Heitor Scalambrini Costa
Professor da Universidade Federal de Pernambuco
No governo de Eraldo Gueiros, em 1974, foi lançada a Pedra Fundamental do Porto de Suape. No entanto, apenas em 1978, já durante o governo de Moura Cavalcanti (1975-1979), através da Lei no 7.763/78, foi criada a empresa Suape Complexo Industrial e Portuário (CIPS), para administrar o distrito industrial, o desenvolvimento das obras e a implantação e exploração das atividades portuárias. Portanto, em novembro de 2014, o CIPS completou 36 anos de uma triste história.
Não houve nenhuma comemoração ou lembrança específica desta data por parte do governo do Estado, cuja empresa pública de economia mista gerencia o Complexo de Suape, exceto por um informe publicitário ufanista em um dos jornais pernambucanos, enaltecendo as realizações e fazendo autoelogios, destacando os aspectos econômicos e o numero e diversidade de empresas que se agregaram à sua área industrial-portuária.
Com certeza este não é momento de se festejar. Por uma única razão, o empreendimento que foi mostrado como redentor da economia pernambucana, “a jóia da coroa”, também chamado de “Eldorado”, está hoje presente nas páginas policiais da mídia nacional, pela corrupção comprovada na construção da Refinaria do Nordeste (RNEST), e pelos desdobramentos dos conflitos sociais e trabalhistas gerados com a desmobilização de mais de 40.000 trabalhadores, entre 2014 e 2016.
Para a implantação das empresas no Complexo houve a expulsão de comunidades inteiras de moradores que residiam naquele local há décadas, sem que uma alternativa adequada de moradia lhes fosse oferecida. Houve também uma devastação ambiental nunca vista no Estado em tão pouco tempo. Para as pessoas diretamente atingidas, invés do progresso tão propalado pela propaganda oficial, a empresa Suape só tem deixado ônus.
Não é de hoje as críticas a este modelo concentrador e predador de desenvolvimento, encampadas pelo Fórum Suape Espaço Socioambiental (www.forumsuape.ning.com) e pelas organizações e pessoas físicas que o compõem. Suape foi, desde o seu início, objeto de polêmicas delimitadoras de fronteiras políticas. Como exemplo, em abril de 1975, economistas, sociólogos, ecologistas, historiadores e geógrafos publicaram um manifesto contra o projeto do Porto de Suape, chamado pela imprensa como o “Manifesto dos Cientistas”, idealizado pelo economista-ecólogo Clovis Cavalcanti, também primeiro signatário do referido manifesto. Cabe destacar o caráter revolucionário e atual do manifesto, que tinha o objetivo de denunciar os impactos sociais e ambientais do empreendimento.
Expansão sem planejamento, crescimento econômico baseado em um “modelo predador”, não inclusivo, com devastação ambiental, com indústrias sujas, continua sendo a marca do complexo de Suape. A atração por indústrias altamente agressoras ao meio ambiente, aliado a perdas e injustiças cometidas (prejuízos, danos físicos e morais, expulsões, expropriações, privações, desgraças, destruições de vidas e de bens), muitas delas permanentes e irreversíveis, enseja uma ampla discussão sobre que tipo de desenvolvimento que queremos.
Afinal, por mais que a propaganda oficial tente esconder, nos 13.500 ha de área circunscrita do Complexo de Suape habitavam mais de 15.000 famílias nativas, que foram tratadas como “invasoras”, sendo a maioria expulsa com truculência dos seus lares, dos sítios onde viviam muito antes das indústrias chegarem por aquelas bandas.
Direitos foram negados. Promessas não foram cumpridas. Indenizações (quando pagas) foram desprezíveis diante da impressionante valorização das terras (atualmente, em média, um ha vale em torno de um milhão de reais).
Mas não foram atingidas somente as populações nativas (pescadores, agricultores familiares, trabalhadores). Os moradores das cidades do entorno do Complexo sofrem as conseqüências decorrentes da falta de planejamento daquele empreendimento.
Problemas com transporte, saúde, aumento da violência e do uso das drogas, gravidez precoce de meninas e adolescentes, carência de saneamento e moradia são algumas das mazelas com as quais convivem os habitantes desses municípios. Enquanto isso, as prometidas melhorias das condições de vida ainda estão no campo das promessas, conforme atestam os indicadores locais de desenvolvimento humano. O crescimento dos indicadores econômicos ocorreu, mas foi insuficiente, e não se refletiu em desenvolvimento sustentável da região.
Já passou do tempo de utilizar a estratégia de somente contar vantagens sobre este empreendimento, e impedir a discussão crítica do modelo adotado, impondo esse modelo, pela força, como opção única.
É inadmissível fechar os olhos para a grande devastação ambiental causada com a derrubada de florestas, o soterramento de manguezais – necessários para manter a vida de muitas espécies – e a poluição de rios e riachos, que permitiam a manutenção do modo de vida de populações inteiras. Além dos trágicos e graves problemas sociais induzidos por uma estratégia que deve ser revista – faz tempo!
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