Os deputados da CPI ainda analisarão três sugestões de mudanças no texto. A previsão é de que os destaques sejam analisados ainda nesta quarta, após o fim da ordem do dia da Câmara.
O relator decidiu retirar do parecer a proposta de encerrar as atividades da Funai. Ele chegou a incluir a sugestão no texto, mas não manteve a mudança no relatório final.
A comissão parlamentar de inquérito investigou a Fundação Nacional do Índio (Funai) e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), principalmente em relação aos critérios de demarcação de terras indígenas e quilombolas, assim como os conflitos agrários decorrentes desse processo.
O colegiado foi instalado em novembro do ano passado, mas o grupo também aproveitou o trabalho de outra CPI com o mesmo tema que funcionou entre novembro de 2015 e agosto de 2016, sem ter aprovado um relatório.
Na sessão de terça (17), não foi permitido o acesso de indígenas, nem de entidades representativas. A segurança da Casa informou que a medida foi tomada por ordem do presidente da CPI Alceu Moreira (PMDB-RS). Moreira é membro da Frente Parlamentar Mista da Agropecuária, também conhecida como bancada ruralista. O relator da CPI, Nilson Leitão, é presidente da bancada ruralista.
Nesta quarta, dois representantes indígenas conseguiram ter acesso à comissão, enquanto um grupo ficou do lado de fora da Câmara.
O deputado Valmir Assunção (PT-BA) fez críticas à atuação do relator e disse que a CPI só ouviu um lado dos fatos, o dos fazendeiros.
“[O relatório] é para criminalizar os índios, criminalizar os quilombolas, inviabilizar o processo de reforma agrária e perseguir os servidores públicos. Esse é objetivo central”, afirmou.
O relator disse que não é verdade que a CPI é contra o índio. “O fato é que a Funai falhou por várias razões. (...) As fraudes no Incra são muito fortes”, enfatizou.
Enquanto a sessão transcorria com a presença de seguranças nas duas entradas da sala, índios e representantes da Funai e do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) aguardavam do lado de fora da Câmara. A segurança no acesso ao prédio também foi reforçada.
Perguntado por jornalistas se ouviu lideranças indígenas para elaborar o parecer, o relator Nilson Leitão desconversou e não respondeu. Ele também questionou a presença de índios do lado de fora da Câmara.
“Tem que ver qual índio está sendo motivado por alguma ONG que está sendo citada, qual índio que está aqui porque alguém bancou para vir, tem que entender tudo isso. Tem muito índio nascendo com 40 anos de idade no Brasil. Esse tem direito a cota, terra e tudo?”, afirmou.
A sessão transcorreu em clima tenso, com a oposição tentando obstruir a votação do parecer. O deputado Edmilson Rodrigues (PSol-PA) chegou a levantar de sua cadeira e se dirigir aos gritos à mesa da presidência. Ele pedia para usar a palavra no microfine, mas a solicitação foi negada .
Indiciamentos
O relatório final tem quase 3,4 mil páginas. O total de pedidos de indiciamentos e encaminhamentos ultrapassa 70, envolvendo procuradores, antropólogos, indígenas, servidores da Funai, do Incra, pessoas ligadas à organização Centro de Trabalho Indigenista (CTI) e ao Conselho Indigenista Missionário (Cimi), procuradores da República, além do ex-ministro da Justiça José Eduardo Cardozo.
Com a aprovação pela CPI, os pedidos de indiciamento serão encaminhados ao Ministério Público e órgãos competentes para o aprofundamento das investigações ou o eventual oferecimento de denúncia.
No caso dos procuradores, a CPI não tem poder de pedir indiciamento, mas apenas de fazer encaminhamentos aos órgãos competentes.
O deputado Edmilson Rodrigues afirma que o relatório traz aberrações e diz que nenhum citado pelo relator foi chamado para prestar esclarecimentos na comissão. Segundo ele, uma das pessoas que foi alvo de pedido de investigação faleceu em 2008.
O relator esclareceu que o citado já falecido não constava no texto como indiciado, mas como integrante de um grupo que teria cometido improbidade administrativa. Ele informou que o nome foi retirado do relatório e caberá às autoridades competentes proceder investigação.
O relatório também propõe a tramitação de um projeto de lei que regulamente, de forma objetiva, o que é ocupação tradicional. Quanto ao uso do solo em terras indígenas, o relator defende que cabe ao índio decidir a utilização da terra para fins comerciais e produtivos e a celebração de contratos.
Nova Funai
Quando apresentou o relatório, Nilson Leitão sugeriu o encerramento das atividades da Funai, com a criação de um novo órgão. Após críticas da oposição, o relator alterou o texto passou a propor apenas uma reestruturação da Funai.
Ele defende que todos os serviços relacionados aos indígenas, inclusive saúde e educação, sejam centralizados no órgão que, para ele, poderia ganhar status de secretaria nacional ou de ministério.
“Queremos que tudo que trate do índio esteja em uma estrutura só, grande, forte, competente, e não como é hoje, apenas para cuidar de demarcação”, explicou.
O relatório pede ainda que sejam anulados ou revogados 21 decretos editados pela então presidente Dilma Rousseff no dia 1º de abril de 2016 que declararam imóveis rurais como de interesse social para fins de reforma agrária.
Demarcação de terras
O relatório aponta a autoria ou participação de pessoas em diversas irregularidades, como invasões e a atuação fraudulenta para a delimitação e demarcação de áreas.
No documento, Nilson Leitão sustenta que a CPI identificou diversos problemas, como o uso de laudos fraudulentos para embasar a demarcação de terras indígenas e quilombolas em locais que não seriam de ocupação tradicional, isto é, quando são efetivamente habitados por esses povos.
O relator critica ainda o critério de auto-atribuição para a identificação das comunidades remanescentes de quilombos por não haver uma checagem da informação. Ele diz ainda que a demarcação de terras se baseia em laudos parciais e diz que o trabalho dos antropólogos “deve ser científico, não militante”.
Reforma agrária
Em relação à reforma agrária, o relator diz ter identificado “um alarmante número de irregularidades” no Incra.
Entre os problemas apontados por ele, está a delegação a lideranças particulares a atribuição de escolher a propriedade que será alvo de reforma agrária e quem será assentado.
Segundo o relator, essas lideranças particulares, em "conluio" com servidores do Incra, passaram a vender o “direito” de ser assentado com o pagamento de mensalidades a essas lideranças, além da venda irregular de lotes.
Outra fonte de renda para essas “quadrilhas”, de acordo com o relatório, tem sido a própria madeira extraída dos assentamentos. Para ele, a política da reforma agrária se transformou em uma “tragédia”.
Segundo Leitão, as invasões de propriedades rurais representam um “expediente ardiloso e que tangencia a guerra revolucionária”.
O deputado diz ainda que ao deixar de punir os invasores se cria um pretexto para “uma anacrônica ditadura militar com base nas envelhecidas ideias marxistas”.
ONGs
O relatório traz o argumento de que as demarcações devem ter como critério os locais de ocupação tradicional indígena. Segundo o texto, muitas vezes são apresentados "laudos fraudulentos, em conluio e confusão de interesses com antropólogos e ONGs, muitas vezes, respaldados, juridicamente, por segmentos do Ministério Público Federal".
O relator ainda questiona a necessidade de se fazer mais demarcações de terras indígenas sob o argumento de que os problemas dos índios não se resumem à questão da terra e “grande parcela do território brasileiro já foi reservada para as populações indígenas”.
“De fato, os próprios dados oficiais colocam em xeque o afã demarcatório em detrimento de outras políticas em favor da dignidade indígena, corroborando o já afirmado”, escreveu.
Para embasar a sua tese, ele pondera que a população indígena do Brasil é composta por 817.963 índios, ocupando 117 milhões de hectares, que, segundo o parecer, representam 13,7% do território nacional.
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