sexta-feira, outubro 10, 2014

Para socióloga, é preciso ir além dos protestos e 'fazer a parte chata'

"Aqueles que estão no poder não se importam se você vai às ruas. Eles se importam se isso significa que há algo importante que eles devem levar em consideração", diz Zeynep Tufeckci.

Muito se falou do poder da tecnologia para mobilizar milhares de pessoas em torno de causas sociais.

Da Primavera Árabe, passando pelo Occupy Wall Street, nos Estados Unidos, e pelos protestos de junho de 2013 no Brasil, foi principalmente por meio das redes sociais e de outras ferramentas online que muita gente se uniu a um movimento e foi às ruas protestar por mudanças.

No entanto, essas 'armas' digitais podem ser uma faca de dois gumes na tentativa de mudar a política, segundo a socióloga turca Zeynep Tufeckci.

Ela estuda como essa mobilização digital afeta as estruturas tradicionais de poder e defende que, quando a passeata acaba, o verdadeiro trabalho está apenas começando - e que esta parte crucial do movimento por mudanças muitas vezes é deixada de lado.

Em sua palestra no TED Global, conferência de projetos inovadores atualmente em curso no Rio de Janeiro, ela argumentou que não basta aos movimentos digitais ir às ruas.

É preciso, segundo ela, se organizar e fazer pressão sobre políticos no longo prazo para conseguir realmente transformar o sistema.

A entrevista é de Camila Costa, publicada pela BBC Brasil, 08-10-2014.

Eis a entrevista.

Em sua palestra, a senhora disse que a tecnologia pode empoderar e ao mesmo tempo enfraquecer as manifestações sociais. Por que isso ocorre?

As democracias estão sendo estranguladas por algumas forças poderosas. Em vez de termos democracias que representam vários interesses, os sistemas políticos atuais favorecem aqueles que já têm poder e dinheiro e que, por isso, têm muita influência sobre os políticos. Como resultado, as pessoas estão abandonando a política, porque não acreditam mais nela. Acham que nada mudará. Então ocorre uma fagulha, e as pessoas que estão orfãs de instituições políticas decidem usar tecnologias digitais para se organizar rapidamente. Atingem grandes números, porque há muito descontentamento. Mas, como fazem isso sem ter instituições políticas por trás, não sabem o que fazer a seguir. São como pequenas empresas que crescem muito rápido.

Nestes casos, porém, há investidores que prestam socorro às empresas. Agora, se um movimento político cresce muito rápido, o governo se volta contra ele. Sem conseguir dar o próximo passo, os movimentos desaparecem, e as pessoas ficam ainda mais descontentes. Além disso, os diferentes movimentos não sabem trabalhar em conjunto e começam a discordar entre si. E como não criaram uma forma saudavel de lidar com as discordâncias, eles se autodestroem ou ficam empacados em torno de uma demanda. No fim, a política se torna ainda mais corrupta. Quando ocorre um novo movimento, as pessoas têm ainda menos fé que as coisas podem mudar. É um ciclo vicioso.

O que é preciso fazer, então, para mudar a política de fato?

Se vamos mudar sistemas políticos, não podemos fazer só as coisas legais. É preciso fazer o trabalho tedioso também. Há muitas ações empolgantes, como protetsos e ocupações, mas a chave está no trabalho chato, como se organizar para votar em eleições e criar a mesma pressão sobre os políticos, como fazem aqueles que têm poder e dinheiro. O movimento americano de direitos civis é um exemplo. Conseguiu se organizar para fazer pressão e manter seus membros unidos. O resultado não veio em uma semana, mas em um ano. Não dá pra pensar que uma semana de passeatas mudará o sistema. Para isso, é preciso entender como pressionar o sistema no longo prazo. Isso não é tão excitante quanto estar na rua respirando gás lacrimogêneo, mas, se isso não ocorre, os partidos e poderes politivos existentes tem paciência, recursos, dinheiro e pessoal para esperar a turbulência passar. As ruas não são mágicas. Elas têm poder se sinalizam que há algo a ser levado a sério pelos políticos. Se eles sabem que os manifestantes sairão da rua breve e não têm capacidade de se mobilizar politicamente, basta eles esperarem os manifestantes se cansarem.

No Brasil e na Turquia, os protestos foram intensos e depois acabaram sendo realizados com menos gente e de forma esparsa. Os protestos em grande escala podem voltar?

Claro, mas aqueles que estão no poder não se importam se você vai às ruas. Eles se importam se isso signifca que há algo importante que eles devem levar em consideração. A passeata é um sinal, mas o que se está sinalizando? Que os manifestantes irão pra casa em uma semana? Ou que irão se organizar para tirar os políticos do poder? Para colocar pressão sobre eles? Na maioria dos países, não vivemos mais em ditaduras ou monarquias. Há formas de mudar o sistema. Mas, como há muita corrupção, as pessoas desistiram de pressionar o sistema e, por isso, ele se torna ainda mais corrupto.

Como o governo turco lidou com os protestos?

O governo polarizou o país dizendo que a metade da população que estava nas ruas eram traidores e que eles não importavam. O governo formou uma base com metade do país e decidiu governar para esta metade. Isso é horrivel e algo insustentável no longo prazo. Em outros países, é ainda pior. Governa-se apenas para 20% do povo. Criar estas divisões é algo comum. E, assim, o governo e seus apoiadores passam a viver numa bolha, lendo só a midia que os apóia, ouvindo só aqueles que estão a seu lado. Isso pode neutralizar os protestos, mas não neutraliza o descontentamento.

Uma reforma política pode resolver essa desconexão entre os políticos e a sociedade?

Sim, mas as pessoas não querem entrar na politica tradicional. Isso é ainda mais complicado na Turquia, porque os partidos de oposição são fracos e incompetentes, e o Brasil sabe muito bem como é isso. Uma ditadura militar enfraquece uma democracia por décadas, mesmo depois de acabar. Trinta anos depois, ainda sentimentos na Turquia o efeito da ditadura. Porque a ditadura destruiu a oposição e o que a substituiu são partidos fracos com líderes corruptos. A Turquia precisa de uma reforma política, assim como o Brasil. Mas isso exige trabalho duro. Eleger um Congresso. Mudar a Constituição. E a oposição não se organiza para isso. É deste trabalho chato que falo.

Fonte: IHU Online

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