O comentário é de Juan Arias, jornalista, publicado por El País, 19-04-2016.
Houve de tudo, desde jocosidade infantil a cenas surrealistas de mau gosto. E, sobretudo, uma grande pobreza cultural. “E não sabem nem gramática!”, dizia uma poeta desesperada ao ver como os deputados, microfone na mão, erravam declinações e concordâncias. Pareciam estudantes suspensos na sala de aula. E isso, em uma intervenção de poucos segundos.
Era sobretudo o chamado “baixo clero”, cujas caras muitos de nós víamos pela primeira vez. Essa massa de centenas de deputados anônimos que se queixam de “não contar”, já que quem faz e desfaz é o punhado de “cardeais”, dos quais recebem só as migalhas, e quando as mendigam.
Não que às vezes, a julgar pela linguagem descontraída registrada em algumas das conversas gravadas pelo juiz Moro na Lava Jato, o nível literário seja muito mais nobre em certos ilustres membros do Governo.
Talvez essa pobreza cultural e de modos revelada por aqueles que têm em suas mãos os destinos do país seja a causa da baixa estima, que a sociedade demonstra nas pesquisas, pela classe política em geral.
Na farmácia do meu bairro eram interessantes nesta manhã os comentários sobre as motivações dadas pelos deputados para justificar seu voto a favor ou contra o impeachment de Rousseff. “É que são uns inapresentáveis”, dizia uma senhora que estava comprando comprimidos para enxaqueca.
A pergunta que poucos se fazem, porém, é que esses “inapresentáveis” não foram eleitos pelo voto dos anjos ou dos alienígenas, mas da sociedade que tanto reclama deles.
O ocorrido no Congresso, nestes momentos críticos para o Brasil, deveria obrigar os eleitores mais iluminados a exigir uma mudança radical do sistema político, que, como escreveu com perspicácia o senador e catedrático Cristovam Buarque, deveria ser “o primeiro objeto de impeachment”.
De pouco serviria mudar presidentes, ministros ou congressistas se antes não se assentam as bases para revisar todo o mecanismo de eleições para impedir que cheguem ao poder pessoas que não só mal conhecem a gramática, mas também são incapazes de analisar a realidade da sociedade na qual vivem e de dar o exemplo, nem digo de santidade, mas, pelo menos, de decência.
Como costuma recomendar o austero ex-presidente do Uruguai, José Mujica: “Quem deseja enriquecer, por favor, não entre na política”.
Quantos, pelo contrário, lutam para serem eleitos para em seguida triplicar sua renda e desfrutar desse rio de privilégios e impunidades que eles mesmos se concedem, sem que a sociedade, que os alimenta com seus impostos, nada possa fazer para evitar isso?
Que a pitoresca e triste noite congressista do domingo sirva de alarme das mudanças urgentes necessárias na velha política.
Que os brasileiros, nas próximas eleições, sejam capazes de dizer a essa massa de políticos despreparados e corruptos: “Tchau, queridos”.
Fonte: Instituto Humanitas Unisinos
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