A tuberculose é principalmente um problema social: está relacionada com a extrema pobreza e se dissemina com mais facilidade em grandes aglomerações de pessoas, nas quais a luz é escassa e o ar mal circula.
A reportagem é de Felipe Betim, publicada por El País, 12-09-2015.
"Temos um elevado número de casos porque temos uma população de 200 milhões de pessoas. Se analisamos apenas a taxa de incidência estamos no 111º lugar em todo mundo, onde a média é de 120 casos por 100.000 habitantes", pondera o coordenador geral do Programa Nacional de Controle da Tuberculose, Draurio Barreira (Rio de Janeiro, 1961). Apesar dessa constatação, Barreira sabe que a situação no país ainda é grave. "Nossa maior dificuldade é que temos uma epidemia concentrada em determinadas populações extremamente vulneráveis, tanto do ponto de vista social como biológico", explica o médico sanitarista formado pela Universidade Federal Fluminense (UFF), com especialização e pós-graduação em Saúde Coletiva e Epidemiologia pelas universidades do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Sul da Flórida/EUA (USF).
A tuberculose é principalmente um problema social: está relacionada com a extrema pobreza e se dissemina com mais facilidade em grandes aglomerações de pessoas, nas quais a luz é escassa e o ar mal circula. Tendo esses fatores em vista, o programa identifica quatro populações mais vulneráveis no Brasil. Os moradores de rua lideram essa lista: possuem um risco 32 vezes maior de contrair a doença que a população geral. Logo depois está a população carcerária, com um risco 29 vezes maior. "No presídio de Bangu, por exemplo, já nos deparamos com taxas de 2.000 casos por 100.000 habitantes. Temos os piores indicadores de tuberculose, além de hepatites, DST, entre outros. Há condições insalubres de habitação, uma densidade demográfica escandalosa e uma transmissão maior porque não há mecanismos de prevenção".
Já entre os infectados pelo HIV, o risco de contrair a tuberculose é 28 vezes maior. Por isso é recomendado que todo o paciente com a doença faça o teste do HIV. Segundo Barreira, 71% dos pacientes de tuberculose fazem o teste; 10,1% deles de fato dão positivo no teste do HIV. Ambas estão muito relacionadas porque quando o paciente tem HIV sua imunidade fica mais baixa, o que facilita o contágio da tuberculose.
E por fim está a população indígena, que em geral vive em uma situação de pobreza e tem um risco três vezes maior de contrair a doença. "Há outros grupos que acrescentamos: a população negra ou parda, que em geral vive em uma situação social pior, corre duas vezes mais o risco de pegar tuberculose do que um branco. E também os que estão em condição de pobreza e pobreza extrema e geralmente vivem em favelas. Nesse caso, o risco varia de acordo com o local onde vivem. Há casos no Rio de Janeiro com incidência de 600 casos por 100.000, 20 vezes mais do que a média nacional. São especificidades locais, muito diferentes da média".
Apesar de o Brasil ter conseguido diminuir os índices nos últimos 10 anos —em 2004 eram 77.694 infectados, uma taxa de 43,4 casos por 100.000 habitantes— e de ter reduzido a taxa de mortalidade em 25%, não houve avanço dentro desses grupos vulneráveis. Eles são hoje o foco de atenção do programa nacional, que ainda prioriza o diagnóstico e o tratamento dessas populações, como admite Barreira. Ele explica, além disso, que os dados são relativamente recentes: os presídios passaram a ser monitorados a partir de 2007; já moradores de rua passaram a ser analisados apenas neste ano.
"Esgotamos o modelo biomédico de atenção à tuberculose. Chegamos ao ponto de, só trabalhando com diagnóstico e tratamento, conseguir controlar e manter uma queda muito discreta. Concordamos que há uma epidemia concentrada e passamos a enfrentar especialmente a tuberculose nas populações mais vulneráveis. Trabalhamos muito com a perspectiva intersetorial, trabalhando com presídios, secretarias de Estado, ministérios...", explica Barreira. "Se a gente for esperar que as pessoas cheguem nas unidades de saúde nunca vamos conseguir realmente eliminar a tuberculose como problema de saúde publica".
Estratégia nacional e global
Uma das maiores "fortalezas" da estratégia nacional de combate à tuberculose, de acordo com Barreira, é o fato de o medicamento ser distribuído apenas pelo Governo Federal, como é feito com os do HIV. Os antibióticos são submetidos a um rígido controle de qualidade pela própria OMS. Como o diagnóstico e o tratamento é todo público, não há a interferência do setor privado, ainda que seja possível que um profissional deste setor acompanhe o paciente se ele assim desejar.
A partir do final deste ano, o Brasil vai se inserir em uma estratégia global que pretende eliminar a tuberculose até 2050, segundo Barreira. Nesse caso, já não se trata apenas de focar no diagnóstico e no tratamento —um dos pilares dessa nova fase—, mas principalmente trabalhar na prevenção. Nesse sentido, entram outros dois pilares: o de proteção social e o de inovação e pesquisa. Com relação a este último, a perspectiva para dentro de 10 anos é que haja novas vacinas, que não sejam apenas preventivas, mas que tratem e curem o paciente com tuberculose. "São 14 vacinas em desenvolvimento. Dessas, duas são terapêuticas. Se uma vingar, vamos ter uma ferramenta preciosa para eliminar a tuberculose".
Com relação ao pilar da proteção social, Barreira cita os estudos internos feitos pelo programa para analisar a eficácia dos programas sociais no combate a tuberculose. "Por exemplo, se pegamos pessoas da mesma condição social, cor, idade, sexo, todas as variáveis possíveis, e comparamos quem recebe o Bolsa Família e quem não recebe, a cura é maior entre os que recebem o benefício. Isso porque se alimentam melhor, investem mais em uma melhor condição de vida", conta. O mesmo acontece com os beneficiários do Minha Casa, Minha Vida, que acabam deixando áreas de maior incidência da doença.
Fonte: IHU Online.
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