terça-feira, agosto 19, 2014

Cotado para substituir Felipão, Tite revela: "Estou frustrado"

Cotado para substituir Felipão, Tite revela: "Estou frustrado" Ricardo Duarte/Agencia RBS

O técnico Tite, o Adenor Bachi, não esconde seu sentimento. Está frustrado ao ser preterido como técnico da Seleção. Pergunta-se que critério foi usado para as escolhas. Considera Dunga um profissional digno, seu concorrente, mas acreditava ser esta a sua hora. Defende que a CBF ouça os jogadores e invista em ideias para salvar a base do futebol. Depois da Copa, Tite permitiu-se dar um tempo para a família, foi se encontrar com o filho Matheus, 24 anos, recém formado nos Estados Unidos em Ciência do Exercício no Tennessee. Depois, com o filho, foi conferir o sistema de dados do Arsenal, como mais uma ferramenta a ser empregada no seu trabalho. A ansiedade de Tite é por conhecimento. Por isso, lê muito a respeito. E revelou: em dezembro de 2012, horas antes de disputar o Mundial do Corinthians contra o Chelsea, recebeu a informação do interesse da CBF em levá-lo para a Seleção. Preferiu esperar. 

Acompanhe a entrevista concedida ao UOL ESPORTES:

Você se frustrou com ao ser esquecido na escolha do técnico da Seleção? 
A gente não é o melhor, mas a gente está vivendo um grande momento profissional. Eu estou nesse momento. Passei cinco anos no Grêmio e Inter com grandes trabalhos e oito títulos. Mundial, Libertadores, Sul-Americana, Copa Suruga, de Brasileirão, isso me credenciou. Dava enquete, lá estava Tite. Eu criei expectativa pelo trabalho. Assim como imaginei: nos últimos cinco anos, o Abel Braga foi campeão do Brasileirão, o Muricy Ramalho venceu a Libertadores, o Marcelo Oliveira, do Cruzeiro, de excelente trabalho, o Cuca, todos em condições.

Desde quando havia expectativa?
Houve um outro detalhe: antes do Mundial do Corinthians contra o Chelsea (em dezembro de 2012), o assessor de imprensa do clube revelou que duas vezes a CBF havia procurado o presidente Mário Gobbi (do Corinthians) querendo me levar para a Seleção. Eu disse: quero ficar voltado ao Mundial, não é hora para isso. O doutor Gobbi concordou: estamos o maior título da história do clube, não se fala nisso. Surgiu a ideia de esperar para depois do jogo? Não, não, disse ele, temos que manter o foco. E estava certo. Eu ficaria pensando, será que virá o convite depois? E os atletas poderiam entrar em campo pensando nisso, poderia dispersar. Criei expectativa depois, sim, mas pelo meu crescimento profissional, independentemente de ser convidado.



É uma grande frustração?

É uma frustração profissional. Estou frustrado. Não é questão de ser melhor ou pior, tenho um bom relacionamento com o Dunga. Temos um situação de respeito. Nós competimos. Eu, ele, o Abel, a gente compete. É da profissão, com lealdade, não tenho nada contra. Mas há o questionamento: se nós estamos buscando qualificação, quais são os critérios. A pergunta que me fiz: que critérios são esses, o que que se busca, de que forma? E eu gosto do embate das ideias, com argumentos. Por exemplo, entendo que seja reformulado o calendário do futebol brasileiro. Mas que história é essa de chamar o Gilmar (Rinaldi, diretor técnico da CBF)? Que preparação ele teve? Quais os argumentos? Por que não um executivo do futebol? Um Paulo Angioni? O Edu Gaspar (gerente de futebol do Corinthians), o Rodrigo Caetano, o Leonardo? Enfim, uma série de profissionais que se habilita para tanto. Por que não um profissional que está estudando para isso? Fala-se tanto em atualização do futebol, não é?

Qual sua posição sobre técnico do Exterior?
Eu não defendo escolha por nacionalidade, mas por competência. Nada contra o Dunga, que faz o seu trabalho profissional, mas era uma grande oportunidade de pegar o cume da montanha e colocar um técnico estrangeiro que pudesse passar todo o know-how de suas experiências. Se fosse um Klinsmann (técnico alemão, que treinou a seleção dos Estados Unidos na Copa), há todo uma série de aspectos com os quais a gente pode melhorar. E tem o Bom Senso (movimento dos jogador profissional) tem o Paulo André, Alex, Dida, Juan, que podem auxiliar numa mudança. Tenham um pouco de vontade de crescer e ouçam os profissionais.

Quais seriam as mudanças?
Ele (Klinsmann) poderia, de cima, irradiar conhecimentos para a base do futebol. O que é a base? Dar tempo maior para o Veranópolis, onde me formei, jogar o ano inteiro, não apenas o primeiro semestre. Por que não diminui os regionais e faz os níveis de Campeonatos Brasileiros em A, B, C. D, F e coloca o Interior para jogar o mínimo de 10 meses. Dá para fazer. Na minha época, eu me formei quando o Veranópolis conseguiu disputar o segundo semestre. Ouçam os atletas. Não vamos tirar o poder das federações. A base tem de ser revista.

No futebol, o brasileiro não é arrogante para aceitar um técnico estrangeiro?
O que eu posso dizer é que era uma grande oportunidade. Eu gostaria de ver isso. Quanto mais profissionais de qualidade melhor é o intercâmbio, o nível de enfrentamento. Eu sou a favor de elevar o nível técnico. Assim como gostaria de que o Gareca (técnico do Palmeiras) ficasse para que a gente tenha real dimensão. Como o Fossati (ex-técnico do Inter). Agora, montar equipe dentro do Brasileirão é fogo. Dentro do campeonato não há jogo que possa dizer: ali eu vou ganhar.

Qual o nível do Brasileirão agora?
Ele achatou muito. Antes, tinha cinco, seis que disputavam o título e outros sete que lutavam contra o rebaixamento. Hoje, o campeonato achatou, as distâncias são menores, a competição é maior: são nove pelo rebaixamento e 11 brigam lá em cima. As diferenças ficaram muito curtas.

Você vive um período sabático, de estudo. Qual é o objetivo?
Quero voltar a treinar e pegar um ex-atleta que não me dissesse: "Puxa, eu já conheço todas as formas de treino dele, na segunda vai ser isso, na terça, aquilo..." Quando jogava, eu sofria com isso, é a pior coisa. Hoje eu quero é agregar criatividade ao trabalho. Para isso, passei os últimos dias observando, lendo e estudando para formatar novos treinamentos. Li muitos livros a respeito, e busco interação com outros estudiosos. Há pouco, conversei com o Carlos Bianchi (técnico do Boca Juniors, em encontro antes da final da última Libertadores, em Buenos Aires), a gente se perguntou sobre o ciclo semanal, como faz. Estudo muito a respeito com Cleber Xavier (auxiliar técnico) e Silvinho (auxiliar no Corinthians), ex-Barcelona, que tinha a herança das ideias do Pep Guardiola.

Como foi a sua prática na Copa do Mundo?
Recebi vários convites para comentar a Copa na TV, agradeci, mas recusei. Depois, eventualmente teria de criticar, não ficaria bem com a ética, sendo técnico e postulante à Seleção. Então, peguei um caderno de anotações com táticas e anotei os 64 jogos. Só não vi todos (pela TV, no apartamento de São Paulo), porque houve jogos concomitantes, que depois recuperei. Assisti a três jogos no Beira-Rio. Em Holanda e Austrália, não esperava muita coisa, mas estava com a Rose e a Gabriela (mulher e filha), queríamos sentir o show da Copa. Foi muito lindo. E o jogo surpreendeu, a Holanda puxou contra-ataque, um, dois e deu gol do Robben. Quem fez pressão foi a Austrália, questão de estratégia.

O que você depreendeu dos jogos da Copa?
Mais importante que os sistemas são as transições. Quanto mais rápido reagir, perder a bola e retomar as posições, melhor. Para mim, o sistema 4-1-4-1, que o Barcelona joga, é o ideal. A Alemanha, por exemplo, tinha Ozil e Mullher pelas pontas flutuando para dentro — como Valbuena fazia na França, o D'Alessandro faz isso, nas costas de volante com maestria. Isso rebenta o time adversário. Hoje, também velocidade é importante, mas antes com criatitividade. Eu entendo futebol com dois volantes, um articulador e um infiltrador agudo e dois atacantes — o equilíbrio vem daí. Dois pensadores para ter transição, ou não consegue construir.

Respingou um conhecimento tático da Copa no Brasileirão?

Eu não vi o 4-1-4-1 no nosso campeonato. Vi o São Paulo abrir o Kaká e o Ganso, com Pato e Kardec enfiados. O Cruzeiro, que está em estágio que o Corinthians esteve no passado, que o Inter e o Grêmio tiveram tempos atrás. São equipes que conseguem manter a base e o técnico — e eu ouvi o Júlio Baptista falando: "a gente tem perfeito domínio da dinâmica".

Uol Esportes

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