seu espaço físico e de suas exposições. “O museu comunitário é o território, e por isso ele tem que superar o edifício e se conectar com o mundo a sua volta, levando sempre em consideração o desenvolvimento, a ecologia e a melhoria da vida de sua população. É possível dizer que todo Museu Comunitário é Ecomuseu e vice-versa.”
A Rede Juntos Pela Educação Integral e o Ecomuseu de Maranguape firmaram recentemente uma parceria com a ONG Novo Encanto, de Portugal. Sediada em Lisboa, ela agora irá desenvolver ações de Educação Integral na perspectiva da ecomuseologia comunitária nas escolas públicas portuguesas, trazendo o acúmulo da construção do Ecomuseu.
No Brasil, a ideia da museologia comunitária e da ecomuseologia ganhou força durante a Conferência Eco-92, com a criação do Ecomuseu Comunitário de Santa Cruz, um dos primeiros do país. Desde então, essa ideia ganha cada vez mais força em comunidades, escolas e territórios brasileiros.
A Plataforma Cidades Educadoras, a partir da conversa com Nádia, lista agora alguns dos princípios e passos que ajudam na construção de museus comunitários. Confira!
#1 Princípios da museologia comunitária
“Não tem receita”, já avisa Nádia, “mas tem algumas coisas que não podem faltar”. Para ela, o museu comunitário tem que estar contido em um determinado território e também tem que ser articulado a partir de algum coletivo de pessoas que atue na região – seja uma escola, uma associação, um movimento cultural ou uma organização local, que devem perceber e organizar os “elementos comuns do território” a partir do entendimento da importância de salvaguardar os patrimônios materiais e imateriais de um lugar.
“Ele nasce do desejo de entender que a partir da preservação da vida do território é possível gerar desenvolvimento local sustentável; da percepção de que o cultural é necessariamente instrumento de crescimento. Existe uma vocação política desse museu, que passa por uma dimensão democrática, de modo que há que haver muita transparência, reunião, assembleia e tudo que o configure como uma ação de intensidade democrática”, pontua.
#2 Organização comunitária
Nesse aspecto, ressalta Nádia, é importante pensar em termos como “gestão sustentável” e “gestão compartilhada”. “A organização que impulsiona a criação de um museu deve levar em conta a inteligência coletiva do território para estruturar seu modo de gestão”, mas sempre dentro de um processo aberto e sem fórmula. O Ecomuseu de Maranguape, por exemplo, tem sua gestão dividida entre a escola, a Fundação Terra, o Comitê Agrícola do Município de Cachoeira e o Centro Comunitário. “Tudo isso garantido nos estatutos de cada uma dessas organizações”, reforça.
A Plataforma Cidades Educadorapediu que Nádia indicasse alguns Ecomuseus e Museus Comunitários no país:
Ecomuseu Comunitário de Santa Cruz (RJ)
Ecomuseu da Amazônia (PA)
Ecomuseu Campos de São José (SP)
Ecomuseu da Serra de Ouro Preto (MG)
Ecomuseu de Pacoti (CE)
Museu Comunitário Treze de Maio (RS)
Museu – Índio Jenipapo Kanindé (CE)
Ecomuseu do Cipó (MG)
Ecomuseu de Sepetiba (RJ)
Associação Brasileira de Ecomuseus e Museologia Comunitária
#3 Acervos do território
A expografia ou a curadoria do acervo deverá contar com as pessoas da região determinando e identificando quais atividades, palavras, objetos e detalhes locais merecem ser destacados. Chamar alguém das artes, da museologia ou da cultura pode facilitar o processo e ajudar “a desenvolver uma estética própria de cada local”.
“O acervo desse patrimônio material, imaterial e natural não precisa se basear necessariamente nos objetos em si, que podem vir por empréstimo – da escola ou da comunidade – e voltarem depois da exposição. Fica muito oneroso manter uma reserva técnica para cuidar de objetos”, indica. Sobre o acervo permanente, o que importa é como essa narrativa vai ser construída e contada pelos habitantes de um território.
“A expografia e o acervo vão ser muito próprios de cada local. Têm museus virtuais, têm alguns que se focam em objetos e outros que são trilhas sinalizadas no local. O Museu pode assim ser o próprio território, com suas paisagens ecológicas, culturais e imateriais. Ele tem que ser aberto ao maior número de visões possíveis sobre a gestão desse patrimônio”, acredita Nádia. “Ele tem que conversar com esse pensamento de fortalecer identidades, vínculos e relações. Não existe museu comunitário sem co-criação.”
#4 Cidade Educadora
A ideia – e a prática – dos Ecomuseus e Museus Comunitários estabelecem laços com a noção de Cidades Educadoras e de Educação Integral, pois ambas apostam nos saberes de determinado território como parte fundamental do processo de ensino-aprendizagem. Patrimônios de toda espécie devem ser incorporados em currículos, no desenho da cidade e na construção e sistematização da cultura de um lugar.
“A Cidade Educadora se efetiva nos ativos de aprendizagem que existem no território, e o patrimônio cultural é um dos principais ativos. Esse patrimônio vai expressar todos os desafios e potências que vivem neste lugar. E tudo que pode ser feito para melhorar a vida das pessoas”, aposta Nádia, que vê no esforço da museologia comunitária uma “vocação para construir um cenário de sustentabilidade e redes de aprendizagem”.
#5 Aprendizados comunitários
Com dez anos de experiência no Ecomuseu de Maranguape, é possível olhar para traz e entender os desafios e aprendizados dessa construção. Para Nádia, uma das principais lições está no entender que “fazer as coisas juntos é uma das principais formas de gerar desenvolvimento”.
“O Ecomuseu agrega pessoas em torno de causas comuns, potencializa as boas qualidades e facilita que todos deem o melhor de si. Por ser vinculado com o território e com seu desenvolvimento, principalmente no aspecto da educação, eu acredito que um Museu Comunitário é um Território Educativo. Ele precisa de um lugar, de seu povo e de sua cultura imbricados em um processos educativo no qual as pessoas vão aprender a fazer em conjunto, aprender a aprender, aprender a ser e aprender a conviver. Nesse processo, surge desenvolvimento de cidadania e muito fortalecimento democrático. O Ecomuseu é um ato político”, finaliza.
Indicações de bibliografia:
Mattos, Yara. Abracaldabra – Uma aventura afetivo-cognitiva na relação museu educação. Editora UFOP. Ouro Preto (MG). Mais em http://abracaldabra.blogspot.pt/
VARINE. Hugues. (2007). O lugar da comunidade no museu: uma troca de serviços. In: CONGRESSO DE MUSEUS ITALIANOS. Verona.
VARINE. Hugues. (2012). Raízes do futuro: o patrimônio a serviço do desenvolvimento local. Trad. Maria de Lourdes Pereira Horta. Porto Alegre: Medianiz.
PRIOSTI, Odalice Miranda e Priosti,Walter Vieira . Ecomuseu, Memória e Comunidade: Museologia da Libertação e piracema cultural no Ecomuseu de Santa Cruz. Rio de Janeiro: Camelo comunicação,2013 – CDD-069-ISBN 978-85-67151-007 – Adaptação da tese de Doutorado em Memória Social- UNIRIO/PPGMS,2010
PRIOSTI, Odalice Miranda . SANTA CRUZ – Raízes de um ecomuseu. Rio de Janeiro:O.Miranda Priosti, 2015 – CDD-981.53- ISBN 978-85-919052-0-1
Fonte: Cidades Educadoras
http://cidadeseducadoras.org.br/metodologias/como-criar-um-museu-comunitario/
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