A reportagem é de André Barrocal, publicada por CartaCapital, 12-02-2015.
O embrião do grupo reúne sindicalistas das centrais CUT e CTB, sem-terra, petroleiros, dirigentes do Movimento Passe Livre e do coletivo Fora do Eixo, parlamentares do PT e do PSOL. Em um encontro no fim de janeiro, em São Paulo, traçou-se um diagnóstico bastante pessimista sobre os rumos do governo.
Segundo um dos participantes, existe um incômodo geral com a guinada ortodoxa de Dilma na economia, simbolizada no pacote de restrição de seguro-desemprego e abono salarial e na escolha do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, um egresso do sistema financeiro que cairia perfeitamente bem em uma administração de Aécio Neves, o adversário de outubro passado.
Embora o espírito geral do pacote fosse conhecido dos sindicalistas desde a gestão Guido Mantega na Fazenda, o lançamento das medidas foi considerado desastroso – avaliação compartilhada por ao menos um dos ministros do Palácio do Planalto. Não houve negociação prévia com as centrais, e agora seus líderes estão numa sinuca. Se aceitarem o que foi imposto pelo governo, correm o risco de desmoralização perante as bases. Sobretudo porque a Força Sindical, sob forte influência do deputado federal oposicionista Paulinho da Força, está firme na resistência.
Na reunião em São Paulo, conta o mesmo participante, uma das vozes mais “incendiárias” contra a inflexão conservadora na economia era de um representante da direção do PT. O desconforto no partido com a situação é latente, apesar de o ex-presidente Lula andar dizendo que a sucessora tomou medidas necessárias. Em meados de janeiro, a fundação ligada ao PT Perseu Abramo, que promove estudos, divulgou um boletim interno com críticas às medidas de austeridade. O risco de “aprofundarem as tendências recessivas da economia nacional não é desprezível”, dizia o texto.
O mau humor no embrião da frente de esquerda é preocupante para o governo, por revelar-se em um momento de fragilidade política de Dilma. A presidenta tem hoje um inimigo no comando da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, baixa popularidade, conforme recente pesquisa Datafolha, e poucos aliados fiéis até no PT. Se a oposição decidir desfraldar a bandeira do impeachment, ideia que começa a ser defendida por lideranças do PSDB, é improvável que haja militância disposta a ir às ruas. Ao contrário do havido com Lula nos tempos do “mensalão”.
O momento parece tão delicado, que o embrião da frente de esquerda resolveu fazer reuniões a cada dois meses para examinar a evolução do quadro político. O governo está a par da situação. Recebe informes a respeito. Principal interlocutor do Planalto perante os movimentos sociais, o secretário-geral da Presidência, Miguel Rossetto, acredita que o governo ainda conta com respaldo destes grupos. “Podemos ter diferenças pontuais, mas fazemos parte de um mesmo projeto”, diz.
De qualquer forma, o cenário é realmente preocupante para Dilma, sobretudo após a divulgação do levantamento Datafolha a mostrar o governo com uma reprovação recorde (44%) e uma presidenta com imagem de indecisa, falsa e desonesta. Uma incrível reversão de números bem mais favoráveis a Dilma há apenas três meses, quando ela disputava a reeleição.
Na campanha, a presidenta usava e abusava de propaganda na tevê, entrevistas e discursos, armas em falta nos últimos tempos. Mas não é a única explicação para seu ibope ter despencado. “Dilma tinha melhores conselheiros na eleição”, afirma o cientista político Fabiano Santos, coordenador do Núcleo de Estudos sobre o Congresso da Universidade Estadual do Rio de Janeiro.
Um destes conselheiros é o ex-presidente Lula. Dilma anda afastada dele. Ouviu o antecessor algumas vezes em novembro, quando quebrava a cabeça para escolher seu ministro da Fazenda, e só. Em apuros, resolveu procurá-lo. Iria a São Paulo na quinta-feira 12, para encontrá-lo.
Fonte: IHU Online
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