Um dos problemas da deposição de esgotos em águas marítimas é a proliferação de algas, assim como danos aos recifes de corais.
Por Washington Novaes
Formatos de governo e de sistemas eleitorais, isolamento do Legislativo (não raro fracionado em facções fisiológicas), níveis inéditos de corrupção na administração pública – provavelmente não tenha havido no País um tempo de discussões sobre tantos temas fundamentais e com tão poucos resultados práticos. Além desse âmbito, seguimos sem políticas eficazes para questões decisivas como a das mudanças do clima, a dos resíduos, a da perda da biodiversidade, a da escassez de água, a do consumo insustentável de recursos (7 toneladas por habitante/ano no mundo), etc., etc.
Curiosamente, no debate sobre a extinção de dez dos nossos atuais ministérios federais se inclui o desaparecimento do Ministério da Pesca e da Aquicultura, embora seja cada vez mais preocupante a situação dos oceanos, inclusive nas zonas costeira e marinha do Brasil. A zona costeira tem mais de 8.500 quilômetros na porção terrestre de 17 Estados e mais de 400 municípios. A faixa marítima abrange o mar territorial (12 milhas náuticas a partir da costa). E o Brasil pleiteou – e conseguiu na ONU – mais 900 mil quilômetros quadrados, onde a plataformas vai além de 200 milhas náuticas. Com isso as “águas jurisdicionais brasileiras” se ampliaram para cerca de 4,5 milhões de quilômetros quadrados, segundo o Ministério do Meio Ambiente, e constituem “patrimônio nacional” inscrito na Constituição federal. Como entender, então, que se pretenda extinguir o ministério e se mantenha uma fiscalização insignificante?
O relatório World Ocean Assessment, que será discutido por dezenas de países a partir do próximo dia 8, com suas conclusões levadas à Assembleia-Geral das Nações Unidas para a tomada de decisões, afirma que “a degradação dos oceanos exige políticas e ações, para que não haja custos crescentes na área ambiental, além dos custos econômicos e sociais”. Afirma também que o uso sustentável dos oceanos não será conseguido sem formatos adequados para essas ações.
Seiscentos cientistas em todo o mundo deram sua contribuição para o estudo das ações humanas nas áreas econômica, física, biológica, social que atingem os oceanos. E isso inclui impactos no clima, na cobertura por geleiras, nas práticas pesqueiras insustentáveis, na navegação, na invasão de espécies exóticas, na produção de carbono em áreas marinhas, na deposição de resíduos no mar. A síntese é de que os oceanos enfrentam uma “situação dramática”.
É preciso ver vários aspectos simultaneamente, mas há muitas brechas no nosso conhecimento e na capacidade de implementar soluções, que já foram adotadas parcialmente em algumas partes do mundo. Será a primeira vez que a Assembleia-Geral da ONU tratará desse tema no mais alto nível.
Uma única capacidade dos oceanos – a de absorver grande parte do dióxido de carbono emitido em ações humanas para a atmosfera – bastaria para mostrar como é decisiva uma inflexão de rumos. O sistema é influenciado ainda por mudanças em diferentes partes dos oceanos que criam correntes de ventos, áreas de alta e baixa pressão e de tempestades. Essas correntes também moldam a superfície dos oceanos, levam calor dos trópicos para os polos. E neles se inicia um novo ciclo que leva água salina para o equador e as regiões tropicais e transporta o calor das zonas tropicais para os polos. Todo esse movimento participa da distribuição de nutrientes nos oceanos – com múltiplas influências. E tudo influencia também as formas de vida e de produção em terra.
A advertência mais severa do novo relatório é quanto à “gravidade dos efeitos das ações humanas”. E um dos exemplos é o das atividades pesqueiras, que no século passado muitos analistas consideraram até não precisarem de regulamentação específica, ou não correrem o risco de exaustão. Outro setor analisado com severidade é o da deposição de esgotos em águas marítimas, da mesma forma que a canalização, para o mar, de nitrogênio, que outros documentos quantificam em 100 milhões de toneladas anuais. Um dos problemas nessa área é a proliferação de algas, assim como os danos aos recifes de corais.
O carreamento de plásticos para as águas é mais uma preocupação forte, assim como as consequências de grande parte da navegação, com geração de poluentes e prejuízos para o turismo. Mais grave que tudo é a rápida acidificação dos oceanos, que afeta as espécies marinhas e ameaça a segurança alimentar em muitos pontos, que dependem muito do mar como fonte de proteínas.
Como foi escrito em artigo anterior nesta página (19/6), é diante desse relatório, numa hora tão inquietante, que a Comissão de Agricultura da Câmara dos Deputados, em Brasília, rejeita, “com forte influência da bancara ruralista”, o Projeto de Lei 6.969/2013, que instituía a Política Nacional para a Conservação e Uso Sustentável do Bioma Marinho – que somou as contribuições mais de cem especialistas. Isso acontece num país com litoral de milhares de quilômetros, zona costeira imensa, 42 milhões de pessoas aí residentes.
Lembravam-se, nesse texto, palavras do cientista Gerry Goeden, da Universidade Nacional da Malásia, segundo quem deveríamos ser o “Planeta Água”: 1,4 bilhão de quilômetros cúbicos de água, que cobrem 70,8% da superfície planetária. E 97% dessa água está nos oceanos; 70% do oxigênio que respiramos é produzido por microrganismos que flutuam no mar ou estão em outras formas de vida na Terra; os oceanos influem no clima; 80% de toda a vida está no mar; 60% dos seres humanos vivem a, no máximo, 60 quilômetros dos oceanos.
A preocupação do autor destas linhas cresce quando se lembra também de que já no final da década de 1970 produziu e dirigiu para o programa Globo Repórter documentário a que deu exatamente o título Planeta Água. A audiência foi muito alta. Mas as mudanças no País…
Washington Novaes é jornalista (e-mail: wlrnovaes@uol.com.br).
Fonte: O Estado de S. Paulo em Envolverde
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