O juiz federal João Paulo Pirôpo de Abreu, titular da Subseção Judiciária de Paulo Afonso, decidiu pela reintegração de posse à empresa UZI Construtora de parte da área onde haviam casas pertencentes ao antigo DNER, hoje DNIT (Departamento Nacional de Infraestrutura e Transporte) ocupada pela tribo Kariri Chocó – próximo à Ponte Metálica, em Paulo Afonso, que acontecerá nesta quinta-feira (30), às 8 horas.
Desde ontem, alguns carros da Polícia Rodoviária Federal e um forte esquema de segurança chamam atenção da população. Segundo explicou o juiz, o aviso da reintegração à empresa foi comunicado aos índios em novembro do ano passado:
″Essa decisão foi conferida após realização de audiência de justificação, realizada no dia 29 de novembro, às 16h, aqui na Justiça Federal, ficou constatado em razão dos documentos apresentados que a posse do imóvel, pertence à empresa″, disse Pirôpo, em entrevista ao Portal PA4.
Pirôpo disse ainda que os índios chegaram à propriedade há cerca de três meses, que a terra possuía cerca e muro e que a empresa realizava limpeza.
″Os índios informaram que vinham de locais distintos, por exemplo, o cacique da tribo morava no bairro BTN, zona urbana de Paulo Afonso, a testemunha Antônio Tiburtino e o pajé da tribo moravam numa localidade chamada Caldeirão, em Pernambuco″.
Ainda segundo o juiz, durante a perícia, verificou-se que a testemunha trabalhava com frente em Pernambuco, que a FUNAI foi ouvida e esclareceu que a terra ocupada não é indígena: “A referida tribo vem do Estado de Alagoas. O órgão pediu um prazo de sessenta dias para que os índios saíssem de forma pacífica”, completa o juiz.
O prazo expirou e o juiz convocou vários órgãos para garantir que tudo transcorra sem maiores problemas
Além da Polícia Rodoviária Federal que dará cumprimento à ordem do juiz, outros órgãos foram oficializados: Secretaria Municipal de Saúde, e uma equipe do Samu para caso de emergência, o Corpo de Bombeiros para caso de incêndio, a Chesf com dois carros para demolição e três caminhões carregadores, três ônibus para transporte de pessoas, foi requisitado, também a Secretaria de Desenvolvimento Social, para dar uma destinação às famílias que deixarão o imóvel, além das Polícias Militar e Civil para reforço no plantão.
″Aqui não estou discutindo de quem é a terra, mas de quem é a posse, ficou constatado nos autos que a posse é da empresa UZI Construtora e que os índios chegaram lá em outubro de 2016 após terem ocupado de forma irregular a área″, pontua Pirôpo sobre questionamento se a terra pertence à União.
O portal PA4.COM.BR recebeu uma Nota Pública de 16 entidades em defesa dos Kariri Xocó. Segundo a nota, a decisão da Justiça Federal gerou profunda indignação de povos e organizações indígenas, entidades e movimentos sociais. Veja a abaixo na íntegra:
Nota Pública em Defesa do Povo Kariri Xocó de Paulo Afonso
A decisão da Justiça Federal pela reintegração de posse de área retomada pelos Kariri Xocó de Paulo Afonso (BA), na base das cachoeiras sagradas dos povos indígenas do rio São Francisco, silenciadas pelo complexo hidrelétrico construídos na década de 1950, gerou profunda indignação de povos e organizações indígenas, entidades e movimentos sociais. O despejo está marcado para o próximo dia 30/03/2017.
Há dez meses, 67 famílias Kariri Xocó – dispersas entre municípios do Submédio e Baixo São Francisco – atenderam um desejo dos mais velhos: um reencontro no território onde pudessem viver de forma plena, as práticas tradicionais, da mesma forma, garantir as condições dignas de 168 indígenas impossibilitados de sobrevivência com severas privações nas periferias das cidades.
Os indígenas retomaram cerca de dois hectares de terras pertencentes à União, abandonadas há 30 anos sob os escombros de construções então usadas pelo Departamento Nacional de Infraestrutura e Transporte (DNIT). Mesmo diante do levantamento cartorial da Secretaria de Patrimônio da União (SPU), o Juiz Federal Paulo João Paulo Pirôpo de Abreu concedeu à UZI Construtora LTDA a reintegração de posse tomando por base apenas uma escritura.
O juiz considerou apenas a suposta propriedade do bem, mesmo reconhecendo nos autos que a terra retomada pelos Kariri Xocó é da União. Em 2014, o DNIT manifestou à SPU não ter interesse nesta área chamada Cachoeira dos Veados, ao lado da Ponte Metálica da BR-423. No entanto, a construtora impetrou liminar pela reintegração da Fazenda Tapera de Paulo Afonso – não correspondente à terra retomada pelos indígenas.
A decisão do juiz, em meio a dúvidas inquietantes quanto ao local a ser reintegrado, foi questionada pelo Ministério Público Federal (MPF) em agravo de instrumento ao Tribunal Regional Federal (TRF) 1, como um bem da União. A reintegração permite o uso ostensivo de forças policiais e a destruição de roças e hortas que vem abastecendo as famílias com alimentos, casa de oração, moradias aprimoradas pelo povo e plantas medicinais essenciais à saúde e práticas religiosas.
Para os Kariri Xocó, os últimos dias têm sido de grande tensão, pois no local encontraram condições dignas de sobrevivência plantando a própria comida, pescando nas águas do Velho Chico e atendendo a uma dimensão que infelizmente a Justiça Federal não costuma incluir em suas decisões: o Sagrado. O território tradicional encontra-se numa área considerado ‘Reinado Encantado das Cachoeiras Sagradas’ de Paulo Afonso.
Se trata de um grave ataque aos direitos Constitucionais e ao Projeto de Vida do povo Kariri Xocó, tecido em fios de espiritualidade e reelaboração de uma convivência tradicional já interrompida anteriormente pelo Estado com os grandes empreendimentos hidrelétricos. Ataque, inclusive, cercado por incertezas latentes, presentes nos autos, e injustiça – chegando ao ponto de o juiz solicitar à CHESF (novamente) tratores para devastar o território indígena.
Contra a reintegração de posse, manifestamos nosso apoio incondicional aos Kariri Xocó de Paulo Afonso em sua luta pela permanência na terra. Esperamos que o TRF-1 suspenda o despejo e evite mais uma cena de truculência do Estado usando de forte aparato bélico contra mulheres grávidas, crianças, anciões e homens que antes só viviam de incertezas e agora trabalham no chão que sempre lhes pertenceu.
Os Kariri Xocó decidiram que não há mais lugares para onde ir, a não ser continuar no território tradicional de seus ancestrais.
Paulo Afonso (BA), 24 de março de 2017
ASSINAM A NOTA:
-Articulação Popular São Francisco Vivo
-Associação Cultura de Preservação do Patrimônio Bantu – ACBATU
-Associação dos Professores Indígenas do Norte e Oeste da Bahia – APINOBA
-CÁRITAS Diocesana de Propriá
-Comissão Pastoral da Terra – CPT
-Comissão Pastoral dos Pescadores (CPP)
-Comissão Ecumênica dos Direitos da Terra – CEDITER
-Conselho dos Povos Indígenas da Bahia – COPIBA
-Conselho Indigenista Missionário (Cimi)
-Instituto Acção
-Licenciatura Intercultural em Educação Escolar Indígena – LICEEI
-Movimento de Mulheres Camponesas – MMC
-Movimento dos Pequenos Agricultores – MPA
-Movimento dos Pescadores e Pescadoras Artesanais do Baixo São Francisco – MPP
-Movimento Indígena da Bahia – MIBA
-Sociedade Brasileira de Ecologia Humana – SABEH
Blog de Ozildo Alves
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