domingo, janeiro 03, 2016

"O impeachment é a falência da política"

Joaquim de Arruda Falcão é um dos mais conceituados jurista do Brasil, 

“O que Supremo Tribunal Federal tem feito é sintonizar a sua pauta com o povo. Isso provoca impacto em vários lugares”. A afirmação é do jurista Joaquim de Arruda Falcão Neto, um dos mais conceituados do Brasil, professor de direito constitucional da Fundação Getulio Vargas, mestre em direito pela Universidade de Havard e doutor em educação pela Universidade de Genebra. Em entrevista ao Diario, ele falou sobre as expectativas para 2016, a exemplo do processo de impeachment contra a presidente Dilma Rousseff (PT), e sobre a agenda do STF para o ano que se inicia. Ainda segundo o professor, a pauta conservadora defendida pelo presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), em nada coincide com os temas que podem mudar vidas e estão em discussão na maior corte do país. Colecionador de candelabros dourados e quadros do gravurista e pintor Samico, Joaquim mostra o mesmo entusiasmo ao ver o fortalecimento do Poder Judiciário no Brasil. Entende que a Justiça é um direito básico do ser humano e está cada vez mais acessível à população. O jurista falou com a experiência de quem lançou, recentemente, o livro Supremo, que traz 70 artigos publicados na imprensa de 1992 a 2014. Joaquim de Arruda também é autor de outros livros, a exemplo de Democracia, Direito e Terceiro Setor e A favor da Democracia. Veja os principais trechos da entrevista abaixo.

O Supremo está ficando até mais próximo da população, ganhando muita visibilidade… Isso é salutar?

É salutar e inevitável por três motivos. Primeiro, porque a gente está vivendo uma democracia com liberdade de expressão, liberdade de imprensa e liberdade de mídia. Então, a democracia faz com que as pessoas se interessem. O segundo ponto é o grande desenvolvimento das mídias sociais, você está participando… O Brasil hoje já tem mais celulares do que pessoas… Então, um dos resultados da conectividade é que as pessoas querem falar sobre a Justiça. Tanto quanto a saúde como a paz e a educação, a Justiça se transformou num bem de primeira necessidade. O terceiro ponto é a TV Justiça, que é fonte visível e palpável para os jornais, para as mídias sociais e para as próprias redes de televisão.

O que, na sua avaliação, vai marcar o Judiciário em 2016?

2015 foi o ano do Teori Zavaski, que foi um grande ministro. Ele é um ministro extremamente profissional. E eu costumo dizer que 2015 foi do Teori, “o invisível”, porque você não vê ele dando declarações na mídia, mas você vê ele fazendo o trabalho dele com coragem, determinação e isenção. Ele passou a ser um exemplo, um modelo de juiz. Receavam que, pelo fato de ele
ter sido indicado por Dilma, ele ia ser um ministro do governo, mas não aconteceu isso. O ano de 2015 foi o ano de Teori, o invisível, mas presente. As decisões dele afetaram a nós todos. E tem um fator importante que é o seguinte: ele acreditava, no passado, que o Supremo discordava sempre da primeira instância, mas o que estamos vendo na Lava-Jato é que o Teori confirmou mais de 90% das decisões de Curitiba. Já o ano de 2016 vai ser o ano de uma mulher, vai ser o ano da Cármen Lúcia (vice-presidente do STF). Ela faz parte desse grupo de ministros de alta qualificação técnica, independente politicamente e sintonizada com as questões da cidadania, do povo. Em novembro, ela disse uma frase que revela bem o que vai fazer: “o crime não vencerá a Justiça”, disse. Um estudo da Maria Tereza Sadek (cientista política) mostrava a ascensão da
mulher no Judiciário e ela mostra, nos dados, que as juízas são mais críticas e mais determinadas que os juizes, então, isso vai mudar a Justiça. Pela disposição que as mulheres já revelam.

Qual o desafio do Judiciário, diante da crise política?

O Brasil está numa grande crise política, mas não está numa crise judiciária. Nunca as instituições da Justiça funcionaram tão bem. Você tem a primeira instância com Sérgio Moro, tem a independência da Polícia Federal e do Ministério Público. Eles construíram um grupo de trabalho que tem uma eficiência muito grande e faz com que as denúncias sejam baseadas em fatos
provados. Depois, você tem o Supremo também funcionando. Então, a crise é do Legislativo e do Executivo. Qual é o desafio do Judiciário? É ele ser mais eficiente e o povo ter mais acesso à Justiça. A demora, a lentidão, os recursos excessivos são problemas, mas, se o Judiciário conseguir ser eficiente, ele será mais legítimo. A população não se queixa da Justiça que está sendo praticada, mas se queixa de como a Justiça está sendo praticada.

O senhor é um grande defensor da revisão da Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman)… O senhor chegou a ficar decepcionado com a divulgação da minuta do anteprojeto, cujo texto chamou mais atenção pelos privilégios concedidos aos juizes?

A Loman é uma lei fundamental porque determina os direitos e deveres dos juizes do ponto de vista da administração da Justiça. É uma lei que estabelece, por exemplo, os princípios éticos, de como o juiz precisa se comportar na sua vida pública e privada. Os ministros Gilmar Mendes, Joaquim Barbosa, Ayres Britto e agora o Ricardo Lewandowski tentaram revisar essa lei, que precisa ser atualizada… Mas essa lei vai ser um tema de grande discussão nacional, assim como você discute saúde, educação, emprego, você vai discutir a Justiça, porque essa lei interessa a todos. Todos esses ministros tinham compromisso inicial de fazer uma nova Loman, mas são tantos interesses envolvidos que dificilmente eles conseguem um projeto de lei que saia do próprio Supremo. Eu desconfio que não é um bom momento para o Judiciário enviar essa proposta para o Legislativo, porque a relação entre os poderes está muito tensa e acirrada.

O Eduardo Cunha deu sinal verde para várias pautas conservadoras, como diminuição da maioridade penal, revisão do Estatuto do Desarmamento, retrocesso nos direitos dos homossexuais. O STF vai ter que analisar essas decisões ou não?

O STF só interfere quando é provocado. O que tem ocorrido é que aumentou o número de partes que são legítimas para entrar com uma ação no Judiciário. Então, provavelmente, essas questões vão bater à porta do Judiciário, sim. Como já bateram a questão da marcha da maconha, a descriminalização das drogas, a pesquisa com células-tronco embrionárias… Este ano, o STF também vai discutir uma proposta que institui o parlamentarismo no Brasil, o direito dos transexuais, o marco regulatório da TV por assinatura, a regulamentação das vaquejadas, a questão discriminalização das drogas, o uso de depósitos judiciais para pagar despesas do Executivo, que ao meu ver, isso é inconstitucional. Outra questão importante é a da privacidade.

Como você pode manter o conceito de privacidade com epidemias? Você pode guardar os dados médicos para você numa epidemia?

Se eu tenho uma doença contagiosa, essa informação não pode ser privada, é de saúde pública. Então, essa questão de privacidade vai mudar. Tenho que saber como apareceu essa doença nessa pessoa. Para este ano, há pautas de muito interesse público. Eu vejo que a pauta de Eduardo Cunha não é a pauta do Supremo.

Qual a decisão do STF que mais pode interferir nas nossas vidas?

O que o Supremo tem feito é sintonizar a sua pauta com a pauta do povo e você vai ter impactos em vários lugares. Não creio que exista uma decisão só, mas acredito que o mais importante é o processo da Lava-Jato.

Por quê? Quais são os assuntos que interferem na nossa vida?

Emprego, educação, saúde, violência e corrupção. Qualquer pesquisa de opinião diz que esses são os cinco problemas, mas nenhum desses problemas está na pauta do Supremo como está a corrupção. Existe também uma decisão para este ano importante na área de saúde para saber se é legal que juizes mandem os hospitais fornecerem tratamentos não autorizados pela Anvisa. Então, o que vocês têm são juízes e magistrados interferindo em nome dos direitos fundamentais, na questão da saúde, na questão de violência vinculada à criminalização das drogas e na questão da corrupção. A corrupção é um ataque ao mercado, porque privilegia de forma injusta e desleal determinados grupos econômicos. Mas a corrupção não é apenas um problema do Brasil. Esta semana, um ex-primeiro ministro de Israel (Ehud Olmert.) foi preso por corrupção. A filha do rei da Espanha, Juan Carlos, também já foi indiciada por corrupção, então a corrupção é como o mal do século.

Na questão do senador Delcídio do Amaral (PT), o senhor acha que a decisão do STF foi acertada?


Sim. O grande impacto do Supremo foi mostrar que banqueiros, grandes empresários, políticos e ministros podem ser presos se cometerem ilícitos provados. Nós não tínhamos essa experiência.

Qual é a grande novidade da Lava-Jato?

É o fato de… o dinheiro que entrou na conta A foi para a conta B
e está agora sob a responsabilidade do senador tal, do ministro tal… a Justiça tem evidências de fatos ilegais. Essa é a grande novidade, menos doutrina e mais fatos.

Tem como fazer um paralelo da atuação do STF, na época do Collor, com a época atual?


Eu espero que o Supremo siga a orientação básica.

E qual é a orientação básica?

Ele não vai dizer se houve crime ou se não houve crime. Isso é matéria do Congresso, que é um julgamento político. Não é competência do Supremo dizer se houve pedalada e fraude para fins de impeachment. O Supremo não disse se Collor tinha comprado o Fiat Elba, por exemplo. O Supremo é o vigia para que as decisões sejam dentro de um rito constitucional. Dentro desse rito, se orem respeitados as receitas, quem decide é o Congresso. Não se apressem. Cada passo pode sinalizar para a esquerda ou para a direita, mas eu acho que, antes de abril ou maio, você não vai ter decisão alguma. Vai ter uma espécie de montanha-russa constitucional. O país não está parado por causa do Supremo. O país está parado por causa dos partidos políticos. O impeachment é a falência da política como negociação, é a falência dos partidos políticos.

Nos últimos anos, houve um vácuo de nomes na política e magistrados ficaram muito em visibilidade, como Joaquim Barbosa, que chegou a ser cogitado como candidato, e Sérgio Moro… Isso é um bom caminho?

Eu acho que nenhum juiz deve se candidatar a cargos eletivos. Isso afetaria muito a imparcialidade, que é um dever do magistrado e direito da cidadania. A imparcialidade do juiz é indispensável. Se eu sei que o juiz está ali e pode se candidatar a presidente, a governador, a prefeito, fico com um pé atrás sobre a imparcialidade. Tem que ter líderes do Judiciário para a vida inteira. Agora, a cadeira de líder da oposição está vaga.

Por: Aline Moura - Diario de Pernambuco

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