Na nota, ele diz que a terceirização de serviços constitui prática que fragiliza profundamente a efetividade dos direitos fundamentais dos trabalhadores previstos no art. 7° da Constituição, tendo em vista as repercussões deletérias que enseja sobre as condições de trabalho: fragmenta a relação de emprego, aumenta a rotatividade de mão-de-obra, reduz a remuneração, eleva a jornada de trabalho, reduz a garantia de férias e de benefícios indiretos, submete os direitos trabalhistas a alto risco de inadimplemento e dispersa a organização sindical obreira, dificultando o exercício da negociação coletiva e da greve, dentre tantos outros prejuízos que enseja aos direitos sociais dos trabalhadores.
Ressalta que o projeto “frustra profundamente essa expectativa, eis que não veda expressamente a terceirização na atividade-fim nem a reconhece expressamente como mera intermediação de mão de obra. Essa prática reduz o trabalho humano a condição de mercadoria e subverte o sentido lógico da terceirização que, segundo a Ciência da Administração, reside na subcontratação de atividades acessórias (atividade-meio) para permitir a focalização da empresa tomadora em sua atividade principal (atividade-fim ), condição indispensável ao exercício de sua função social constitucional, nos termos dos arts. 5°, XXIII , 170 , Il i , VII e VIII e 186 da Constituição da República”.
Fleury destaca ainda que “outro ponto extremamente preocupante é que o projeto aprovado ainda tem por objetivo facilitar a prática da terceirização em atividades finalísticas das empresas estatais, o que franqueia a substituição do concurso público, previsto no art. 37, li, da Constituição , por contratação de empresas terceirizadas, com empregados submetidos à alta rotatividade e destituídos de profissionalização contínua e direcionada aos objetivos institucionais das entidades públicas, fomentando com isso a corrupção, o apadrinhamento político e o nepotismo, e elevando a promiscuidade entre o público e o privado”.
Confira a íntegra da Nota Técnica
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO (MPT), por decisão do seu Conselho Superior e do Procurador-Geral do Trabalho, vem a público manifestar-se sobre a aprovação do Projeto de Lei nº 4.302/1998, que altera a legislação do trabalho temporário e regulamenta a terceirização de atividades.
1. A terceirização de serviços constitui prática que fragiliza profundamente a efetividade dos direitos fundamentais dos trabalhadores previstos no art. 7° da Constituição, tendo em vista as repercussões deletérias que enseja sobre as condições de trabalho: fragmenta a relação de emprego, aumenta a rotatividade de mão-de-obra, reduz a remuneração, eleva a jornada de trabalho, reduz a garantia de férias e de benefícios indiretos, submete os direitos trabalhistas a alto risco de inadimplemento e dispersa a organização sindical obreira, dificultando o exercício da negociação coletiva e da greve, dentre tantos outros prejuízos que enseja aos direitos sociais dos trabalhadores.
2.Pesquisas demonstram que trabalhadores terceirizados são submetidos a piores condições de saúde e segurança no trabalho, em face do menor nível de investimento em medidas de prevenção de acidentes e adoecimentos profissionais.
3.Por força dessas constatações, fruto de sua atuação institucional, o Ministério Público do Trabalho há anos anseia por uma legislação que reduza os impactos negativos da terceirização sobre as condições de trabalho, por meio de medidas como a restrição de sua prática à atividade-meio das empresas tomadoras, a extensão aos terceirizados das convenções e acordos coletivos firmados com a categoria econômica da empresa tomadora e a garantia de diversas outras medidas de efetivação dos direitos dos trabalhadores terceirizados, o que se reputa minimamente necessário à concretização de seus direitos fundamentais e à preservação de um patamar mínimo civilizatório compatível com o espírito humanístico da Constituição de 1988.
4.O PL 4.302/1998, aprovado pela Câmara dos Deputados, no entanto, frustra profundamente essa expectativa, eis que não veda expressamente a terceirização na atividade-fim nem a reconhece expressamente como mera intermediação de mão de obra. Essa prática reduz o trabalho humano a condição de mercadoria e subverte o sentido lógico da terceirização que, segundo a Ciência da Administração, reside na subcontratação de atividades acessórias (atividade-meio) para permitir a focalização da empresa tomadora em sua atividade principal (atividade-fim ), condição indispensável ao exercício de sua função social constitucional, nos termos dos arts. 5°, XXIII , 170 , Il i , VII e VIII e 186 da Constituição da República.
5. Ao autorizar a subcontratação de serviços em cadeia (quarterização) e favorecer a contratação de trabalhadores subordinados como pessoas jurídicas, a denominada "pejotização", o projeto de lei contribui para a precarização extrema das condições de trabalho, fornecendo instrumental para a sonegação de impostos e contribuições sociais, em grave afronta ao princípio republicano dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa (CF/1988, art. 1°, IV), da valorização do trabalho humano como princípio da ordem econômica (art. 170) e do primado do trabalho como princípio da ordem social (art. 193).
6. Outro ponto extremamente preocupante é que o projeto aprovado ainda tem por objetivo facilitar a prática da terceirização em atividades finalísticas das empresas estatais, o que franqueia a substituição do concurso público, previsto no art. 37, li, da Constituição , por contratação de empresas terceirizadas, com empregados submetidos à alta rotatividade e destituídos de profissionalização contínua e direcionada aos objetivos institucionais das entidades públicas, fomentando com isso a corrupção, o apadrinhamento político e o nepotismo, e elevando a promiscuidade entre o público e o privado.
7. Não obstante a evidente fragilidade econômica das empresas de terceirização e o reconhecido risco de calote aos trabalhadores terceirizados, o projeto de lei não lhes garante a responsabilidade solidária da empresa contratante em caso de inadimplemento trabalhista, mas apenas uma responsabilidade subsidiária e relativa, insuficiente e desproporcional à gravidade dos riscos.
8. O PL 4.302 não garante igualdade de direitos entre os trabalhadores terceirizados e os contratados diretamente pela empresa tomadora, exercentes de idênticas funções, prática que contraria frontalmente o princípio isonômico inscrito no art. 5º, caput, e art. 7°, XXXII e XXIV, da Constituição.
9.Não possui fundamento lógico ou científico o argumento de que a terceirização de serviços constitua instrumento de geração de emprego, pois as empresas de intermediação de mão de obra não desenvolvem atividade produtiva própria , mas apenas fornecem empregados para as contratantes, de modo que não geram novas vagas, apenas precarizando as existentes. O efeito da terceirização irrestrita é o de mera substituição de empregos diretos e com melhor nível de proteção social por vagas de empregos precarizados, como já verificado em outros países que adotaram práticas semelhantes.
1O. O projeto desvirtua e descaracteriza o contrato temporário, ao ampliar demasiadamente o prazo de sua vigência e suas hipóteses de admissibilidade, tornando ordinário um regime de emprego especial e com menor proteção social, que somente se legitima constitucionalmente quando adotado com excepcionalidade.
11. Além disso, a ampliação da terceirização tende a elevar o número e a gravidade dos acidentes, onerando a Previdência Social, que já arca com custo anual de mais de 18 bilhões de reais apenas com acidentes de trabalhadores formais. A prática ainda prejudicará a arrecadação de contribuições previdenciárias, tanto em face da "pejotização", que frustra a receita nos salários mais elevados, quanto pela redução geral dos salários dos trabalhadores e pelo alto nível de inadimplemento das empresas terceirizadas.
12. Pelas razões expostas, o MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO - MPT manifesta-se contrário ao PL 4302/1998 e conclama o Senhor Presidente da República a vetar integralmente o texto, assegurando, com isso, a efetividade dos princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da valorização social do trabalho.
Brasília 24 de março de 2017.
Ronaldo Curado Fleury
Procurador-geral do Trabalho
Presidente do Conselho Superior do Ministério Público
Assessoria de Comunicação
Ministério Público do Trabalho
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