Eis o artigo.
No salão verde do Congresso, no domingo à noite, o queixo da mulher de Eduardo Cunha, Claudia Cruz, treme. Ladeada pela filha, a bela e loira Bárbara, a ex-apresentadora da TV Globo chora e sorri ao mesmo tempo, de nervosismo e êxtase. Seu marido ganhara a queda-de-braço com o governo e se tornara o presidente da Câmara dos Deputados.
– Por que a senhora está tão emocionada?, pergunto.
– Ah, são tantas décadas… É praticamente uma vida inteira em comum.
A poucos metros dali, o pastor Everaldo, aquele ex-candidato à presidência da República que disse que “casamento é entre homem e mulher”, também comemorava a eleição do colega fundamentalista (Everaldo é da Assembleia de Deus; Cunha é da Sara Nossa Terra).
– Agora ele e a presidente têm que se entender, pelo bem do Brasil. Mas Dilma precisa ver que o Congresso não é um bando de empregados dela, que ela trata como se fosse criancinha de escola. É um poder independente.
Encontro Arlindo Chinaglia, o candidato derrotado do governo na disputa. Ele parece atônito. Pergunto, de supetão:
– Mas como é que se governa assim?
Arlindo encolhe os ombros e vira as palmas das mãos para cima, naquele conhecido gesto de “e eu sei lá?” Insisto mais um pouco:
– Teve gente dizendo que o Lula também perdeu eleições para a presidência da Câmara. Mas esse caso me parece diferente. Eduardo Cunha é inimigo declarado de Dilma e a recíproca é verdadeira.
Arlindo tenta dizer que não é bem assim:
– Olha, essa versão… No contato pessoal com a presidenta, ele sempre foi… sempre foi… sempre foi… Como eu diria? Qual é mesmo o termo? (Olha para os lados em busca de socorro dos assessores.) Ele sempre foi mais gentil, até, do que eu. E a função, como presidente da Câmara, é outra. Não é o mesmo que ser líder do PMDB, ele agora tem o dever da imparcialidade.
De outros petistas, ouvi após a eleição a seguinte frase:
– Que merda!
Obviamente, o pior aconteceu. A situação já não estava boa para o governo Dilma neste segundo mandato e a eleição de um inimigo da presidenta para o comando da Câmara não ajuda em nada, muito pelo contrário. O que vai acontecer nos próximos meses? Imaginem-me fazendo neste momento o mesmo gesto de Arlindo Chinaglia.
Os cálculos de Dilma e do PT me escapam. Se era para sofrer essa derrota acachapante na Câmara, para que tantas concessões à direita na montagem do ministério? Se o PT apoiou Renan Calheiros para a presidência do Senado, por que não agiu igual com Cunha, já que sua vitória era inevitável? Se não queria de jeito nenhum a eleição de Cunha, por que o governo não tentou atrair deputados com promessas, já que as fará do mesmo jeito? Sabe-se que Renanaconselhou Dilma a compor com Cunha, conselho que ela não seguiu antes da derrota, mas que seguirá após a derrota. Ou seja, não restará opção à presidenta a não ser ceder ao inimigo. “Ceder”, vocês sabem: dar cargos a ele e seus aliados – e isso sem nenhuma garantia de que ele colocará os temas que interessam ao governo na pauta. Bye, bye, regulação econômica da mídia…
Não é só Chinaglia, estamos todos atônitos. Que governabilidade é essa que se constrói cercando-se de inimigos nos ministérios e no Congresso? Me parece bizarro. Quem garante que estes “aliados” não serão capazes de tentar derrubar Dilma em vez de “garantir a governabilidade”? Ainda no domingo, a pergunta que os jornalistas mais faziam a Cunha era:
– O senhor vai receber o pedido de impeachment da presidente?
Problemático quando se sabe que, ao acenar tanto à direita, o PT se desfez completamente do apoio da parcela da esquerda que apoiou Dilma durante a campanha. Quem defenderá a presidenta nas ruas se for preciso? E eu sei lá?
A sensação de que este governo vai repetir a mediocridade do segundo mandato de Fernando Henrique Cardoso, ao contrário de, como Lula, fazer um segundo mandato melhor que o primeiro, não me abandona. Oxalá eu esteja errada. Estamos em fevereiro ainda, mas a presença de Eduardo Cunha na presidência da Câmara me causa arrepios, sobretudo pela certeza de que tentará impor ao País os projetos conservadores tão de seu agrado como fundamentalista religioso – foi Cunha quem articulou a ida do pastor Marco Feliciano para a presidência da Comissão de Direitos Humanos, em 2011. Aposto como teremos péssimas surpresas nos próximos dias.
“Ah, Dilma ainda pode compor com ele”. E isso é uma boa notícia?
Agência Brasil
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