terça-feira, outubro 07, 2014

O ataque aos nordestinos nas redes sociais e os limites à liberdade de expressão - Artigo de Marcio Morena


Uma série de ataques aos nordestinos veio à tona nas redes sociais quando da divulgação do resultado do primeiro turno das eleições presidenciais, no último domingo, o qual confirmou o primeiro lugar de Dilma Rousseff, e a preferência do eleitorado da região Norte e Nordeste.

Dentre as manifestações discriminatórias postadas no Twitter, trazemos duas, em sua original forma: “só aqueles nordestinos malditos que votam na Dilma nossa espero que nunca mais chova la seca pra sempre”; “esses nordestinos fazem 300 filhos e depois ficam dependendo de ‘bolsa-família’, por isso que a Dilma recebe tudo isso de votos”.

Uma situação muito similar ocorreu em 2010, quando Dilma foi eleita presidente. À época, Mayara Petruso, estudante de direito, postou o seguinte tuite: “Nordestino não é gente, faça um favor a Sp, mate um nordestino afogado”, pelo qual foi denunciada e condenada a 1 ano, 5 meses e 15 dias de prisão pelo crime de racismo, sendo a pena convertida em serviços comunitários.

Nota-se que uma vez mais nos deparamos com um discurso de incitação ao ódio, totalmente avesso aos valores cristalizados em um ordenamento jurídico construído sob a égide do princípio vetor da dignidade da pessoa humana (art. 1º , inciso III , da Constituição da República do Brasil), como já assinalamos alhures.

Igualmente já afirmamos que, em hipótese alguma, manifestações de intolerância, seja qual for a sua forma, podem restar protegidas sob o manto da garantia constitucional da liberdade de expressão, haja vista que esse direito, apesar de ser um direito fundamental assegurado em inúmeros tratados internacionais e na Constituição da República do Brasil, não pode ser exercido sem limitações.

Neste diapasão, invocamos novamente a teoria da ponderação de direitos fundamentais, para contrapormos o direito à liberdade de expressão ao princípio da dignidade humana, ao direito à igualdade, à honra, e outros direitos da personalidade violados de forma difusa, devendo, nessas situações, a liberdade de expressão do pensamento ocupar a menor hierarquia nessa ponderação de direitos, dada a ilegitimidade de seu conteúdo discriminatório.

Destarte, em tempos em que a internet é a maior, e talvez a mais acessível plataforma de comunicação humana da atualidade, a liberdade de expressão deve ser exercida com responsabilidade e limitações, pois, como qualquer direito fundamental, não pode e nem deve ser considerado como um direito absoluto.

Marcio Morena é advogado e professor. Doutorando em Direito e Ciência Política pela Universidade de Barcelona com Master em Estudos Internacionais pela mesma universidade. Mestre em Filosofia Política pela Universidade de São Paulo. Especialista em Direito Empresarial pela Universidade Mackenzie. Bacharel em Filosofia pela Universidade de São Paulo. É professor universitário e de cursos preparatórios para carreiras públicas. Foi bolsista da FAPESP, da CAPES e da Fundação Carolina (Espanha).

Publicado originalmente em JusBrasil

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