Para o professor de geoquímica e ambiente da USP, Adolpho Melfi, a água usada atualmente na irrigação das lavouras pode ser substituída com segurança pelo efluente, o que pouparia água potável importante no abastecimento das cidades. “A agricultura utiliza praticamente 70% da água que poderia ser para o consumo humano”, explica ele. Atualmente, o efluente só pode ser usado na lavagem de ruas e irrigação de jardins, por não haver legislação que autorize o seu uso no campo.
O experimento feito nas cidades de Lins e Piracicaba, interior de São Paulo, mostrou que a economia no uso de fertilizantes nitrogenados chegou a 80% no plantio de capim, utilizado na alimentação do gado, durante um ano de baixa ocorrência de chuvas.
Os cientistas compararam a produtividade do capim irrigado com água comum e do irrigado com esgoto tratado. Ambos receberam a mesma quantidade de fertilizante necessário para o crescimento das plantas. O resultado foi uma produtividade de 33 toneladas de capim por hectare ao ano no caso das plantas que receberam irrigação comum, e de 39 toneladas por hectare ao ano no capim irrigado com efluente.
O mesmo experimento feito com a cana-de-açúcar resultou na produtividade de 87 toneladas por hectare ao ano para a cana que recebeu irrigação comum, e de 143 toneladas por hectare ao ano na irrigada com água de esgoto tratado. Os testes foram feitos com cana soca, ou seja, quando a planta ainda não recebeu o primeiro corte.
Riscos do uso de efluentes
Para o emprego da técnica do esgoto tratado na agricultura, porém, é preciso atenção a alguns riscos, explica Melfi. “Como o efluente tem muito nitrogênio, uma parte não será aproveitada pela planta. Essa parte vai infiltrar no solo e contaminar o lençol freático na forma de nitrato. Há também os organismos patogênicos [presentes no efluente], que podem provocar problemas na saúde humana. A gente precisa ter um controle muito grande também dos metais pesados”, disse.
Para contornar esses problemas, os cientistas encontraram soluções simples. Para evitar os metais pesados, presentes nos dejetos de indústrias, os efluentes devem ser recolhidos preferencialmente de cidades pequenas, onde o controle é mais fácil e predomina o esgoto doméstico.
“Em Lins, o esgoto é exclusivamente doméstico. Em Franca, por exemplo, com a indústria de couro para a fabricação de sapatos, a curtição do couro usa uma substância formada por cromo, altamente tóxico. Mas o esgoto de lá pode ser usado, porque existem duas redes separadas, uma que é esgoto industrial e outra que é doméstico. No esgoto doméstico, não tem metal pesado”, explica o cientista.
Quanto aos organismos patogênicos, como o grupo de bactérias E.coli, existem tratamentos que são capazes de eliminá-los do efluente. Outra forma mais simples de evitar essa contaminação nas plantas é selecionar culturas que passam por tratamento industrializado antes do consumo, como é o caso do café, milho e cana-de-açúcar.
“O café pode ser irrigado com efluente, pois depois é torrado. A laranja também é irrigada nos Estados Unidos, na Flórida, por efluente. Basta fazer uma irrigação na superfície do solo, por gotejamento ou mesmo enterrada em até 20 centímetros, de forma que a fruta não entre em contato com os efluentes”, explica o professor.
O capim, cultura testada no estudo, é cortado e permanece na superfície do solo durante algumas semanas para que seja transformado em feno. Após isso, o produto estará seguro para alimentar o rebanho de gado, já que os organismos patogênicos morrem nesse processo de fenação.
É importante lembrar, ainda, que o simples despejo do efluente em rios também gera problemas, pois causa a eutrofização. “Aumentam muito os micro-organismos, algas que consumem o oxigênio, e essa água sofre eutrofização, são aquelas espumas. Ou a água fica esverdeada por causa de algas”, disse Melfi.
O estudo também ouviu a população para avaliar a aceitação da novidade. “O resultado foi positivo, as pessoas entrevistadas disseram que, desde que soubessem que estava havendo o controle adequado, consumiriam [alimentos produzidos com efluentes]”, contou o professor.
Agência Brasil
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