O senhor começou a fazer blog no Nordeste há dez anos, quando poucos ou quase ninguém sabiam de fato do que se tratava essa nova ferramenta. Foi um tiro no escuro?
Não diria que foi uma aposta arriscada, porque a internet começava a criar uma nova cultura na forma de informar em todo o mundo, entrando com uma rapidez impressionante no Brasil. Mas poucos jornalistas, principalmente os nascidos e forjados na indústria do papel, faziam prognósticos otimistas sobre o jornalismo online. Eu também sou um jornalista filho do impresso. Quando entrei pela primeira vez numa redação, em 1980, o instrumento mais moderno de receber e passar notícias era o telex. Logo depois chegou o fax, que se traduziu numa revolução, uma dádiva dos céus, especialmente para repórteres que, como eu, farejavam e caçavam a notícia como correspondente de um jornal no Sertão, o Diario de Pernambuco, onde comecei minha carreira.
O que mais surpreendeu nesta transição?
A velocidade da informação. Quando comecei em jornal eu escrevia em máquina de datilografia e enviava as notícias para o jornal pelo cobrador de ônibus da linha que fazia Afogados da Ingazeira ao Recife. Meus textos chegavam ao editor da página de Interior do grande DP jogados num envelope na portaria do jornal pelo cobrador do ônibus, que recebia uma gorjeta para isso. Eu escrevia uma notícia que só vinha a ser publicada dois dias depois. Quando acontecia uma tragédia ou um crime de repercussão eu enviava o texto por telex, mas era difícil encontrar um aparelho de telex no Sertão. Eu tinha que recorrer a orelhão para ditar a matéria. Em Exu, onde ocorriam muitos crimes entre as famílias Sampaio, Peixoto e Alencar, por exemplo, eu era visto berrando no orelhão para um redator que me copiava no Recife. Hoje, dou minhas notícias em segundos do meu próprio celular. Esta é, sim, a maior revolução que estamos vivendo, a revolução da instantaneidade.
Quando o seu blog começou a ser encarado como uma nova ferramenta do mercado?
Eu sou um jornalista que só acredita no sucesso de qualquer produto editorial se houver antes uma estratégia, um plano de marketing. Quando apostei em blog, em 2006, meu nome já era conhecido, porque assinava coluna em jornal, vinha de uma experiência muito intensa em Brasília, passando por vários jornais na cobertura nacional, mas mesmo assim fiz uma estratégia: promovi um café da manhã para o seu lançamento e deflagrei uma campanha em outdoor, rádios e jornais. Mais do que isso, fui em busca direta de um novo público, fazendo palestras didáticas, passando para o público um verdadeiro bê-á-bá do que seria um blog. Fiz mais de 100 palestras, andei cerca de 10 mil quilômetros pelo Interior do estado. Quando eu chegava numa cidade do Sertão a plateia ia ver a palestra por pura curiosidade, pois antes nunca ouvira falar em blog. Hoje, dez anos depois, fico feliz por Pernambuco escrever uma página inédita na blogosfera: somos o estado com maior número de blogueiros do país. Não há um só município que não tenha pelo menos um blogueiro. A pequena Solidão, recentemente objeto de uma matéria de fim do mundo feita pela Globo News, tem dois ou três blogueiros. Isso é fantástico. Afinal, os blogs são os jornais locais, que prestam grandes serviços à coletividade, que antes não sabia o que acontecia em sua própria aldeia.
Como o senhor analisa o futuro do jornalismo, o papel que o tradicional jornal impresso vai desempenhar?
O papel ainda sobrevive por muito tempo, mas é evidente que o modelo de comunicação vai cada vez mais ser complementado pelo digital. Sobrevive não pelo saudosismo, como os discos de vinil, mas porque ele é conveniente. O leitor recebe em casa um relatório impresso, da marca que ele confia, com os fatos e análises das últimas 24 horas. É um valor para o indivíduo. Mas é preciso abrir uma discussão: o que acontecerá com o jornalismo impresso? Qual o futuro da mídia impressa? Vale começar, contudo, com o que está acontecendo agora, no presente. A maior empresa de mídia, o Google, não produz um único grama de conteúdo sequer. Jornais comem poeira da TV, rádios, instant messengers e noticiosos on-line nos chamados 'furos', cada vez mais raros – e, vale dizer, dispensáveis – na mídia impressa. O New York Times, maior marca de mídia impressa do planeta, perdeu 50% de sua circulação paga nos últimos cinco anos. O Clarín, jornal argentino, o maior da América Latina, não tem um assinante sequer. No Brasil, onde a densidade digital da sociedade ainda é relativamente baixa, a venda de celulares ultrapassa a de computadores, que por seu turno supera a de televisores. Um em cada quatro indivíduos encontra-se plugado na internet. Nunca se consumiram doses tão abundantes de notícias, análises, opiniões, nunca o jornalismo repercutiu tanto.
Como os jornais devem se adaptar a essa situação?
No meu entender, o jornal escrevia para o leitor. A marca de mídia terá, contudo, de estar com o consumidor em toda dimensão de sua cidadania informacional. Nos países mais avançados, por exemplo, onde são altos os índices de leitura e de alfabetização digital, o tempo médio diário de um leitor com o jornal na mão é de apenas 22 minutos. Fica, no entanto, com seu computador ligado, em média, durante 8 horas por dia, enquanto seu celular por 16 horas. No Brasil, a situação não é muito diferente. Então os jornais impressos que irão sobreviver terão que seguir numa rota de convergência, tento sua versão impressa em convivência com a digital.
A concorrência é desleal, podemos assim dizer no que se refere à velocidade da internet?
Não é de estranhar que nos Estados Unidos, em 2008, mais pessoas obtiveram suas notícias gratuitamente na internet do que em jornais ou revistas pelas quais tenham pago algum dinheiro. Será que nesse mundo faz algum sentido o lema all the news that’s fit to print (todas as notícias, isso é apto para impressão) do New York Times? Talvez aí esteja a chave para o futuro dos jornais. Deixarão de ser newspapers em mais de um sentido, já que são derrotados ingloriamente na corrida tecnológica da notícia e nos custos econômicos e ambientais do papel. De modo crescente, e irreversível, as notícias, “News”, vão para o digital, para o tempo real gratuito e, onde houver aprofundamento e exclusividade, para um modelo pago e, portanto, economicamente sustentável. E o papel? Os jornais se tornarão journals. 'Diários', a bem dizer, não como algo impresso a cada dia, mas na dimensão quase afetiva do objeto físico onde se depositam, "Querido Diário, hoje eu…", impressões, análises e opiniões sobre aquilo que se vive e viveu. A The Economist, revista das mais influentes do mundo, gosta de se definir como jornal. No limite, a missão – e a chance – dos jornais impressos será rever o quotidiano com os olhos da razão. É isso. Rever. Jornais impressos serão revistas.
Mas os impressos têm um público fiel e, como o senhor disse, passarão por reformas para competir com a internet. Seria assim?
Os jornais impressos têm o seu público cativo que ainda vai resistir muito. O impresso tem que se convencer que não pode competir com a internet. O online é a notícia quente, em tempo real. O papel do impresso passa por uma revisão, talvez se segure nas análises e nas grandes reportagens. Certa vez li um depoimento interessante do humorista Murilo Gun, devorador de jornal, que me impressionou. Veja o que ele disse: “Eu prefiro o jornal impresso porque todo dia que ele chega na minha casa eu me sinto na obrigação de consumir aquele conteúdo. Eu não tenho coragem de pegar um jornal novinho e jogar no lixo. Mesmo que eu não consiga ler naquele dia, eu guardo e leio no dia seguinte. Se eu lesse no tablet, isso não ocorreria. Eu deixaria tranquilamente de ler uns dias sem nenhuma culpa. Além disso tudo, os jornais têm suas utilidades “periféricas”: forrar o chão para pintar a casa ou para o cachorro fazer xixi, recortar letrinhas e fazer uma carta de ameaça com colagens. No dia que eu vir um cara no mercado embrulhando peixe com tablet, aí sim será o fim dos jornais”.
Nenhum comentário:
Postar um comentário
Comentários são publicados somente depois de avaliados por moderador. Aguarde publicação. Agradecemos a sua opinião.