segunda-feira, abril 18, 2016

Vexames do dia do impeachment sugerem reformas já


Deus, família e impropriedades várias foram as inspirações da maioria dos votos dos deputados federais que optaram por depor Dilma Rousseff. O motivo principal para justificar a entrega da cabeça da presidente ao Senado era "corrupção" ou "roubalheira", que não estavam em causa.

Como se recorda e geralmente jamais se compreendeu, dentro ou fora do Congresso, o motivo alegado do processo eram fraudes fiscais.

Não vem ao caso discutir nesta hora deprimente o problema constitucional da lei do impedimento, assunto porém grave. Note-se apenas que todas as sutilezas jurídicas e econômico-fiscais foram consideradas firulas pelos deputados. Na marra. Goste-se ou não, para os representantes do povo o julgamento do "impeachment" é político.

Como de política se trata, convém tentar dar algum sentido, ainda que superficial, ao que as elites viam com espanto na Câmara, ou assim se manifestavam, indignadas e enojadas, pelas redes sociais.
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Observe-se logo que aqueles deputados foram eleitos pelos mesmos cidadãos que escolheram Dilma Rousseff,Aécio Neves ou Marina Silva, para mencionar os mais cotados na eleição de 2014. Quanto à legitimidade dos votos, de eleitores e deputados, em si não há o que objetar.

Sejam os votos bons ou legítimos, tal avaliação não diz quase nada sobre o sistema que seleciona os representantes, sobre como eles se organizam em partidos e sobre o processo político que acaba por orientar o comportamento dos parlamentares.

Muito se fala da economia em frangalhos, mas menos tempo e reflexão pública se dedica a um sistema político que, parece, seleciona mal as lideranças, entre elas também os parlamentares federais. Tal escolha depende em boa parte da ação de partidos.

O sistema partidário apodreceu de vez, vide as compras de votos nessa eleição indireta perversa que se transformou a votação do impeachment. Mas faz tempo que a maioria e parte relevante dos partidos se transformaram em tropas de barganha ou bandos de salteadores do Estado.

Apesar da maioria de quase 75% dos votos "pró-Temer", há dúvida imediata sobre a qualidade e a estabilidade dessa coalizão, tanto devido à fragmentação partidária oportunista como à desarticulação social das legendas.

A coisa não deve melhorar no médio prazo sem reformas relevantes ao menos nas regras eleitorais, as quais favorecem a formação de partidinhos negocistas.

Mudanças que dependem das próprias raposas no galinheiro dizimado.

Essa é apenas parte do problema. O sistema partidário podre ficou ainda pior porque entrou em descompasso progressivo com uma sociedade que se transformou muito em 20 anos. Além do mais, a formatação do Estado, seu gigantismo fragmentado e o sistema de favores a empresas ou a grupos de interesse minoritários facilita a ação de salteadores nos partidos e de quem os financia.

Se mudanças políticas na sociedade e sem reformas que façam o sistema político permeável a tais mudanças, teremos ainda muito problema.

Vinicius Torres Freire/Folha de S. Paulo

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