Abdias Moura
Conheço muito caso de avô que se diverte brincando com as netinhas. Eu mesmo, quando Mirela - primogênita de meu filho Helder - cresceu um pouco, saí algumas vezes com ela, mal começando a falar, para ver a decoração de Natal, entre o Recife e Olinda, ou até para ver os animais no zoológico de Dois Irmãos, ou tomar banho de mar na praia de Boa Viagem. Ambos gostávamos dos passeios, ainda que tenham sido poucos.
Naquele tempo, eu estava no auge dos meus quarenta anos e tinha energia bastante para aguentar os trancos de uma menina saudável.
O que vou contar agora é diferente. Hoje, com o dobro daquela idade, uma das minhas amigas é Beatriz, uma menina de três anos, primeira neta de Tereza, minha esposa.
Conheci Beatriz ainda na maternidade em que ela nasceu. Parecia uma criancinha como outra qualquer. Aliás, nunca fui de achar os recém-nascidos sempre “bonitinhos”, nem perceber nos meninos “a cara do pai”. Eu estava ali, simplesmente, fazendo companhia à avó materna e em homenagem à parturiente, Manuela (sua única filha), que havia morado comigo desde os quinze anos, quando me casei pela segunda vez. Sempre nos demos muito bem, talvez até porque nunca tentei assumir o lugar do seu pai, a quem ela ama intensamente.
Nos meses seguintes, quando Beatriz começou a ser levada pela mãe ao meu apartamento para visitar a avó, notei que me olhava sempre com muita atenção, talvez por ser o único do grupo familiar que tinha os cabelos inteiramente brancos. Mas, passando de braço em braço, nunca aceitou que eu a carregasse, nem por um instante.
Cheguei a comentar isso com um amigo, kardecista, quando Beatriz já completara um ano, e ele me veio com uma tentativa de explicação para mim pouco convincente, falando de outras encarnações e coisas tais. Deixei passar o tempo, curioso para ver o que aconteceria quando ela crescesse.
A reviravolta se deu depois que Beatriz começou a falar, antes mesmo de completar dois anos. Então, aproximou-se espontaneamente de mim. Começou dizendo o meu nome e aos poucos iniciamos nossa amizade. Uma coisa notável: ela nunca me tratou como a uma pessoa mais velha (como faz com os avós e mesmo com os pais), mas como se eu fosse um companheiro de brinquedos, da mesma idade dela. Claro que, menina inteligente, sabe que eu sou de maior tamanho, podendo inclusive carregá-la dos braços, quando está cansada. Mas o diálogo foi sempre de igual para igual.