O fato de Aécio admitir que pretendia fazer ajustes na política econômica, adotando medidas "impopulares", também foi um dos principais alvos da campanha petista.
Por isso, nem os analistas do mercado esperavam receber tão rapidamente o que foi visto como um sinal de que a política econômica do segundo governo Dilma deve ser mais austera e ao gosto do setor financeiro do que a do primeiro mandato.
A reportagem é de Ruth Costas, publicada por BBC Brasil, 31-10-2014.
Logo no início da semana, começaram a circular em Brasília rumores de que a presidente estaria procurando no mercado financeiro um nome para ocupar o Ministério da Fazenda (o mais cotado seria o presidente do Bradesco, Luiz Carlos Trabuco).
O debate ocorre em meio a um rombo recorde nas contas públicas: o governo registrou, em setembro, um déficit de R$ 20,4 bilhões, maior valor já registrado em um único mês desde 2007, início da série histórica do Tesouro Nacional. É o quinto mês consecutivo em que a administração gasta mais do que arrecada, o que pode acelerar a adoção de medidas de controle de gastos.
O secretário do Tesouro Nacional, Arno Augustin, ao comentar os números, disse em entrevista que o resultado impedirá que o governo atinja a meta de superávit primário (economia dos juros para fazer o pagamento da dívida pública) de R$ 80,8 bilhões neste ano.
E, passados apenas três dias da eleição presidencial, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) anunciou uma alta de 0,25 pontos percentuais na taxa básica de juros - que passou de 11% para 11,25%.
Juros
A medida do BC foi a que mais surpreendeu os mercados, que só esperavam uma alta de juros em dezembro.
Ela foi justificada pela desvalorização do real frente ao dólar - que, na avaliação da autoridade monetária brasileira, aumentaria o risco inflacionário.
Além disso, horas antes da decisão do BC brasileiro ser anunciada, o BC americano (FED) decretou o fim da sua política de incentivos conhecida como Quantitative Easing.
A decisão aumentou as especulações sobre quando os EUA podem aumentar a sua taxa de juros - medida que também favorece um aperto monetário no Brasil.
"Havia certo consenso (entre analistas do mercado) de que uma alta dos juros era necessária para conter a inflação, hoje muito próxima ao teto da meta (definida pelo BC, de 4,5%, com uma margem de 2 pontos percentuais para cima e para baixo)", diz Wilber Colmerauer, diretor da Emerging Markets Investments em Londres.
"Mas esperava-se certo 'constrangimento' do BC e do governo em mudar tão rapidamente suas políticas, após a eleição. Até agora nem um nem outro admitiam que a inflação era um grande problema. Além disso, ao se elevar os juros em um contexto de desaceleração econômica, sempre se corre o risco de dificultar a retomada do crescimento - como Dilma ressaltou na campanha, ao criticar opositores."
Alessandra Ribeiro, da Consultoria Tendências, concorda que o BC acertou ao aumentar os juros, mas errou ao não sinalizar para o mercado que daria uma guinada em suas políticas.
"Nunca é bom surpreender os mercados, porque isso causa uma volatilidade desnecessária", diz.
Para ela, o objetivo do BC seria indicar que está comprometido um ajuste na política econômica. "O recado geral é que o governo deve tomar medidas que criticou durante a corrida presidencial", opina.
Mudança
Para o economista da PUC Antonio Carlos dos Santos a mudança de discurso no cenário pós-eleitoral pode desagradar alguns eleitores da presidente - "e vai permitir que a oposição faça a festa" - mas era esperada, uma vez que a campanha tende a ser diferente do dia a dia de governo.
Já o cientista político Carlos Pereira, da FGV, vê na mudança uma forma de "estelionato eleitoral". Ele não acredita, porém, que ela seja suficiente para provocar problemas de governabilidade.
"No fim, os eleitores de Dilma votaram nela em função de suas políticas sociais", opina.
"É esperado que ela receba críticas ao fazer um ajuste na área econômica no curto prazo, principalmente se isso tiver - como deve ter - um impacto no nível de emprego. No entanto, se conseguir impulsionar uma retomada do crescimento, esse clima desfavorável logo se dissipará."
Para Pereira, o fato de Dilma ter confrontado os mercados financeiros na campanha e não ter admitido erros na política econômica pode fazer com que os custos de um ajuste nesse inicio de governo aumentem.
"Todos sabiam que esse ajuste seria necessário - até para evitar que o país perca o grau de investimento (chancela conferida por agências de classificação de risco), o que aumentaria os custos de endividamento do governo e das empresas", diz ele.
"Mas agora Dilma terá de dar um sinal mais contundente para convencer o mercado de que está mesmo disposta a fazer mudanças."
Fonte: IHU Online
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