Endêmicas da Mata Atlântica nordestina, três espécies de aves nativas do Brasil estão sendo consideradas extintas na natureza, conforme um artigo publicado em julho. A corujinha caburé-de-pernambuco (Glaucidium mooreorum) e dois parentes do joão-de-barro, o gritador-do-nordeste (Cichlocolaptes mazarbarnetti) e o limpa-folha-do-nordeste (Philydor novaesi) tiveram o status de potencial extinção indicado por ornitólogos brasileiros e estrangeiros, que estudam essas espécies há mais de uma década.
A indicação ocorreu principalmente em virtude de longos períodos sem registros oficiais de visualização dessas espécies na natureza.
A informação sobre a grande probabilidade de extinção dessas espécies consta no artigo Status of the globally threatened forest birds of northeast Brazil (Status global de aves silvestres ameaçadas no Nordeste do Brasil), publicado na revista científica ‘Papéis avulsos de zoologia’, do Museu de Zoologia da Universidade de São Paulo (USP).
Há muito tempo, porém, não há mais registros oficiais dessas espécies nativas do Nordeste brasileiro. O último registro oficial da corujinha caburé-de-pernambuco, por exemplo, que mede 14 centímetros e possui pintinhas na cabeça e nuca, foi um canto gravado em 1990.
Por que a extinção é dada como certa?
Segundo o doutor em Ciências Biológicas pela USP, Luís Fábio Silveira, consultor da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza e um dos autores do artigo, desde a descrição da espécie, em 2002, a corujinha caburé-de-pernambuco vem sendo amplamente procurada por pesquisadores, principalmente no que restou de fragmentos florestais no CPE.
“Registros documentados da corujinha incluem apenas a coleta de dois indivíduos, em novembro de 1980 – a partir dos quais a espécie foi descrita – e uma única gravação de som obtida em outubro de 1990”, explica o doutor.
“Em 2001, no entanto, ornitólogos avistaram a espécie, mas não houve registro oficial. Por isso, dada à ausência por mais de dez anos de documentação que comprovasse registros oficiais, considera-se que a caburé-de-pernambuco está potencialmente extinta”, aponta.
Aves nativas
Também não há registros recentes do gritador-do-nordeste ou do limpa-folha-do-nordeste, dois pássaros de características semelhantes da ordem Passeriformes e que medem cerca de 20 centímetros de comprimento. Descrito em 1983, o limpa-folha-do-nordeste foi visto pela última vez na natureza em 2011, pouco mais de trinta anos após seu primeiro registro, segundo consta no artigo.
Já o gritador-do-nordeste foi descrito oficialmente como uma espécie apenas em 2014, com base em registros oficiais de 2005, sendo que ave foi visualizada em um único local: uma Reserva Natural no Nordeste. Desde então, a ave não foi mais vista na natureza.
O gritador-do-nordeste demorou para ser identificado como nova espécie, pois possui muitas semelhanças com o limpa-folha-do-nordeste, tais como tamanho, plumagem e comportamento. Com a ausência de registros oficiais por longos períodos, segundo ressalta Silveira, as três espécies são as primeiras aves nativas do Brasil que podem ser consideradas como potencialmente extintas.
Ameaça à biodiversidade
O principal fato que contribuiu para que as três espécies chegassem a essa situação de provável extinção, segundo aponta Silveira, é o avanço do desmatamento que descaracteriza e fragmenta a Mata Atlântica. “Fatores como o avanço das usinas de álcool, bastante comuns no Nordeste, a poluição, as queimadas e a caça de animais silvestres prejudicaram muito os ambientes naturais nativos da Mata Atlântica nordestina, especialmente no CPE”, explica o doutor.
“Acompanhamos as florestas ficarem cada vez menores e o número de indivíduos, dessas três espécies, diminuir até praticamente desaparecerem por completo”, destaca.
A destruição do habitat natural é apenas um dos problemas. A potencial extinção das espécies leva ainda ao desequilíbrio ambiental. “As aves podem ser importantes para polinização de flores, dispersão de sementes, controle de pragas e até estarem envolvidas em relações ecológicas com outros animais. Esse ciclo, ao ser interrompido, gera um desequilíbrio do meio ambiente”, explica.
Base de estudos do artigo sobre as espécies extintas, o Centro de Endemismo Pernambucano é considerado uma das áreas de biodiversidade mais importantes para a conservação da Mata Atlântica, bioma brasileiro mais desmatado, ameaçado e fragmentado, do qual restam apenas cerca de 8% de cobertura original.
Taxas de endemismo
De acordo com uma análise feita em 2005 pelo Centro de Pesquisas Ambientais do Nordeste (Cepan), a avifauna do Centro de Endemismo Pernambucano (CPE) possui 434 espécies, sendo 26 aves endêmicas da região, ou seja, que não são encontradas em nenhum outro lugar do planeta. Entre essas espécies registradas no CPE, 40 estão incluídas em alguma categoria de ameaça de extinção, conforme critérios do Ministério do Meio Ambiente (MMA).
“Devido às altas taxas de endemismo na região, o CPE se tornou chave para conservação da Mata Atlântica nordestina, especialmente da avifauna. Por isso é preciso investir em pesquisa científica para que a flora e a fauna da região sejam conhecidas de modo adequado, permitindo a promoção de políticas públicas para a conservação efetivas”, afirma o coordenador de Ciência e Informação da Fundação Grupo Boticário, Emerson de Oliveira.
Unidades de Conservação
De acordo com o Cepan, das vastas florestas da Mata Atlântica nordestina, restam apenas 2% de pequenos fragmentos de áreas nativas. A criação de Unidades de Conservação (UCs), como aponta Oliveira, é uma estratégia importante para a proteção do que restou da fauna e flora da Mata Atlântica no Nordeste.
“Uma das saídas para evitar a extinção de outras espécies é proteger o que sobrou dos remanescentes de Mata Atlântica, por meio da criação de áreas protegidas e corredores ecológicos que garantam a conexão entre elas. Além disso, oferecer educação ambiental às comunidades do entorno dessas áreas, ressaltando a importância da conservação da natureza, também contribui para que outras espécies não tenham o mesmo destino dessas três aves que podem estar para sempre extintas da natureza”, finaliza Oliveira.
Fonte: EcoD em Envolverde
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