quinta-feira, outubro 23, 2014

MPF obtém mais decisões judiciais obrigando demolição de imóveis construídos às margens de reservatórios em MG

A degradação das áreas de preservação permanente impacta na manutenção do volume e da qualidade da água, fatores que estão sendo evidenciados na atual crise hídrica

O Ministério Público Federal (MPF) obteve mais quatro sentenças que obrigam proprietários de imóveis situados às margens de reservatórios de hidrelétricas no Rio Grande a demolirem as construções irregulares. No caso, as decisões dizem respeito a edificações erguidas numa mesma área, a Serraria, que está situada a cerca de 30 km da cidade de Uberaba, no Triângulo Mineiro.

As decisões judiciais obrigam os proprietários a demolirem todas as edificações que se encontram na área de preservação permanente, com a limpeza e remoção dos entulhos decorrentes da demolição. Posteriormente, eles deverão reconstituir e recuperar as condições ambientais originais do local por meio da implementação de um projeto de adequação ambiental.

Os réus ainda foram condenados ao pagamento de indenização por danos morais decorrentes da ocupação irregular da área. A irregularidade advém do fato de que os imóveis foram erguidos em terras declaradas de utilidade pública, que foram desapropriadas pela União para a construção da usina hidrelétrica de Volta Grande, e em área de preservação permanente ao redor do reservatório. As terras desapropriadas, destinadas a formar o que se chama de quota de inundação máxima do reservatório, e a área de preservação permanente, destinada a protegê-lo, não podem ser ocupadas por particulares.

No entanto, ao longo dos anos, o que se viu foi uma verdadeira invasão dessas áreas para a construção de casas de veraneio. Prova disso é que, somente em relação à Serraria, existem mais de 98 ações em andamento na Justiça Federal pedindo a demolição de construções irregulares, 60 delas ações possessórias ajuizadas pela própria concessionária da hidrelétrica em cumprimento a acordo firmado com o Ministério Público Federal.

Em 22 ações, já foram proferidas decisões obrigando à demolição das construções ilegais.

“É preciso esclarecer que todos os ranchos erguidos na Serraria, na área desapropriada para a formação do reservatório da UHE de Volta Grande e na área de preservação permanente, estão irregulares e, no entendimento do Ministério Público Federal, não existe nenhuma possibilidade de legalizá-los”, afirma o procurador da República Thales Messias Pires Cardoso.

Inexequível – Na última semana, a Câmara Municipal de Uberaba chegou a aprovar em segundo turno uma emenda à Lei Orgânica do Município incluindo a Serraria no perímetro urbano da cidade, com o propósito, segundo alguns vereadores, de “regularizar” as ocupações que lá existem e permitir a criação de novos loteamentos no futuro.

Para o MPF, “trata-se de uma proposta inexequível, porque, além de contrariar o Estatuto das Cidades, contraria a própria realidade, já que uma área rural, situada a mais de 30 quilômetros do perímetro urbano, não pode se transformar em urbana sem atendimento aos pressupostos legais que classificam as regiões em urbana ou rural”.

Thales Cardoso explica que, independentemente de alteração na Lei Orgânica Municipal, os imóveis construídos na Serraria continuam irregulares e sujeitos à ordem judicial de demolição. “Assim como estarão sujeitos a responderem judicialmente todos os que vierem a construir nessas áreas”, diz.

Por sinal, nas novas sentenças que determinaram a demolição dos imóveis, o Juízo Federal reconheceu a irregularidade das edificações, os danos ambientais em área de preservação permanente, e ainda condenou os réus ao pagamento de indenizações que vão de 30 a 40 mil reais em razão dos danos materiais coletivos decorrentes da ocupação irregular, quantia essa que será destinada ao Fundo de Direitos Difusos.

Crise hídrica – Para o procurador da República, é imprescindível que a sociedade e o Poder Público se conscientizem acerca dos prejuízos ambientais causados por esse tipo de intervenção. “Uma das funções mais importantes das áreas de preservação permanente é justamente a de evitar o assoreamento e garantir a integridade dos reservatórios e rios. Quando se degrada as margens, com retirada da mata ciliar e da vegetação nativa, pode-se afirmar que todo o sistema é atingido, com redução do volume e da qualidade das águas”, diz

A atual crise hídrica comprova a afirmação. Segundo dados do Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS), o nível dos reservatórios das hidrelétricas instaladas na região Sudeste é o mais baixo dos últimos 13 anos. Os reservatórios de outras duas usinas, Marimbondo e Água Vermelha, que aproveitam o potencial do Rio Grande, na região de Uberaba, estão com apenas 12.55% e 23.66% de sua capacidade, respectivamente. O rio Grande nasce na Serra da Mantiqueira, em Minas Gerais, e percorre 1.300 km até encontrar o rio Paranaíba para formar o rio Paraná, na fronteira entre Brasil, Paraguai e Argentina. Nesse percurso, ele banha também os estados de São Paulo e Paraná.

A mais recente projeção do ONS para o volume de chuvas neste mês de outubro indica que o nível dos reservatórios no subsistema Sudeste/Centro-Oeste, o mais importante do país, estará ainda mais baixo do que o que foi registrado em 2001, ano do racionamento de energia elétrica, quando os reservatórios chegaram ao fim do mês com 21,3% da capacidade.

“É preciso começar a conscientizar as pessoas de que a falta dágua não decorre apenas da escassez de chuvas. Outros fatores são determinantes para a situação em que nos encontramos e a degradação das áreas de preservação permanente é um deles. Ou seja, a ação antrópica também é responsável pela crise hídrica. Não adianta colocar a culpa apenas na falta de chuva”, afirma Thales Cardoso.

Relatório elaborado por peritos do MPF aponta que a retirada da vegetação situada próxima a cursos dágua aumenta a erosão das margens, com o consequente carreamento de sólidos para o leito dos reservatórios e rios, causando seu assoreamento. Por outro lado, a presença da vegetação, além de fonte de nutrição e abrigo para a fauna silvestre, exerce papel importante no controle do microclima, na medida em que oferece condições mais estáveis de temperatura e umidade.

“Ou seja, em matéria de meio ambiente nunca existem causas ou fatores isolados”, lembra Thales Cardoso. “Todos os atos geram consequências, de forma cíclica e interdependente. Na verdade, a situação pela qual passamos este ano também resulta de ações antrópicas indevidas e evitá-las, restituindo o meio ambiente ao status quo ante, é a única alternativa para que não venhamos a nos deparar, em futuro próximo, com situações ainda mais graves”.

Fonte: Ministério Público Federal em Minas Gerais

Publicado no Portal EcoDebate

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