terça-feira, agosto 09, 2016

Ministério Público do Trabalho aciona 13 municípios do agreste de Pernambuco por trabalho infantil

Flagrante de trabalho infantil em feiras livres em Quipapá-PE, denunciado pelo Ministério Público do Trabalho (Foto: Secretaria de Assistência Social e Direitos Humanos)

O trabalho recorrente de crianças e adolescentes em feiras, mercados públicos e matadouros em municípios do agreste de Pernambuco levou o Ministério Público do Trabalho (MPT) a ajuizar ações civis públicas contra 13 prefeituras da região. O órgão pretende obrigar os municípios a criar projetos que combatam a prática e a pagar multa por dano moral coletivo.

As prefeituras de Altinho, Brejo da Madre de Deus, Ibirajuba, Jurema, Machados, Sanharó, São Bento do Una, Poção, Itaíba, Quipapá, Jupi, Custódia e Sairé se recusaram a assinar Termo de Ajuste de Conduta (TAC) para erradicar o trabalho infantil e por isso se tornaram alvos das ações civis. Seis já foram ajuizadas e até o fim desta semana o MPT vai ingressar com as ações restantes.

De acordo com o procurador José Adílson Pereira da Costa, responsável pelo caso, a situação mais grave se dá nos matadouros de animais. “É um quadro de muita insalubridade. Animais abatidos, vísceras expostas. Quem corta os pedaços usa uma faca enorme. É uma atividade muito penosa, nem todo adulto consegue. Imagina para crianças.” Segundo Costa, os menores de 18 anos são geralmente levados pelos pais, e ficam responsáveis por tarefas como cortar vísceras e coletar o sangue dos animais.

No entanto, de acordo com o procurador, não é mais tão comum encontrar menores de idade em matadouros, porque os responsáveis pela exploração são facilmente identificados, seja a família ou o dono do estabelecimento. O mais frequente – e difícil de combater, segundo Costa, é o trabalho nas feiras livres, em que as crianças e adolescentes trabalham carregando compras de clientes com carrinhos de mão – o chamado frete.

“Nesses casos a criança está atuando para pessoas da sociedade, não para um empregador específico”, explica. Quando o jovem é levado pelos pais, que normalmente trabalham na feira, fica mais fácil flagrar o responsável pelo trabalho indevido, mas muitos vão ao local sem adultos, o que dificulta a ação dos fiscais. A idade média das crianças e jovens nessa atividade é de 12 a13 anos, segundo o procurador, mas o MPT já flagrou crianças de até 10 anos levando compras de clientes com carrinhos de mão. “Muitas vezes a criança carrega um peso maior que o dela mesmo”, compara.

Legislação

Pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), o trabalho é proibido a menores de 16 de idade, a não ser na condição de aprendiz, a partir dos 14 anos. “Mesmo assim porque está vinculado a um curso, com carteira de trabalho assinada, em atividades monitoradas, que não são penosas”, ressalta o procurador do MPT. A lei diz ainda que o trabalho “não poderá ser realizado em locais prejudiciais à sua formação, ao seu desenvolvimento físico, psíquico, moral e social e em horários e locais que não permitam a frequência à escola”.

Além do previsto na CLT, o Brasil também é signatário da Convenção 182 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que estabelece as piores formas de trabalho infantil e as ações para a sua eliminação. “Por conta do peso, das condições de sol a pino, de risco de acidente, enfim, esse trabalho de carregar frete, peso, sob condições insalubres, é vedado a menores de 18 anos”, disse o procurador.

Apesar da legislação, Costa ressalta que o trabalho de crianças e adolescentes nesses locais é comum no agreste de Pernambuco. “Fiscalizo mais de 90 municípios. Todos eles têm.” Nas cidades onde a situação era pior foram realizadas audiências para tratar da questão, além da assinatura de termos de ajustamento de conduta. A ação civil é o último recurso utilizado pelo MPT para tentar mobilizar as prefeituras a combater a exploração do trabalho infantil, muitas vezes encarada como cultural na região.

Um argumento usado com frequência pelas famílias é que a criança precisa aprender um ofício para ter trabalho no futuro, além de ajudar em casa o quanto antes. Mas, na avaliação de Costa, esse costume causa o efeito contrário. “A criança que trabalha desde cedo entra num ciclo de pobreza e vai repetir isso com sua família. Vai ter baixo rendimento escolar, não vai conseguir ter boa colocação no mercado de trabalho. O ciclo só pode ser quebrado mediante suporte mínimo para as famílias para que as crianças não precisem trabalhar.”

Medidas

O Termo de Ajuste de Conduta proposto pelo MPT aos municípios do agreste pernambucano estabelece uma série de medidas para combater o trabalho infantil. São as mesmas providências exigidas nas ações civis públicas. Um dos principais pontos é que a prefeitura crie um controle e um regimento da feira, dos mercados e matadouros, com regras e penalidades. Quem for titular de uma atividade econômica na feira, por exemplo, e estiver envolvido com trabalho infantil, pode perder o direito de comercializar no local.

Para crianças e adolescentes que estejam desacompanhados, como no caso do frete, a ideia é destinar, na feira, um espaço com atividades lúdicas e culturais, que atraiam crianças e a retirem do trabalho. Outra medida prevê a manutenção de estrutura mínima de pessoal e equipamentos para conselhos tutelares e instituições de assistência social nos locais.

Todas as medidas do TAC têm prazos para serem aplicadas, que vão de 90 a 180 dias. Caso sejam descumpridas, há multa para cada um delas. Nas ações judiciais, o MPT pede ainda que cada um dos municípios pague indenização por dano moral coletivo no valor mínimo de R$ 50 mil.

Respostas

A Agência Brasil procurou as prefeituras dos 13 municípios citados. Os telefones divulgados em páginas oficiais não foram atendidos em Custódia, Sairé, Jupi, Ibirajuba, Itaíba, Machados e São Bento do Una. Em Altinho, Jurema e Sanharó não havia uma pessoa que pudesse atender a solicitação da reportagem. Já Brejo da Madre de Deus, Poção e Quipapá, as prefeituras foram contatadas, mas não responderam os questionamentos até a publicação.

Agência Brasil

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