A francesa Simone de Beauvoir (1908-1986), foi escritora, intelectual, filósofa existencialista, ativista política, feminista e teórica social.
Os vereadores de Campinas, no interior de São Paulo, aprovaram, na última quarta-feira (28), uma moção "contra a inserção de questão de temática de ideologia de gênero, por meio de pensamento de Simone de Beauvoir, na prova do Enem de 2015". No plenário, vários vereadores fizeram discursos inflamados e com forte carga. O vídeo, com as declarações, chegou a viralizar nas redes sociais.
Os parlamentares se revoltaram contra uma questão do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) que trazia a seguinte afirmação da escritora e filósofa feminista Simone de Beauvoir, publicada no livro O Segundo Sexo, de 1949: "A gente não nasce, mas se torna mulher."
Se para o ministro da Educação, Aloísio Mercadante, a questão tratou de discutir "a condição histórica da mulher, que não votava até os anos 30 e que era tida como um ser ligeiramente acima de crianças e de loucos", para os vereadores campineiros foi uma pergunta doutrinadora que afrontou a família e os bons costumes.
Para o autor da moção, o vereador Campos Filho (DEM), o governo federal tenta forçar algo que a sociedade repudia.
"A iniciativa do governo federal é demoníaca. Eles estão querendo empurrar goela abaixo da população o que está no Enem. Nos posicionamos de maneira contrária. A grande maioria é favorável à lei da natureza: homem é homem e mulher é mulher", afirmou.
Para o vereador Prof. Alberto (PR), é preciso levar a população cristã em consideração. "Isso é uma ideologia. A realidade é que você nasce mulher, sim. Agora, vem com essa história e acha que tem que impor na sociedade brasileira, sabendo que nossa sociedade tem tradição cristã. Foi fundada na insígnia da cruz", disse, em plenário.
O vereador Jairson Canário (SD) também evocou a religião ao criticar a questão do Enem. "Nosso Deus sabe de tudo, do princípio ao fim. Aqueles que acreditam que Deus existe, deveriam crer que se fosse essa a vontade de Deus, ele teria criado Adão com dois órgãos genitais", bradou aos colegas parlamentares.
Em entrevista ao UOL Educação, Canário mudou o tom. Segundo ele, a discussão na Câmara tomou outro rumo, influenciada pela ainda recente questão da inclusão da chamada "ideologia de gênero" no Plano Municipal de Educação.
Em junho, a Câmara de Campinas proibiu o Executivo de incluir o tema das discussões de gênero, de maneira direta ou indireta, no currículo escolar da rede municipal. Em votação com o plenário lotado de ativistas e estudantes, muito bate-boca e confusão, por 25 a 5 votos a emenda foi aprovada.
"O debate sobre a moção descambou por causa de um processo anterior. Todo mundo largou a moção e correu para o debate da questão de gênero", disse Canário. "Eu fui criado sem pai e dou muito valor à questão da mulher. Eu já até falei que minha mãe é uma heroína. A mulher precisa estar presente sempre", completou.
Já o vereador Prof. Alberto, também em entrevista ao UOL Educação, se manteve firme à sua posição no plenário da Câmara.
"Saiu uma questão no Enem que suscita uma questão sobre gênero. A questão afirma que a mulher não nasce mulher. Os partidos de esquerda são favoráveis a favor dessa temática", disse, politizando toda a questão.
Quando confrontado sobre a questão do feminismo, o vereador afirmou não defendê-lo como ideologia por ser cristão. "Somos contra o aborto, uma bandeira feminista. E outras questões, não aceitamos. Mas, sem dúvidas, estamos de acordo de que a mulher tem de ter os mesmos privilégios."
Oposição
Para o vereador Pedro Tourinho (PT), que foi contra a moção, há, antes de tudo, uma intenção de seus pares em mostrar o posicionamento político ao ir contra o Enem. "Há uma maioria na Câmara que mistura sua posição política com a educação. Na moção, havia um desconhecimento. Os votos foram feitos nas crenças e nos preconceitos", afirmou.
Tourinho considera a questão do Enem importante para se pensar a sociedade. "A pergunta testa o conhecimento básico de história do século 20. A misoginia dos vereadores é tão forte que a simples menção de uma figura forte do feminismo, como Simone de Beauvoir, causa um desejo de fazer um repúdio."
Opinião parecida tem a advogada campineira Ana Carolina Cavazza. Moradora de Campinas, ela ficou constrangida com o desconhecimento mostrado pelos vereadores da cidade.
"A questão pediu para que os candidatos fizessem a associação entre o pensamento de uma filósofa com um fato social. Para esses senhores, não se pode perguntar ou debater a ideia de uma filósofa que tem um pensamento diferente do deles", afirmou. "Os vereadores voltaram a protagonizar um papel absurdo associando s questões com uma suposta ideologia de gênero, que é uma coisa que não existe", completou.
A reportagem do UOL Educação tentou entrar em contato com o vereador Campos Filho por celular, mas não conseguiu resposta do parlamentar.
UOL Educação
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