sexta-feira, agosto 22, 2014

A armadilha do progresso humano e os impasses do desenvolvimento, artigo de José Eustáquio Diniz Alves


“A floresta precede os povos e o deserto os segue” (Chateaubriand)

“Há um padrão no passado, uma vez que civilização após civilização desgasta suas relações com a natureza, super povoando, super expandindo-se e superexplorando seu ambiente” (Ronald Wright)


A civilização Rapa Nui na ilha de Páscoa é muito citada para indicar o colapso de uma cultura complexa que construía os belos Moais – as estátuas esculpidas a partir das pedras do vulcão Rano Raraku – dispostas em diversos santuários. A construção e o culto religioso aos Moais exigiu o uso de troncos de árvores, que utilizadas em grande escala e muito rapidamente desmatou toda a ilha, ficando o solo nu e sujeito ao açoite dos ventos, destruindo toda a terra fértil, transforma em um deserto inóspito, que inviabilizou a vida e provocou o colapso da isolada civilização.

O artigo é de José Eustáquio Diniz Alves, publicado no site EcoDebate, em 20/08/2014.

Atualmente as pessoas se perguntam como os habitantes da ilha de Páscoa foram tão míopes e não perceberam que seus recursos finitos não sustentariam o crescimento descontrolado da população e suas obras vis-a-vis ao esgotamento dos recursos naturais. Mas o que muita gente não percebe é que a civilização urbano-industrial está caminhando, de maneira semelhante, para um caminho que pode levar ao mesmo tipo de colapso.

Como mostrou Chris Hedges, a espécie humana, liderada por europeus e euro americanos, tem caminhado em direção errada e em um ritmo insustentável. Nos últimos 500 anos houve conquistas, saques, pilhagens, explorações e poluições da Terra, inclusive provocando o genocídio das comunidades indígenas que estavam no caminho. Mas tudo isto foi só o começo, pois as forças técnicas e científicas que criaram uma vida de luxo sem precedentes – bem como inigualável poder militar e econômico para as elites industriais – agora são uma desgraça em potencial. Para o autor, a mania de expansão econômica e de exploração incessante tornou-se uma maldição, uma sentença de morte.

Civilizações complexas, em geral, terminam em fracasso, como mostrou Ronald Wright, em “Uma Breve História do Progresso”, que constatou a existência de padrões históricos que resultam em colapso das civilizações. A diferença desta vez é que, quando ocorrer o colapso da civilização dos combustíveis fósseis, todo o planeta irá junto. As civilizações tendem a entrar em colapso pouco depois de chegarem ao seu período de maior esplendor e prosperidade. Esse padrão vale para uma série de sociedades, entre elas os romanos, os antigos maias e os sumérios. Há muitos outros exemplos, incluindo sociedades de menor escala como a da Ilha de Páscoa.

Wright chama de “armadilha do progresso” o processo que conduz a máquina industrial que não sabe como utilizar menos recursos e chegar a um estado de equilíbrio em termos de demandas da natureza. O desenvolvimentismo tem falhado em estabilizar o número de humanos e reduzir a desigualdade entre ricos e pobres. A experiência de 500 anos relativamente fáceis de expansão e colonização, a constante assunção de novas terras, levou ao mito capitalista moderno que considera ser possível expandir a economia para sempre.

Para Ronal Wright, isto é um mito absurdo. Nós vivemos neste planeta. Não podemos deixá-lo e ir para outro lugar. Teríamos que manter nossas economias e demandas da natureza dentro dos limites ecológicos. O mundo teve 500 anos em que os europeus, euro americanos e outros colonos invadiram todos os territórios e os dominaram. Esses 500 anos de exploração fizeram com que a situação parecesse não só fácil, como normal. Acredita-se que as coisas vão sempre ficar maiores e melhores. Porém, este longo período de expansão e prosperidade foi uma anomalia. Ele raramente aconteceu na história e, provavelmente, nunca acontecerá de novo.

Segundo o autor, temos que reajustar nossa civilização inteira para viver em um mundo finito. Mas não estamos fazendo isso, porque estamos carregando bagagem demais, versões míticas demais da história deliberadamente distorcidas e um sentimento profundamente arraigado de que ser moderno é ter mais e cada vez mais. Isto é o que os antropólogos chamam uma patologia ideológica, uma crença autodestrutiva que leva as sociedades a se destruírem e queimarem. Estas sociedades continuam fazendo coisas que são realmente estúpidas, porque elas não podem mudar sua maneira de pensar. Para Wright, o mundo, obnubilado, está preso na armadilha do progresso e não sabe como evitar o colapso.

Vale a pena ver o vídeo: Sobrevivendo ao Progresso.

Referências:
Ronald Wright em Uma Breve História do Progresso, Editora Record, 2007
Chris Hedges. As mudanças climáticas e o mito do progresso humano, Carta Maior, 17/01/2013
Vídeo: Sobrevivendo ao Progresso “Surviving Progress” (2011) Legenda em português

José Eustáquio Diniz Alves, Colunista do Portal EcoDebate, é Doutor em demografia e professor titular do mestrado e doutorado em População, Território e Estatísticas Públicas da Escola Nacional de Ciências Estatísticas – ENCE/IBGE; Apresenta seus pontos de vista em caráter pessoal. E-mail: jed_alves@yahoo.com.br

Fonte: EcoDebate

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