A reportagem é de Andrea Gagliarducci, publicada por Monday Vatican, 02-10-2015. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Matteo Zuppi já era bispo, atuando como auxiliar de Roma para a área central. Membro do movimento de Sant’Egidio, trabalhou como vigário paroquial e, em seguida, como pároco na Santa Maria em Trastevere por mais de 20 anos. Depois, foi transferido para a paróquia de San Giuda Taddeo na periferia de Roma, e após isso foi nomeado bispo auxiliar. O seu perfil é o de um “pastor com o cheiro de ovelha”, aquele de que o Papa Francisco gosta, mas ele também é esperto o suficiente para manter boas relações com a “intelligentsia”.
Assim que a sua nomeação tornou-se pública, ele enviou uma carta à Arquidiocese de Bolonha. Na carta, mencionava o bispo recentemente beatificado Oscar Arnulfo Romero, assassinado em 1981 por um esquadrão da morte enquanto rezava uma missa. Apesar de não ter sido um teólogo da libertação, e na verdade era um tanto conservador em suas opiniões, Dom Romero meio que se transformou num ícone da esquerda secular. A Comunidade de Sant’Egidio havia trabalhado incessantemente pela sua beatificação, e o Postulador da causa foi Dom Vincenzo Paglia, presidente do Pontifício Conselho para a Família e membro desta comunidade.
O Pe. Corrado Lorefice tem uma história diferente. Ele é um pároco de Modica, na diocese siciliana de Noto. Tem sido caracterizado como um “padre antimáfia”, muito ativo na rede, por assim dizer, antimáfia chamada “Libera”, fundada e coordenada pelo Pe. Luigi Ciotti. Assim que a notícia de sua nomeação surgiu, tinha-se que esta sua experiência com a “Libera” desempenhara um papel importante para a sua escolha. O Papa Francisco já não mostrou uma profunda atenção à questão da máfia? Ele não falou abertamente contra esta organização, condenando os membros dela durante a sua visita a Calábria? Não participou ele da vigília pelas vítimas de todas as diferentes “máfias”, durante a qual o Pe. Ciotti ficou ao sentado ao seu lado?
Mas o Pe. Lorefice não é um sacerdote antimafioso. Ele tem um perfil diferente. Desenvolveu um interesse na “Igreja pobre para os pobres”, o que resultou num livro sobre o Cardeal Giacomo Lercaro, arcebispo de Bolonha durante o Concílio Vaticano II. Ele vem desenvolvendo atividades honestas como pároco. No entanto, nenhum apontamento ocorre ao acaso, e ele também tem os seus “padrinhos”. Segundo algumas fontes, estes “padrinhos” devem ser encontrados dentro da antiga equipe de funcionários da Prefeitura da Casa Pontifícia, os mesmos “padrinhos” que patrocinaram a ascensão de um outro pároco da Diocese de Noto, Rosario Gisana, recentemente nomeado bispo da diocese siciliana de Piazza Armerina.
Ver em retrospectiva a equipe de funcionárias da velha guarda da Casa Pontifícia também significa voltar ao escândalo do Vatileaks de 2012. Este escândalo rompeu-se quando alguns dos membros mais influentes da Casa Pontifícia se aposentaram ou foram transferidos. Estes indivíduos – com toda a rede de trabalho que tinham, a ser mais propriamente encontrada no ambiente diplomático do Vaticano na década de 1990 – ganharam, agora, novamente certa influência sob o comando do Papa Francisco.
De sua parte, o Papa Francisco mantém-se avante em suas reformas. Uma reforma da Cúria Romana foi repetidamente lembrada durante os encontros pré-conclave dos cardeais antes da eleição do Papa Francisco, e é por este motivo que ela forma parte da pauta do Santo Padre. Mas a reforma nos perfis dos bispos é, de fato, toda de Francisco.
Antes, os bispos com alto calibre intelectual eram escolhidos para administrar arquidioceses importantes como as de Bolonha e Palermo. Eles tinham de ser bispos capazes de fornecer uma visão, enquanto que os bispos auxiliares, os párocos e os leigos eram chamados para pôr em prática as diretrizes do bispo.
O Cardeal Giacomo Biffi, falecido recentemente, havia atuado durante anos como arcebispo de Bolonha. Ele encarnava a noção de uma Igreja com um ponto de vista teológico aberto e, ao mesmo tempo, conservador. Depois dele, Bolonha foi governada pelo Cardeal Carlo Caffarra, que seguiu as pegadas do Cardeal Biffi. Os discursos do Cardeal Caffarra durante o Sínodo de 2014 se saíram vencedores. O Cardeal Caffarra também contribuiu para o livro “Eleven Cardinals Speak”, que tentavaou demonstrar haver um caminho pastoral para a vida familiar sem se diluir a doutrina.
O ex-arcebispo de Palermo era o Cardeal Paolo Romeo, prelado escolhido por Bento XVI entre os membros da velha guarda dos diplomatas que resistiu ao pontificado de Ratzinger. Apesar do fato de que este fizera parte daquele círculo, o Papa Bento também o chamou para suceder o Cardeal Salvatore De Giorgi, homem profundamente espiritual. O Papa Bento também possuía uma grande consideração pelo Cardeal De Giorgi. Tanto que ele fora nomeado membro da comissão de três cardeais que Bento XVI convocou para investigar o escândalo do Vatileaks.
Para estas arquidioceses, o Papa Francisco fez uma espécie diferente de escolha, posto quer ele crê que o bispo deve, sobretudo, ser um pastor. Antes de governar, o bispo deve se pôr no meio ao povo. Mais do que um médico, o bispo é chamado a ser um enfermeiro, tal como se precisam dos enfermeiros no “hospital de campanha” da Igreja, conforme ele, o papa, tem falado.
Francisco já mostrou a sua preferência geral em escolher como bispo o candidato último da lista de três que lhe é dada. Ele escolheu Dom Nunzio Galantino como secretário geral para a Conferência Episcopal Italianos, ainda que este havia recebido somente dois votos dos seus companheiros bispos em uma consulta interna. Padre Lorefice era o último no conjunto de três candidatos a, eventualmente, ser nomeado bispo auxiliar de Palermo. O Papa chegou a até mesmo escolher um pároco, o Pe. Claudio Cipolla, para conduzir a Diocese de Pádua.
O papa também demonstrou estar muito atento ao fato de que, às vezes, é preciso tomar decisões políticas, e este é o motivo por que as nomeações dos arcebispos de Colonha e Madri podem ser consideradas em continuidade com as escolhas dos pontificados anteriores. Mas, por outro lado, ele também escolheu Heiner Koch como arcebispo de Berlim. Na realidade, os critérios do Papa Francisco para a escolha dos novos bispos vêm variando no curso destes anos, mas sempre se consegue identificar uma característica comum por trás deles: todos as nomeações visam apoiar aqueles com um estilo de vida humilde e que são considerados “sacerdotes das ruas”, com o objetivo de suprir a Igreja com pastores de verdade.
Há também um outro critério: estas nomeações são consideradas por Francisco como um tipo de antídoto ao carreirismo. E isso leva a um novo conceito de assentos cardinalícios.
Com este papa, não existem mais sés cardinalícias. A nomeação a uma arquidiocese grande e importante não mais significa o ápice de uma longa carreira. Para este papa, não existem dioceses “Classe A” e dioceses “Classe B”, e as suas escolhas nos consistórios de 2014 e 2015 mostram isso.
Por outro lado ainda, houve uma razão por que certas dioceses importantes se tornaram assentos cardinalícios. Aquelas que assim se tornaram estavam no topo do “cursus honorum” dos bispos, que foram primeiramente chamados a aprender a administrar uma diocese num ambiente “mais fácil” e menor, e então, passo a passo, lhes foi confiado administrar uma diocese mais desafiadora. A lógica por trás deste procedimento é a do crescimento contínuo àqueles identificados como capazes de serem bem-sucedidos numa longa carreira como bispos e, eventualmente, como cardeais.
Vejamos o novo critério do Papa Francisco – um pouco aleatório – que permite que todo mundo esteja sob os holofotes. O “novo sacerdote” não é o sacerdote que é fiel à Igreja a que a serve de maneira oculta com fidelidade e obediência. Em vez disso, é o sacerdote que mostra certa descontinuidade com a instituição, aquele que é capaz de demonstrar suas qualidades e promover-se. O novo sacerdote não é o sacerdote que busca por respostas a importantes perguntas, mas aquele que encontrou um caminho em torno das pequenas dificuldades diárias existentes no ministério, mesmo se, ao agir desse modo, acabe demonstrando certo desafeto pela instituição. Em lugar de escolher servir a instituição dentro da instituição, o novo sacerdote é, frequentemente, percebido como ficando do lado de fora da instituição e sendo altamente crítico a ela.
Esta nova imagem do sacerdote está em harmonia com a noção do Papa Francisco de uma Igreja chamada a “hacer lìo”, frase usada em Buenos Aires e que significa “fazer barulho”, “criar confusão”.
No espírito de “hacer lìo”, os rumores concernentes a uma espécie de reforma do Vicariato de Roma vêm se difundindo. O atual vigário, o Cardeal Agostino Vallini, pessoa muito próxima do Papa Francisco, irá em breve deixar o seu cargo, já que está além da idade de aposentadora, que é de 75 anos. Quem será o seu sucessor? Existem muitas possibilidades.
Uma possibilidade é uma escolha de continuidade: Dom Marcello Semeraro (de Albano), secretário do Conselho dos Cardeais, substituindo o Cardeal Vallini.
A segunda possibilidade é que o novo vigário seja o Pe. Angelo De Donatis. O Papa Francisco o chamou para pregar num retiro da Cúria em 2014. No dia 14 de setembro deste ano, o Pe. De Donatis foi nomeado bispo auxiliar de Roma para o acompanhamento espiritual dos sacerdotes. Ele será ordenado bispo na Basílica de São João de Latrão pelo próprio papa em 9 de novembro, dia da Festa da Dedicação da Basílica de Latrão. Haverá um dia mais apropriado para anunciar uma nova nomeação?
Se De Donatis for escolhido, ele poderá não ser nomeado como Vigário de Roma, mas somente como “Gerente” (administrador) da diocese, posto que um “vicegerente” já existe e que atua como vigário n. 2. Ele então seria um bispo, e não um cardeal. Desse modo, a reforma do vicariato funcionaria assim: o papa enfatiza o seu papel como Bispo de Roma e, pessoalmente, assume o governo da diocese. Há um indício que sustenta esta hipótese e que ninguém, até agora, afirmou ainda: o papa nomeou sete bispos auxiliares para Roma. Este é um número muito grande, até mesmo para Roma.
A última opção é que o novo vigário-geral para Roma vai ser Dom Angelo Becciu, atualmente trabalhando na Secretaria do Estado do Vaticano, e assim De Donatis poderia ser nomeado “vicegerente”. Assim também, a Secretaria de Estado estará sendo administrada somente por autoridades nomeadas pelo Papa Francisco. Há rumores de que o novo representante da Secretaria de Estado vai ser Dom Tommaso Caputo, quem já trabalhou como chefe do protocolo na Secretaria de Estado antes de ser nomeado Núncio Apostólico para Malta e, em seguida, arcebispo de Pompeii.
No entanto, as possíveis transferências para dentro e fora da Secretaria de Estado são de interesse particular do Cardeal Pietro Parolin, secretário de Estado. Ele está ciente de que se precisa de um quadro referencial jurídico e documental para levar a cabo a máquina curial. Ele emitiu instruções para o congelamento de contratações dentro dos muros do Vaticano. Este congelamento nas contratações possui as suas exceções. Os novos dicastérios econômicos, por exemplo, precisam de pessoal qualificado – e aqui eles podem ser contratados.
O Cardeal Parolin também provavelmente apoiou a carta ao papa que reafirma o status quo da Cúria Romana. Na medida em que a Cúria passa por um processo de reforma, o papa quis esclarecer que inexiste uma “vacatio legis” (ausência da lei) e que o trabalho na Cúria deve ser conduzido como normalmente é feito. Este documento foi publicado na quarta-feira passada de forma improvisada. Alguns disseram que o seu texto se dirigia sutilmente à Secretaria para a Economia, chefiada pelo Cardeal Pell, o único dicastério que recentemente contratou pessoal. No entanto, esta Secretaria desfruta de uma autonomia orçamentária e também tem a autorização para pagar salários ad hoc. Esta autonomia econômica foi aprovada pelo Papa Francisco.
A nomeação de Dom Becciu como Vigário de Roma seria apoiada por grande parte da Cúria em torno do papa, mais do que pelo próprio pontífice. Agora parece evidente que uma reforma curial, do ponto de vista organizacional, é de grande interesse da velha guarda romana. Eles pressionaram por uma reforma nos encontros pré-conclave. Eles também elaboraram uma proposta de reforma em 2005, quando João Paulo II estava vivendo os seus últimos meses.
A proposta de reforma foi elaborada pelo Cardeal Nicora. Ela incluía a instituição de um conselho de 10 cardeais em torno da Secretaria de Estado, enquanto a Secretaria de Estado deveria manter somente o escritório diplomático. De acordo com a proposta elaborada, todos os conselhos pontifícios seriam absorvidos pelas congregações da cúria, e os chefes das congregações, juntamente com outros cardeais, seriam parte de uma espécie de comissão ampliada para a gestão da Igreja. Posteriormente, planejou-se que esta comissão assumiria as funções da primeira seção da Secretaria de Estado. A proposta de Nicora também previa uma reforma mais ampla das universidades pontifícias, que seriam reagrupadas sob um único nível (presumivelmente, a Pontifícia Universidade de Latrão).
As propostas presentes nesta elaboração ressoaram em muitas das decisões do Papa Francisco e nas propostas do Conselho dos Cardeais. Na verdade, os principais personagens daquele período na Igreja – a transição de João Paulo II a Bento XVI e a resistência ao pontificado de Bento XVI por uma gangue de diplomatas – estão de volta. Hoje, há o risco de uma reforma do Vatileaks.
A publicação vindoura de um novo livro com vazamentos e gravações (roubadas por quem?) pode ser a antecipação de uma nova temporada do Vatileaks. A estratégia será sempre a mesma: supostamente apoiando o projeto de reforma do papa no intuito de desacreditar a Igreja. O primeiro escândalo do Vatileaks tentou fazer isso com Bento, e o novo escândalo fará o mesmo com Francisco.
O Papa Francisco não parece se importar. Ele disse desejar uma reforma dos corações, com isso querendo dizer que quer mudar o estilo pastoral da Igreja. Por este motivo, o documento que irá concluir o Sínodo deverá ser publicado em breve, conforme disse Parolin. Talvez ele seja uma exortação pós-sinodal. Um rumor que está circulando é que o papa pensa em escrever uma nova encíclica sobre a família, uma espécie de “atualização pastoral” da Humanae Vitae, deP aulo VI.
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