De acordo com a professora doutora do Departamento de Esporte da Escola de Educação Física e Esporte da Universidade de São Paulo (USP), Maria Tereza Böhme, o Brasil não tem a cultura de formar atletas na escola. O verdadeiro celeiro de atletas de ponta do Brasil, explica a professora, não está nas aulas de educação física e sim nos clubes esportivos.
Os grandes nomes do atletismo brasileiro e da natação, por exemplo, foram formados em clubes. Em competições nacionais dessas modalidades, como o Troféu Brasil de Atletismo e o Troféu Maria Lenk (natação), os atletas defendem as cores de um clube, e não de uma escola ou universidade.
Maria Tereza lembra, no entanto, que a estrutura dos clubes dificulta o acesso de possíveis interessados na carreira esportiva. “Fui jogadora de voleibol nos anos 70, joguei no [clube] Pinheiros. Na categoria mirim éramos 30, 40 meninas jogando, treinando. Hoje não. Hoje colocam nas categorias de base o mínimo necessário, não tem aquela promoção”, conta. “O clube é um espaço muito restrito, você tem que pagar um título para usar. O sócio quer aquele espaço todo para ele, não quer ceder para um trabalho de formação esportiva”, completa.
O diretor de relações internacionais da Confederação Brasileira de Desporto Estudantil (CBDE), Luiz Delphino, concorda com a professora da USP. Para ele, o modelo de desenvolvimento do esporte na escola ainda é algo recente no país. “Quando se mistura educação física e esporte, vai haver confusão. Porque não é função da educação física fazer uma formação esportiva no país. A formação esportiva, historicamente no Brasil, sempre foi dentro de clubes. A escola é um modelo muito novo de formação esportiva”.
Iniciativas pontuais
O jovem Bruno de Oliveira, 13 anos, treina nas piscinas do Distrito Federal (DF) desde os 8 anos e sonha ser um atleta olímpico (conheça aqui a história de Bruno). E é no Centro Olímpico e Paralímpico Rei Pelé, na cidade de Samambaia, a cerca de 30 km do centro de Brasília, que ele treina todos os dias. O complexo, com quadra poliesportiva, piscinas e campos de futebol foi erguido pelo governo distrital em 2009.
Com a estrutura de um clube público, o local abriga o projeto Futuro Campeão, voltado para formação de atletas de alto rendimento, além de projetos voltados para o esporte como elemento socializador. São 11 centros no DF que juntos atendem mais de 15 mil pessoas entre crianças a partir de 4 anos, jovens, adultos e idosos, com e sem deficiência.
“É um projeto do governo do Distrito Federal que conta com apoio da Fundação Assis Chateaubriand. Nosso objetivo é que em 2020 ou 2024 tenhamos alguém nos Jogos Olímpicos. Nossa pretensão era ter alguém participando de campeonatos nacionais de natação em 2017. E em 2015 já tivemos duas atletas em etapas do campeonato brasileiro”, diz o treinador de natação, Aguinaldo Amorim.
O subaproveitamento do esporte na escola não significa que não trazemos medalhas olímpicas. Nos últimos três jogos – 2004, 2008 e 2012 – foram 42 medalhas, sendo 11 de ouro. Mas o Brasil é um país de 200 milhões de habitantes. São milhões de atletas em potencial espalhados pelas salas de aula. “Para a gente conseguir voltar a ter escolas fortes e atletas fortes, a gente tem que voltar com o esporte na escola. Essa é a minha visão”, diz Emanuel, ex-atleta de vôlei de praia e três vezes medalhista olímpico.
Na opinião dele, é na escola que se aprende os fundamentos de várias modalidades e se descobre a gama de esportes existentes. “Eu sou de uma geração que aprendeu na escola o que era uma competição de atletismo, uma competição de futebol e uma competição de tiro com arco. Então, essas coisas eu aprendi com o professor de educação física. E eu acredito que esse é o meio correto, porque ali você tem uma primeira vivência”.
Os currículos das escolas do país, porém, não seguem um padrão. Cada município trabalha seu currículo, e que pode mudar a depender do governo vigente. “Não há uma definição de competência e acaba que cada um faz o que acha que é mais importante naquele governo. Não existe um trabalho a longo prazo. Não tem uma perspectiva de formação a longo prazo. As coisas acontecem de forma assistemática”, explica a professora da USP, Maria Tereza.
Além de não haver um currículo unificado de educação física, a própria formação dos professores não se volta necessariamente à ampliação do potencial esportivo em alto rendimento. “A formação do educador físico não é para formar atleta; não é papel da escola. Mas vai depender muito da filosofia [da instituição] na qual está se formando”.
Para o diretor Luiz Delphino, o professor de educação física não é um entrave no processo, mas lembra que o Brasil fica atrás de outros países quando se fala em valorizar a base esportiva. “O Brasil não tem a formação esportiva dentro da escola como acontecem em outros países, como Estados Unidos, Inglaterra e muitos outros europeus, onde a formação de base acontece dentro da escola”.
Pratique o esporte que quiser
Paulista de Limeira e criado em Brasília, Cairo Santos deixou a capital federal em 2007 para cursar o ensino médio nos Estados Unidos e tentar um espaço no mercado do futebol, crescente naquele país. Chegando lá encontrou uma realidade completamente diferente da que conhecia.
“Você escolhe e pode praticar o esporte que quiser. Cheguei lá no outono e os esportes disponíveis eram vôlei, golfe e futebol americano, dentre outros. No inverno, era futebol e basquete. Então, dá chance do aluno praticar várias modalidades em épocas diferentes do ano. A criança vem com essa base de esporte, não só de um, mas de vários que a interessam”, conta.
A variedade de esportes apresentados mudou sua vida. Aproveitou a força na perna direita com que chutava a bola redonda e a experimentou na bola oval. Passou a treinar futebol americano na posição de kicker – jogador que entra na partida para chutar a bola – e foi à faculdade, onde jogou pela Universidade de Tulane, no estado da Louisiana.
Resultado, se formou e virou atleta profissional da National Football League (NFL), a principal liga de futebol americano do mundo. É o kicker do Kansas City Chiefs e embaixador oficial da NFL no Brasil.
Para ele, a forma como os dois países veem o esporte escolar é muito diferente. Ele destaca a estrutura que as escolas públicas têm por lá; o apoio e o investimento que recebem para difundir várias modalidades. “Lá nos Estados Unidos as escolas públicas são as melhores. Aqui [no Brasil] parecem ser as piores. Aqui não existe essa estrutura de educação, de prática de esporte. O Brasil ainda está atrás nessa parte de investir e levar as coisas a sério”.
O diretor de relações internacionais da CBDE, Luiz Delphino, trabalha com a principal entidade do esporte estudantil do país e afirma: apesar do cenário desfavorável, o Brasil pode ser uma potência na categoria em cerca de 20 anos. Segundo ele, o país “engatinha”, mas já aparece com números respeitáveis na Ginasíade, uma espécie de Olimpíada do esporte escolar.
Futuro promissor
“A última Ginasíade, em 2013 em Brasília, ficamos em quarto lugar no geral. Para a edição de julho deste ano, na Turquia, o Brasil está indo com 200 pessoas. Teremos uma excepcional participação”. Ele lembra que, apesar dos entraves, as competições escolares estão ocorrendo no país e revelando talentos. Segundo ele, são 1 milhão de crianças participando do sistema Federação do Desporto Escolar/CBDE só em São Paulo.
Mas se não há consenso entre os currículos escolares, também não há entre as entidades gestoras do esporte estudantil. Atualmente, tanto a CBDE quanto o Comitê Olímpico Brasileiro (COB) recebem verba garantida por lei para administrar o desporto estudantil. Essa verba é dividida entre as duas entidades, cada uma com uma estrutura de competições. Do lado do COB, estão as secretarias estaduais de esporte e educação, e junto à CBDE, as federações do desporto escolar.
Delphino explica que a situação cria uma “divisão no país”, por não haver um sistema único de administração do desporto escolar. Ele não critica a organização do COB em competições como os Jogos Escolares da Juventude, mas acredita que a divisão da verba enfraquece o alcance das políticas.
“O COB é uma instituição de desporto de alto rendimento que administra recursos do desporto escolar. Ele acaba gerindo de forma a atingir somente resultado esportivo. E o desporto escolar deve ser entendido como formação integral do ser humano e, consequentemente, tirar dali um bom atleta”, diz. Para Delphino, o COB “está fazendo algo com muita competência, mas que não lhe diz respeito”.
No meio de todas as questões administrativas e de gestão, estão crianças e adolescentes. Talvez futuros atletas olímpicos, talvez não. Eles gostam de esporte e estão prontos a praticá-lo. Até onde isso as levará, apenas o futuro pode dizer. Mas o que precisa ter em mente, como Delphino destaca, é a necessidade de chegar a cada vez mais crianças e escolas.
“Não sei se daqui 20 anos o resultado se refletirá no alto rendimento. Mas eu acredito que, com o volume de escolas desenvolvendo o esporte dentro da escola, com uma grande quantidade de crianças participando, talentos surjam ao fim do processo. Porque daremos acesso e oportunidade a muito mais crianças”.
Agência Brasil
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