Em artigo publicado na imprensa, a especialista do Banco Mundial, Paula Tavares, aponta brechas na legislação brasileira responsáveis por perpetuar desigualdades de gênero. Lei brasileira permite o casamento de meninas com qualquer idade em caso de gravidez (Foto: EBC)
Por Paula Tavares, especialista em Desenvolvimento do Setor Privado do Banco Mundial e autora do estudo “Fechando a Brecha: Melhorando as Leis de Proteção à Mulher contra a Violência”*
De um ponto de vista estritamente jurídico, a igualdade entre homens e mulheres no Brasil é quase plena. É uma informação destoante da realidade do dia a dia, mas também impressionante quando se compara a legislação brasileira com as demais. Na minha experiência com a equipe do Mulheres, Empresas e o Direito, vieram à tona dados surpreendentes. Conheça alguns deles a seguir.
Até 1988, só o homem era considerado chefe de família
Apesar de o Brasil ter ratificado a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação, em 1984, foi só com a Constituição de 1988 que alguns dispositivos discriminatórios do Código Civil caíram. Até então, apenas o homem era considerado chefe de família e responsável por administrar o lar e o patrimônio conjugal.
Dezoito anos é a idade legal para o casamento de meninas, mas…
Embora o Brasil estipule em 18 anos a idade legal para o casamento de meninas e preveja a anulação do casamento infantil, a lei autoriza que meninas se casem a partir dos 16 se tiverem o consentimento dos pais. Além disso, a lei permite o matrimônio a qualquer idade se a menina estiver grávida. Resultado: o Brasil tem o maior número de casamentos infantis na América do Sul e o quarto número mais alto do mundo.
Além disso, 36% das meninas no Brasil já estão casadas aos 18 anos, como mostramos no novo relatório Fechando a Brecha: Melhorando as Leis de Proteção à Mulher contra a Violência. Também vale destacar que 24 países da América Latina preveem pena a quem autorize o casamento precoce, mas o Brasil não está entre eles.
Faltam leis contra o assédio sexual na escola e em lugares públicos
Você sabia que a legislação brasileira contra o assédio sexual no trabalho é forte? Em compensação, quando analisamos os dispositivos específicos contra o assédio nas ruas, nos meios de transporte e outros espaços públicos, descobrimos que não existe legislação. O mesmo vale para as escolas.
A discriminação no mercado de trabalho se dá de muitas formas
O Brasil proíbe a discriminação de gênero na hora da contratação, mas persistem algumas questões, como a salarial e o fato de os recrutadores poderem perguntar sobre o estado civil da mulher. Uma curiosidade é o fato de a trabalhadora poder fazer quase os mesmos ofícios do homem, menos os que exijam levantar peso.
A Consolidação das Leis do Trabalho proíbe a contratação de mulheres em serviço que demandem o emprego de força muscular superior a 20kg para o trabalho contínuo ou 25kg para o trabalho ocasional. Curiosamente, esse é o peso médio de uma criança de 5 anos. Pode-se inferir, portanto, que deveria haver legislação protegendo as mães de carregar seus filhos no colo, não é?
A mãe trabalhadora concentra os cuidados com os filhos
No Brasil, a licença-maternidade dura no máximo seis meses; a paternidade, 20 dias. Já os países nórdicos, Portugal e outros têm começado a tratar da questão da licença como um direito a ser compartilhado entre os pais. Trata-se da licença parental, que em geral é de longa duração.
Convém notar que isso afeta as oportunidades da mulher na hora da contratação. Um empregador, ao deparar-se com dois candidatos jovens, um homem e uma mulher, geralmente leva em consideração o fato de que ela lhe trará ônus adicionais em função da maternidade. Mas, quando a licença passa a ser compartilhada, tal paradigma muda, e mesmo esse ônus passa a ser dividido.
*Artigo originalmente publicado no The Huffington Post Brasil, em 11 de março de 2017
ONU Brasil
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