domingo, outubro 01, 2017

Afluente do São Francisco, rio Paracatu está morrendo

O rio Paracatu, um dos principais afluentes do Velho Chico, está enfrentando uma seca sem precedentes. Além da falta de chuvas, a devastação ambiental e a exploração sem controle dos recursos compõem o enredo da maior crise hídrica da região

Traduzindo do idioma original, o tupi, Paracatu significa “rio bom”. Mineiro de nascença, adentrando um pedaço de Goiás e do Distrito Federal, ele, “o rio bom”, conta um passado caudaloso. Corria navegável por uns 300 quilômetros e seguia entrecortado por corredeiras e cachoeiras, até desaguar abundante no Velho Chico, com o status de maior afluente do São Francisco. A riqueza do Paracatu já foi tanta que ele protagonizou um dos clássicos do cinema nacional, “A terceira margem do rio”, de Nelson Pereira dos Santos, baseado no conto homônimo de Guimarães Rosa. O presente, porém, é outra história. O rio Paracatu minguou.

A seca é sem precedentes, afetando severamente o abastecimento de água nas cidades da bacia e as atividades econômicas da região, sobretudo a mineração e a agropecuária. Em Paracatu, município mais populoso da bacia, desde 1º de setembro o abastecimento é complementado por caminhões-pipa, com rodízio na distribuição entre os bairros. A falta de chuva na região sudeste do Brasil, especialmente nos últimos cinco anos, poderia ser apontada como o fator causador da crise hídrica, mas, segundo o secretário do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio Paracatu, Antônio Eustáquio Vieira, o Tonhão, o problema não caiu – ou deixou de cair – do céu. A Bacia Hidrográfica do Rio Paracatu está inserida no bioma Cerrado, em uma área equivalente a 420 mil campos de futebol, sendo que 300 mil são de áreas desmatadas.

“Nós não temos mais a vegetação que tínhamos no passado e, sem ela, não se tem água infiltrando no subsolo para alimentar as nascentes”, comentou Tonhão. “Outro problema são os inúmeros poços artesianos, que rebaixam ainda mais o lençol [freático], e usuários que, mesmo tendo autorização para usar certa quantidade de água, usam muitas vezes mais”.

Segundo o ambientalista, o impacto das estradas rurais nas nascentes também contribui para agravar o problema: “Elas são responsáveis por mais de 70% da morte de corpos d’água, pois são construídas e mantidas sem critério algum. Somente nos 17 municípios da bacia existem mais de 50 mil quilômetros destas estradas”.

Em meio a tal cenário, o manancial que abastece a cidade de Paracatu ficou sem água para ser captada. Com isso, desde o início do mês, o abastecimento da população tem sido complementado por caminhões-pipa e por poços profundos, e mais de 40 bairros foram atingidos por um rodízio com períodos de interrupção que chegam a 20 horas. Sem precisar uma data, a Copasa (Companhia de Saneamento de Minas Gerais), detentora da concessão para abastecimento de água no município, informou – em nota à imprensa – que a regularização dos serviços será restabelecida de forma gradativa.

Toda essa situação fez crescer a desconfiança da população de que haveria um grande número de captações clandestinas, mas não é o que garante a Polícia Militar Ambiental, responsável pelas ações de fiscalização: “A maioria das outorgas estão regulares. A questão é que um grande número de outorgas tem sido liberado e os nossos rios e as nossas veredas não comportam essa retirada toda. É um ponto que temos que observar com cuidado, especialmente os órgãos que deliberam e liberam essas outorgas”, declarou o sargento Zilmar de Oliveira. 

Crise no bolso

A falta d’água atingiu em cheio a economia local, baseada sobretudo na agropecuária e na mineração. As atividades no Morro do Ouro, a maior mina de ouro do país e a maior do mundo a céu aberto, explorada pela empresa canadense Kinross Gold Corporation, representa a principal atividade industrial para a geração de emprego e renda na região. Em meio a essa crise hídrica, a empresa paralisou parcialmente as suas operações e deu férias coletivas para parte de seus funcionários. Questionada, a mineradora não informou se há possibilidades de demissão.

Da mesma forma, a agropecuária sente os reflexos da falta d’água – seja para irrigar a produção ou mesmo para abastecimento do gado. Segundo Rowena Petroll, diretora-administrativa da Agropel (Agropecuária Petroll), sediada em Paracatu, não há registros recentes de uma estiagem tão severa: “A crise hídrica de 2017 é a pior desde que a empresa está estabelecida, há 37 anos. No último período chuvoso, choveu menos do que a metade da média histórica na fazenda. Com isso, os barramentos não encheram, a gente ficou impossibilitado de plantar e até mesmo a safra de verão foi muito afetada, porque nós não tivemos condições de fazer irrigação suplementar”, disse.

Até mesmo um importante clube náutico da região, o Brasília Country Clube, viu seus visitantes sumirem nos últimos tempos. “Num feriado como o de 7 de setembro, normalmente a gente recebia mais de cem pessoas aqui no clube. Este ano, esse número não chegou a 20. Com o rio sem água fica difícil, ninguém quer pescar mais. Não há condições de andar de barco, porque ele simplesmente não sai do lugar”, afirmou o gerente do clube, Cristiano Eires.
CBHs em ação

Entre os anos de 2013 e 2014, o agricultou Valter Ferreira Gomes viu a história de sua propriedade mudar, ao abrir a porteira para o Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco. Naqueles anos, o CBHSF iniciou na bacia do Paracatu um programa de recuperação ambiental, com o objetivo de promover o controle dos processos erosivos, a adoção de práticas de conservação do solo, proteção de nascentes e adequação das estradas rurais. Em um dos projetos, na cabeceira da sub-bacia do ribeirão São Pedro, vivia seu Valter.

Ele teve o cercamento de quase um quilômetro de Área de Preservação Permanente (APP), a construção de duas bacias de contenção, também conhecidas como barraginhas, e a adequação da estrada. Com o gado afastado e com o sistema de contenção de chuva, rapidamente as nascentes da propriedade voltaram a brotar água em vazão significativa, a ponto de abastecer um pequeno lago onde o Sr. Valter cria peixes.

“Quase ninguém queria cercar a área, com medo que depois iriam tomar a terra. Mas eu disse: não, vamos fechar sim. Depois disso melhorou muito. Parece que, depois que a gente planta, [a água] tem mais sustento para sair da terra. Antes era tudo muito seco”, comentou o agricultor.
O valor da água

Para contribuir com uma gestão mais eficiente dos recursos hídricos da região, o secretário do CBH Rio Paracatu disse que a entidade já iniciou as discussões a respeito da cobrança pelo uso da água na bacia. “Sem dúvidas é uma ferramenta que pode contribuir com um uso mais racional das águas, além de dar condições ao Comitê de desenvolver ações de mobilização da comunidade, de levar conhecimento à sociedade. Além disso, estamos planejando a elaboração do Plano de Gestão de Águas da Bacia do Rio Paracatu”, finalizou Tonhão.

O Filho do Velho Chico

. O rio Paracatu corresponde a 17,64% do território da bacia do São Francisco.

. São 16 municípios na bacia: Bonfinópolis de Minas, Brasilândia de Minas, Buritizeiro, Cabeceira Grande, Dom Bosco, Guarda-Mor, João Pinheiro, Lagamar, Lagoa Grande, Natalândia, Paracatu, Patos de Minas, Presidente Olegário, Santa Fé de Minas, Unaí e Vazante.

. A população total da bacia do Paracatu, de acordo com o IBGE/Censo 2010, é de 280.736 mil habitantes.

. A média anual do Índice de Qualidade das Águas (IQA) no Rio Paracatu apresentou uma piora em 2005 nas estações de monitoramento localizadas a montante da foz do rio da Prata e a jusante da cidade de Brasilândia de Minas. Em ambos os pontos, o IQA foi Médio. Na estação próxima de sua foz no Rio São Francisco houve uma melhora do IQA, que foi considerado Bom. Vale destacar também a melhora no IQA do rio do Sono, que em 2005 apresentou-se Bom.

Por Luiz Guilherme Ribeiro/CBHSF
Foto: Bianca Aun/Tanto Expresso

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