O livro Pedagogia do Oprimido, principal obra de educador pernambucano, escrito e publicado durante seu exílio no Chile, foi lançado em 1968 e, proibido pelos militares durante a ditadura no Brasil (1964-1985), publicado em território nacional apenas em 1974.
Artigo que traz a biografia do educador Paulo Freire na Wikipedia foi alterado na tarde de ontem (28) com informações que atribuem a ele a origem da “doutrinação marxista” nas escolas e universidades. Grupo que monitora as alterações feitas em páginas da Wikipedia identificou que as mudanças partiram de uma rede do Serviço Federal de Processamento de Dados (Serpro). No verbete editado, consta que Freire participou da última grande reforma da legislação educacional que resultou em um ensino "atrasado, doutrinário e fraco".
Em nota, o Serpro, empresa de tecnologia da informação do governo federal, disse que a alteração não partiu de suas instalações, mas de um órgão público federal que não pode ter o nome divulgado por questões contratuais. O Serpro administra a rede que provê acesso à internet tanto em instalações do próprio órgão como em instituições públicas em todo o país.
"A alteração realizada não partiu das instalações do Serpro, mas, sim, de um órgão público, cujo acesso à internet é administrado pela empresa. Entretanto, o Serpro não está autorizado, por questões contratuais, a divulgar informações de acesso de seus clientes à rede", diz o comunicado.
Os parágrafos inseridos no artigo foram retirados de um texto publicado no site do Instituto Liberal com o título “Paulo Freire e o Assassinato do Conhecimento”. O texto é assinado por um integrante da rede Estudantes Pela Liberdade e do Movimento Universidade Livre.
As críticas aos ideais de Paulo Freire têm sido comuns nos recentes debates envolvendo o movimento "Escola sem Partido" que questiona as diretrizes curriculares e o debate político dentro das instituições de ensino, acusadas de "ideologizar" os alunos.
“Aí está uma das origens da nossa já conhecida doutrinação marxista nas escolas e universidades, que em vez de formar cidadãos e profissionais para o crescimento do país, forma soldados dispostos a defender com unhas e dentes o marxismo no meio acadêmico”, diz o trecho de um dos parágrafos inseridos no artigo.
Obra
A principal obra do educador pernambucano Paulo Freire, “Pedagogia do Oprimido” (1968), é a terceira mais citada mundialmente em trabalhos da área de humanas, segundo um levantamento realizado no Google Scholar, ferramenta de pesquisa dedicada à literatura acadêmica. O pedagogo também é referência nacional nas pesquisas da área.
Para o diretor pedagógico do Instituto Paulo Freire (IPF), Paulo Roberto Padilha, esse tipo de ação é uma tentativa de doutrinar leitores que não conhecem a história do educador.
“O que está publicado é um absurdo, uma aberração política e pedagógica, não corresponde à verdade. O que ele [Paulo Freire] queria é uma educação que libertasse a pessoa, para que se tornasse uma pessoa crítica, capaz de questionar qualquer doutrinação”, afirma.
Padilha destaca que os trechos inseridos na Wikipedia serão questionados nacional e internacionalmente pela comunidade de estudiosos da obra de Paulo Freire. Realizado a cada dois anos, o Fórum Paulo Freire que reúne estudiosos interessados em discutir a obra do autor terá sua 10ª edição neste ano em Santiago (Chile), onde Freire escreveu e publicou Pedagogia do Oprimido durante o exílio.
Proibido pelos militares durante a ditadura no Brasil (1964-1985), o livro só viria a ser publicado em território nacional em 1974.
“A gente vê inventada nesse tipo de ação a mesma lógica do golpe militar, querendo desfigurar e descaracterizar a palavra do Paulo Freire. Estaremos no Chile discutindo uma educação libertadora que não se restringe a um ou outro teórico, mas dialoga com os diferentes, contra o retrocesso”, reforçou Padilha.
Outro trecho do texto inserido no artigo da Wikipedia fala sobre a participação de Freire no processo que originou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira, durante a reforma educacional feita em 1996, no governo de Fernando Henrique Cardoso.
Segundo o coordenador pedagógico do instituto, a LDB, da forma como foi aprovada, não contemplou a visão de Freire. “Paulo Freire inspirou muitos educadores que tiveram papel importante na LDB, mas de última hora a lei foi desconfigurada. Ele o fez com a expectativa de uma outra perspectiva”, afirma.
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