A reportagem é de Roberta Pennafort, publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, 06-11-2014.
Luciana havia processado o magistrado, que dirigia uma Land Rover sem placa e sem carteira de habilitação, alegando que ele agiu com abuso de autoridade ao lhe dar voz de prisão. Mas a Justiça entendeu o contrário: que ela é quem abusou do poder conferido pelo Detran-RJ.
A frase de Luciana “juiz não é Deus”, dita ao PM chamado por Correa para levá-la a uma delegacia, foi citada na decisão do desembargador José Carlos Paes, da 14ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio, da última sexta-feira. Ele considerou que a agente foi ofensiva e debochada. Para o Detran-RJ, Luciana cumpriu o papel devidamente.
Correa já foi parado na blitz da Lei Seca uma outra vez e se recusou a passar pelo teste do bafômetro. Ele foi investigado pela corregedoria do Conselho Nacional de Justiça - o órgão não divulga detalhes porque “os processos foram arquivados” e corriam em sigilo. Nem Correa nem Paes se pronunciaram sobre o assunto, tampouco o TJ-RJ.
Já fora das blitze de rua, Luciana, de 34 anos, formada em administração pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), agora estuda direito e sonha ser delegada. Ela pretende recorrer ao Superior Tribunal de Justiça (STJ) contra a condenação.
Luciana Tamburini, em sua casa na Tijuca, zona norte do Rio. "Não me arrependo de nada, fiz o que tive que fazer, não foi nada fora da lei".
Eis a entrevista.
Em menos de 24 horas, a arrecadação virtual levantou mais de R$ 11 mil. Como interpreta isso?
Eu me surpreendi. Acho que quer dizer que o Brasil passa por um momento de transição, que vivemos numa democracia, que as pessoas ainda acreditam. Com certeza tem a ver com o espírito das eleições, de mudança, de parar com a carteirada, o nepotismo, o protecionismo. É uma vontade de todo mundo.
O que fará com o dinheiro excedente?
Vou conversar com a organizadora, a quem não conheço, e pretendo doar para alguma instituição, um projeto social. Não sabemos ainda para onde. De repente para alguém que tenha sido prejudicado por algum acidente de trânsito... O apoio vem de onde você menos espera. Achei bem legal terem abraçado a causa. Foi uma injustiça que poderia ter sido com outra pessoa. Eu nem estou no Facebook, me surpreendi com a repercussão.
O desembargador que decidiu a favor do juiz foi corporativista, na sua opinião?
Acho que ele não teve chance de ler o processo; pela decisão do acórdão dá para ver isso. Em nenhum momento falei para o juiz que ele não é Deus. Eu disse isso ao PM. O Judiciário já tem essa fama de ser corporativista, mas as coisas estão mudando, isso é importante.
Já tinha enfrentado outras “carteiradas”?
Acontece todo dia, com todo tipo de gente, desde a esposa do traficante que é “dono” do morro, o PM, que fala que é colega, o guarda municipal... Estou estudando direito e tenho vontade de trabalhar como delegada, para fazer a diferença na sociedade.
Não pensa em ser juíza?
Não... É muita responsabilidade julgar os outros.
Acha que o episódio te prejudica de alguma forma?
Não me arrependo de nada, fiz o que tive que fazer, não foi nada fora da lei. A repercussão foi positiva, mas não para mim diretamente, e sim para a sociedade. Mostra que as pessoas querem mudanças e vão lutar para isso. Essas coisas acontecem porque continuam funcionando, mas ninguém aceita mais isso. Está na Constituição que todo mundo é igual perante a lei.
Fonte: IHU Online
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