Nesse embalo, fiquei imaginando a decepção da repórter de um grande veículo de comunicação quando, ao fazer uma reportagem sobre o calor no Rio no último final de semana, recebeu da meteorologista entrevistada a notícia de que, devido a baixa umidade relativa do ar, a sensação térmica do dia seria a mesma da temperatura: 39 graus. Por sorte do jornal e azar do leitor, no dia seguinte o mesmo site (re)noticiava que a sensação térmica da véspera fora de 48 graus. Recorde do ano! Sensacional, praias lotadas, jornais vendendo e pessoas perdidas em meio a tanta desinformação.
Apesar de avançarmos a passos largos na Era da Informação, parece que estamos nos distanciando na mesma velocidade da Era do Conhecimento.
Em primeiro lugar, o que são as medidas de temperatura divulgadas pelos diversos cards e apps de previsão do tempo embutidos em nosso smartphones (muitas vezes duvidosas e sempre discordante entre eles)? Referem-se a médias de temperaturas coletadas em estações meteorológicas e inseridas em modelos climáticos. Sem entrar em consideração sobre a adequação de tais modelos, que certamente estão cada vez mais precisos, sabemos que, como toda medida de tendência central, uma média não apresenta boas informações sobre valores extremos. Ou seja, o interior das nossas casas ou dos ônibus em que andamos apresentarão temperaturas sensivelmente diferentes daquelas captadas nas abrigadas estações meteorológicas.
E com relação à sensação térmica? Os mesmos veículos de comunicação já apressaram em defini-la, tornando-a matéria prima jornalística passível de ser consumida sem indigestão. Mas em uma rápida “googlada” ou consulta à Wikipedia lemos que a sensação térmica é a “temperatura que o corpo percebe”, sobre a qual influem, além da própria temperatura, a umidade relativa do ambiente, a densidade do ar (pressão atmosférica) e a velocidade do vento próxima do solo. Opa: seguindo o raciocínio do parágrafo anterior, vemos que essa medida deve variar ainda mais do que a temperatura. Sabemos que nossa percepção de calor varia se acabamos de sair banho, de comer algo apimentado e também de acordo com nossa pressão arterial, percentual de gordura do organismo e até a etapa do ciclo reprodutivo feminino.
Mas onde essa discussão vai parar? Certamente não há nenhum problema com o aprimoramento da informação jornalística e a inclusão de novos indicadores no noticiário diário. Entretanto, um incômodo surge quando achamos que temos uma sensação de controle sobre a natureza, decorrente do tecnicismo exagerado de nossa sociedade e da incorporação de fatos “científicos” ao nosso dia a dia. Desde a invenção dos relógios mecânicos, segundo estudiosos, afastamo-nos progressivamente dos fenômenos naturais em direção a uma concepção mecânica ou científica do planeta, e isso interfere diretamente na forma como nos relacionamos com ele.
Apesar de acharmos que temos uma compreensão cada da natureza, na realidade estamos cada vez mais distantes dela. Será que as pessoas param para pensar que, apesar do fenômeno jornalístico que é o calor carioca, em 8 dos 12 meses do ano a temperatura na cidade do Rio de Janeiro raramente passa dos 30 graus? Ou que o sol se desloca para o norte durante o inverno e muda de posição as sombras de nossas árvores e a luz no interior de nossas casas? Que a lua nasce em torno de 40 minutos mais tarde a cada dia? Qual é a direção predominante do vento em cada cidade e quando ela muda? Sabemos que somos visitados por determinadas espécies de animais (pombos, andorinhas e até mesmo formigas em nossas cozinhas) em estações do ano específicas? Que sempre há um ou outro planeta visível a olho nú, mesmo no céu das grandes cidades?
Embora, em termos práticos, algumas dessas questões possam não ter impacto nenhum em nossas vidas, outras como a posição do sol e a direção do vento poderiam influenciar significativamente nossos projetos de arquitetura e construção. Indo mais além, será que é possível cuidar de um planeta que sequer sentimos como funciona, sem prestarmos atenção em seus sinais e achando poder controlá-lo apertando botões? Em alguns casos, informação demais é conhecimento de menos e uma alfabetização impensada pode nos levar a uma (des)educação perigosa.
Marden Campos é Demógrafo do IBGE. Economista e especialista em Gestão Ambiental, é também professor colaborador da Escola Nacional de Ciências Estatísticas. (mardencampos@gmail.com)
Fonte: Portal EcoDebate
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