quinta-feira, outubro 06, 2016

Candidato a Patrimônio Mundial, Cais do Valongo recebe visita técnica do ICOMOS/UNESCO



Principal porto de entrada de africanos escravizados no Brasil e nas Américas, o Cais do Valongo, localizado na região portuária do Rio de Janeiro (RJ), recebeu no fim de setembro a visita de um representante do Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (ICOMOS) – órgão consultivo da UNESCO – para vistoria e avaliação técnica do local, candidato a Patrimônio Mundial. Além da visita, foram realizadas reuniões com a participação do Comitê Consultivo da Candidatura, composto por várias instituições governamentais, dos três níveis de governo, e não-governamentais relacionadas com questões associadas ao bem.

O Sítio Arqueológico do Cais do Valongo não só representa o principal cais de desembarque de africanos escravizados em todas as Américas, como é o único que se preservou materialmente. Pela magnitude do que representa, coloca-se como o mais destacado vestígio do tráfico negreiro no continente americano.

Apresentada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) e a Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, a candidatura do Cais do Valongo foi aceita no fim de 2015 pelo Centro do Patrimônio Mundial e aguarda agora a avaliação final do Comitê do Patrimônio Mundial, que acontecerá em junho de 2017 em Cracóvia, na Polônia.

O título de Patrimônio Cultural da Humanidade representará o reconhecimento de um processo único da história da humanidade que apesar do processo escravagista produzido, propiciou uma inestimável contribuição dos africanos e seus descendentes à formação e desenvolvimento cultural, econômico e social do Brasil, de modo direto, e da região, de modo indireto, além do valor universal excepcional do local, como memória da violência contra a humanidade representada pela escravidão, e de resistência, liberdade e afirmação, fortalecendo as responsabilidades históricas, não só do Estado brasileiro, como de todos os países membros da UNESCO.

A candidatura tem como base um dossiê que resgata a história do tráfico de escravos na cidade em suas várias fases e analisa, detalhadamente, a importância histórica e social desse processo, além do significado do sítio arqueológico não só para os afrodescendentes, mas para todos os brasileiros. Coordenado pelo antropólogo Milton Guran e elaborado pelo Iphan, em parceria com a Prefeitura do Rio de Janeiro, o documento foi finalizado após um ano de trabalho, onde são apresentados para avaliação o valor universal excepcional do bem, além dos parâmetros relacionados à sua proteção, conservação e gestão, conforme estabelecem as diretrizes operacionais da Convenção do Patrimônio Mundial, Natural e Cultural, de 1972.

As etapas da candidatura
Após a inserção na Lista Indicativa do Patrimônio Mundial e elaboração e entrega do dossiê de candidatura pelo país proponente, acontece a missão de avaliação técnica por parte do órgão consultivo, estágio atual do processo de candidatura do Sítio Arqueológico do Cais do Valongo. Nesta etapa são realizadas avaliações de campo com visita ao local, entrevistas com os gestores e outros atores relevantes, debates com os formuladores da candidatura e contatos com as autoridades governamentais envolvidas. Associada a essa missão, ocorrem as análises de gabinete, pautadas pela documentação entregue.

Com os pareceres elaborados, é realizada uma reunião técnica do ICOMOS, em Paris, na França, chamada de “Painel”. Lá são debatidos os pareceres apresentados, esclarecidas eventuais questões e avaliados os posicionamentos dos especialistas gerando recomendações ou exigências, conforme o caso, para serem ainda dirimidas pelo país proponente. Caso se faça necessário, as informações são avaliadas em um novo “Painel”, quando é preparado o “Draft Decision”, ou seja, o Projeto de Decisão. O Brasil deve ter acesso ao relatório do ICOMOS, contendo seu posicionamento, em maio do próximo ano, um mês antes da reunião do Comitê do Patrimônio Mundial, quando será feita a avaliação final da candidatura e anunciado seu reconhecimento ou não, como Patrimônio Mundial pela UNESCO.

A grande porta de entrada de africanos escravizados no Brasil

O Brasil recebeu cerca de quatro milhões de escravos nos mais de três séculos de duração do regime escravagista, 40% de todos os africanos que chegaram vivos nas Américas, entre os séculos XVI e XIX. Destes, aproximadamente 60% entraram pelo Rio de Janeiro, sendo que aproximadamente um milhão pelo Cais do Valongo. A partir de 1774, por determinação do Marquês do Lavradio, Vice-Rei do Brasil, o desembarque de escravos no Rio foi integralmente concentrado na região da Praia do Valongo, onde se instalou o mercado de escravos que, além das casas de comércio, incluía um cemitério e um lazareto.

O objetivo era retirar da Rua Direita, atual Primeiro de Março, o desembarque e comércio de africanos escravizados. Após a chegada, eles eram destinados às plantações de café, fumo e açúcar do interior e de outras regiões do Brasil. Os que ficavam no Rio de Janeiro, geralmente eram os utilizados em trabalhos domésticos, ou nas obras públicas. A vinda da família real portuguesa para o Brasil e a intensificação da cafeicultura ampliaram consideravelmente o tráfico escravagista.

Em 1811, com o incremento do tráfico e o fluxo de outras mercadorias, foram feitas obras de infraestrutura, incluindo o calçamento de pedra de um trecho da Praia do Valongo, que constitui o atual Sítio Arqueológico do Cais do Valongo.

O local foi desativado como porto de desembarque de escravos em 1831, quando o tráfico transatlântico foi proibido por pressão da Inglaterra – norma solenemente ignorada, que recebeu a denominação irônica de lei para inglês ver. Doze anos depois, em 1843, o Cais do Valongo foi aterrado para receber a Princesa das Duas Sicílias e Princesa de Bourbon-Anjou, Teresa Cristina, esposa do Imperador Dom Pedro II, recebendo o nome de Cais da Imperatriz.

Com a assinatura da Lei Eusébio de Queirós, em 1850, pôs-se fim verdadeiramente ao tráfico para o Brasil, embora a última remessa conhecida date de 1872 e a escravidão tenha persistido até a Abolição, em 1888.

Em 1911, com as reformas urbanísticas da cidade, o Cais da Imperatriz foi aterrado. No entanto, durante as obras do Porto Maravilha, com as escavações realizadas no local em 2011, foram encontrados milhares de objetos como parte de calçados, botões feitos com ossos, colares, amuletos, anéis e pulseiras em piaçava de extrema delicadeza, jogos de búzios e outras peças usadas em rituais religiosos. Entre os achados raros, há uma caixinha de joias, esculpida em antimônio, com desenhos de uma caravela e de figuras geométricas na tampa.

Em 2012, a prefeitura do Rio de janeiro acatou a sugestão das Organizações dos Movimentos Negros e, em julho do mesmo ano, transformou o espaço em monumento preservado e aberto à visitação pública. O Cais do Valongo passou a integrar o Circuito Histórico e Arqueológico da Celebração da Herança Africana, que estabelece marcos da cultura afro-brasileira na Região Portuária, ao lado do Jardim Suspenso do Valongo, Largo do Depósito, Pedra do Sal, Centro Cultural José Bonifácio e Cemitério dos Pretos Novos.

Em 20 de novembro de 2013, Dia da Consciência Negra, o Cais do Valongo foi alçado a patrimônio cultural da cidade do Rio de Janeiro, por meio do Instituto Rio Patrimônio da Humanidade (IRPH). Representantes da UNESCO também consideraram o sítio arqueológico como parte da Rota dos Escravos, sendo o primeiro lugar no mundo reconhecido pela UNESCO. O evento reforçou ainda mais a intenção do país de lançar a candidatura do Sítio Arqueológico do Cais do Valongo a Patrimônio da Humanidade.

Durante a realização da missão de avaliação do ICOMOS ao sítio, foi destacado como o Sítio Arqueológico do Cais do Valongo se constitui em um exemplo de como valores ancestrais conferem referências importantes e fundamentais para o processo de renovação urbana das cidades, como a que ocorre na região portuária do Rio de Janeiro.

Ascom IPHAN

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