A reportagem é de Lígia Formenti, publicada pelo O Estado de S. Paulo, 02-08-2015.
“A maior parte das doenças não mata, mas afeta de forma significativa a produtividade. Países já entenderam que a criança não tratada vai faltar à escola, tem mais riscos de anemia, seu rendimento escolar será prejudicado e, em consequência, será um adulto com formação pior”, diz Márcia de Souza Lima, uma das autoras do relatório da OMS.
A professora Nádia dos Santos, da Escola Municipal Araceles Correa, em São Cristóvão, na região metropolitana de Aracaju, confirma as observações. Não raro, diz, alunos desmaiam nas aulas. “Uns dizem que é virose, outros, falta de café da manhã. Não sabemos de fato o que acontece.” Uma coisa, porém, é comum: além dos desmaios, estudantes se queixam de dores de barriga e enjoos, sintomas frequentes de esquistossomose e outras verminoses.
É em busca de pacientes com esquistossomose, a “doença do caramujo”, que o agente de controle de endemiasWillamis Carmo percorre diariamente as ruas da empobrecida São Cristóvão. De casa em casa, tenta convencer moradores a fazer exames. Coleta o material, retornando com o resultado, e, em casos positivos, já com o remédio. “Faço isso há 20 anos, mas nada muda. Trato hoje, e amanhã a doença retorna.”
Entraves. A dificuldade para romper o ciclo de doença e pobreza se repete em outros cantos. As sete DTNs são consideradas endêmicas no País – comuns em áreas pobres, não despertam o interesse da indústria farmacêutica para desenvolvimento de vacinas, medicamentos e testes.
Diretora de Programas e Operações da Rede Global para DTNs, Márcia afirma que, embora essas doenças afetem uma em cada seis pessoas no mundo, há desafios para o diagnóstico. “Quando comecei a trabalhar, vi muita gente com tracoma e não mediquei. Não sabia reconhecer a doença. É preciso ensinar a comunidade médica a reconhecer os problemas.”
O relatório da OMS avalia que, embora seja necessário redobrar os esforços, passos importantes foram dados nos últimos três anos, quando uma parceria público-privada foi formada para tentar reduzir as DTNs no mundo. Hoje, 43% da população em situação de risco recebe tratamento para pelo menos uma das doenças, porcentual maior do que o de 2008 (35%).
São Cristóvão – quarta cidade mais antiga do Brasil, que já foi capital de Sergipe – tem altos índices de esquistossomose. Dos exames feitos ali, ao menos 25% são positivos – marca que justifica tratamento em massa. ParaCarmo, o porcentual poderia ser maior. “Não testamos todos, não há como fazer análise. Se coleto mais de 50 amostras por semana, sou criticado pelo pessoal do laboratório.”
Coordenadora de vigilância epidemiológica da cidade, Flávia Moreira sabe das dificuldades. Ela espera ansiosa o início de um programa do Ministério da Saúde para diagnóstico e tratamento em massa entre estudantes de 5 a 14 anos. A promessa é que a cidade receberá verba para campanha de esclarecimento e diagnósticos.
O município apresenta ainda altos índices de hanseníase e leishmaniose, doenças negligenciadas endêmicas e alvo de um programa do governo. Neste ano, serão 2.263 municípios atendidos. No relatório, a OMS elogiou o Brasil pela iniciativa de testar e tratar de forma integrada hanseníase, esquistossomose, verminoses e tracoma.
Saneamento. Embora entusiasmada com a chegada de recursos extras, Flávia se diz pouco esperançosa. Ela lembra que é preciso adotar medidas para acabar com agentes transmissores da doença: coleta adequada de lixo previne a leishmaniose; água e esgoto tratados são essenciais para evitar a proliferação dos caramujos.
Moradores de uma casa encravada entre dois córregos, Maria Nair de Jesus, de 46 anos, e o filho mais velho, de 14, são vítimas de um ciclo que envolve o ambiente. Foram diagnosticados com esquistossomose. Maria resiste a usar todos os medicamentos por causa dos efeitos, como a diarreia. “Se ela tomar o remédio, vai se curar. Mas, em pouco tempo, se contamina novamente”, diz Carmo.
Fonte: IHU Online
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