Em meio aos escombros de Katmandu, desenrola-se um segundo drama humano, menor, é verdade, mas revelador da miséria que predomina naquela parte do mundo.
Trata-se do caso de dezenas de casais israelenses que ficaram prisioneiros do terremoto quando estavam recebendo os bebês nascidos de barrigas de aluguel.
O comentário é de Clóvis Rossi, publicado no jornal Folha de S. Paulo, 27-04-2015.
Segundo o jornal eletrônico "The Times of Israel", há pelo menos 25 recém-nascidos nessas circunstâncias que estão recebendo tratamento médico. Há ainda mulheres prestes a dar à luz, sempre como barrigas de aluguel.
Em pelo menos quatro casos, os casais que "compraram" a gravidez delas estão pedindo a dispensa dos procedimentos burocráticos de forma a que possam rapidamente viajar para Israel para o parto, dadas as precaríssimas condições do que restou de vida em Katmandu.
Aí é que entra a miséria naquela área do mundo: as mães são todas indianas, que vendem suas barrigas sob pressão da pobreza em um país que cresce em ritmo alucinado, mas que tem uma massa formidável de miseráveis.
Suspeito que haja casais de outras nacionalidades que também "compraram" barrigas na Índia e levaram as gestantes para o Nepal.
Mas o único noticiário a respeito desse aspecto da tragédia no Nepal está em "sites" israelenses, o que leva a crer que se trata de um procedimento com alguma tradição no país.
Soma-se, nesse caso, a tragédia do terremoto e suas consequências ao drama humano e à burocracia.
O procedimento para barrigas de aluguel e para a confirmação da paternidade em Israel é complicado.
Um bebê nascido de uma mãe substituta nepalesa é cidadão do Nepal.
Para autorizar o bebê a viajar para Israel, é preciso que se submeta a um teste de DNA para confirmar se o pai é israelense.
No caos que se instalou em Katmandu, a burocracia fica ainda mais emperrada, quando não está voltada, como é lógico, para atender a grande massa vítima do abalo.
Tem-se, então, uma soma de tragédias em massa com casos individuais, uma e outros em parte pelo menos derivados da miséria.
Mães nepalesas e indianas não precisariam servir de barriga de aluguel para estrangeiros, não fosse pelas precárias condições de vida nos seus países.
E a tragédia maior ganhou dimensão extraordinária não só pelo vigor do terremoto, mas também pela precariedade das construções na cidade, conforme o texto de Igor Gielow na Folha de domingo, 26.
Reforça, na mesma data, o "Le Monde": "As construções mais vulneráveis são as velhas casas dessas cidades medievais antigas e magníficas do vale, assim como os imóveis de cimento de construção mais recente, nos quais os arquitetos sempre ignoraram as normas exigidas para minimizar os danos em caso de sismo".
Parece claro que, também neste caso, a violência extraordinária da natureza foi amplificada pelas pequenas e grandes carências e misérias humanas.
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