domingo, agosto 03, 2014

O dilema entre combater o câncer ou a pobreza

A lavadeira Maria do Carmo Santos, de Recife, superou um câncer de mama. Em 2012, a doença matou 522 mil mulheres em todo o mundo, entre elas, mais de 16 mil brasileiras. Os diversos tipos de câncer mataram 8,2 milhões de pessoas no mundo só em 2012. A maior parte dos pacientes era de baixa renda. (Foto de Mariana Ceratti/Banco Mundial)

Aos 55 anos, a lavadeira Maria do Carmo Santos, moradora de Recife, tem dois desejos. O primeiro: participar de um programa de TV que ajude a reformar sua casa. O segundo: encontrar um grande amor. São sonhos que ela alimenta desde que se viu curada de um câncer na mama esquerda.

Há exatos 10 anos, ela tirou um tumor de 5 cm e se submeteu a 34 sessões de radioterapia. Fez todo o tratamento em hospital público e contou com a ajuda dos vizinhos para se cuidar e se sustentar. “Não sei o que teria sido de mim sem o pessoal do bairro”, lembra.

A luta de Carminha – como é conhecida – contra o câncer revela uma série de facetas desse mal, que tem grande importância nos países em desenvolvimento, como o Brasil. Segundo o Banco Mundial, até 2030, a incidência de câncer aumentará em 70% nos países de renda média (em que o Brasil se inclui) e em 82% nos mais pobres caso não sejam tomadas providências globais para enfrentar a doença.

A tendência de alta se evidencia nos números mais recentes da Agência Internacional para a Pesquisa em Câncer (Iarc), da Organização Mundial da Saúde (OMS): a doença matou 8,2 milhões em 2012. O relatório, divulgado no fim do ano passado, apontou um acréscimo de 8% com relação ao levantamento anterior, feito em 2008.

A Iarc também destacou um aumento de 20% na incidência e de 14% na mortalidade por câncer de mama no período entre as duas pesquisas. Só em 2012, em todo o mundo, 522 mil mulheres perderam essa batalha, entre as quais 16.412 brasileiras.

Tal expansão nos países em desenvolvimento se deve a dois fatores: “Em parte a uma mudança no estilo de vida e em parte porque os avanços clínicos para o combate à doença não estão chegando às mulheres que vivem nesses países”, explicou David Forman, diretor do Departamento de Informação sobre o Câncer da Iarc, à época da divulgação da pesquisa.

Momento de transição

Essa análise é válida inclusive no Brasil, atualmente vivendo um momento que especialistas chamam de transição epidemiológica.

Antes predominavam as doenças infecciosas, como o câncer de colo de útero, causado pelo papiloma vírus. Hoje, esse mal ocupa o primeiro lugar apenas no Norte, uma das regiões mais pobres do país. Nas restantes – sobretudo Sul e Sudeste, as mais ricas –, predomina o de mama, atribuído não só à genética, mas também a fatores como obesidade e tabagismo. Ou seja, estilo de vida.

Outra diferença entre os brasileiros ricos e pobres está no acesso a prevenção, diagnóstico e tratamento adequados, em tempo oportuno. Entre as brasileiras com um ano de escolaridade, por exemplo, apenas 38% já haviam feito mamografia pelo menos uma vez na vida. Foi assim com Carminha, que só descobriu o câncer quando já estava em estágio avançado.

O percentual sobe para 70% entre as mulheres que estudaram por 15 anos ou mais. Os dados são do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Mais um exemplo: “Só 60% da população tem acesso integral a radioterapia”, destaca o diretor do Instituto Nacional de Câncer (Inca), Luiz Antônio Santini. “O país está trabalhando para ampliar esse atendimento e incorporar à rede pública medicamentos modernos ao tratamento do câncer de mama, mas ainda precisamos de mais investimentos”, completa. O orçamento público para atendimento quadruplicou desde 2003, chegando a R$ 2,1 bilhões em 2012.

Renda comprometida

Também pesa sobre os pacientes o fato de a doença perpetuar um ciclo de pobreza. “Os mais pobres tendem a ter acesso mais difícil ao cuidado adequado em tempo oportuno; e, no caso do câncer, o tempo é primordial para aumentar a sobrevida”, explica o médico David Oliveira de Souza, especialista em saúde no Banco Mundial.

“Dependendo do momento da doença, os pacientes podem ficar incapacitados para o trabalho, e parentes eventualmente também deixam seus empregos para ajudar no cuidado. Em muitos casos a renda cai, piorando as condições de vida dessas famílias”, completa.

Carminha, a lavadeira de Recife, entende bem o que é isso: ficou totalmente parada durante o tratamento e, depois da remissão, voltou aos poucos. “Hoje, me sustento lavando roupas porque é o trabalho que sei e consigo fazer”, conta. Para complementar a renda, ela vende sabão em pó e outros produtos de limpeza.

Essa relação com o ciclo de pobreza fez o tema do câncer atrair a atenção de instituições como o Banco Mundial, que recentemente passou a financiar projetos no Brasil e pesquisas na área.

A ideia é entender melhor as dificuldades enfrentadas pelos pacientes mais pobres e ampliar a rede de prevenção, diagnóstico e tratamento.

Fonte: Banco Mundial em EcoDebate

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