Humor não é sinônimo de chiste, pois pode haver chiste sem humor e e humor sem chiste. O chiste é irrepetível. Repetido, perde a graça. A historieta cheia de humor conserva sua permanente graça; e gostamos de ouvi-la repetidas vezes.
O humor só pode ser entendido a partir da profundidade do ser humano. Sua característica é ser um projeto infinito, portador de inesgotáveis desejos, utopias, sonhos e fantasias. Tal dado existencial faz com que haja sempre um descompasso entre o desejo e a realidade, entre o sonhado e sua concretização. Nenhuma instituição, religião, Estado e lei conseguem enquadrar totalmente o ser humano, embora existam exatamente para enquadrá-lo a um certo tipo de ordem. Mas ele desborda estas determinações. Dai a importância da violação do inerdito para a vivência da liberdade e para que surjam coisas novas. Isso na arte, na literatura e também na religião.
Quando se dá conta desta diferença entre a lei e a realidade – veja-se por exemplo, a esdrúxula moral católica sobre a proibição do uso da camisinha em tempos em que grassa a AIDS – surge o sentido do humor. Dá vontade de rir, pois é tudo tão fora do bom senso, é tanto discurso proferido em pleno deserto que ninguém escuta nem observa que só podemos ter humor. Essas pessoas vivem na lua não na Terra.
No humor se vive o sentimento de alívio do peso das limitações e do prazer de ve-las relativas e sem a importância que elas mesms se dão. Por um momento, a pessoa se sente livre dos super-egos castradores, das injunções impostas pela situação e faz uma experiência de liberdade, como forma de plasmar seu tempo, dar sentido ao que está fazendo e construir algo novo. Por detrás do humor vigora a criatividade, própria do ser humano. Por mais que haja constrangimentos naturais e sociais, sempre há espaço para se criar algo novo. Se não fosse assim não haveria gênios na ciência, na arte e no pensamento. Inicialmente são tidos por “loucos”, excêntricos e anormais. Quando tudo passou, um novo olhar descobre a genialidade de um Van Gogh, a criatividade fantástica de Bach, quase desapercebido no seu tempo. De Jesus se diz que “os seus sairam para agarrá-lo, pois diziam “ele está louco”(Mc 3,21). De São Francisco se disse a mesma coisa: ele é um “pazzus”, um louco, coisa que ele aceitava como expressão da vontade de Deus. E era um santo cheio de humor e alegria a ponto de o chamaram”frade-sempre-alegre”.
Em palavras mais pedestres: o humor é sinal de que nos é impossível definir o ser humano dentro de um quadro estabelecido. Em seu ser mais profundo e verdadeiro é um criador e um livre.
Por isso, pode sorrir e ter humor sobre os sistemas que o querem aprisionar em categorias estabelecidas. E o ridículo que constatamos em senhores sérios (por exemplo, professores, juízes, diretores de escola e até monsenhores) que querem, solenemente e com ares de uma autoridade superior, quase divina, fazer dos outros cegos e submissos ou quais ovelhas terem que obedecer às suas ordens. Isso também causa humor.
Acertado estava aquele filósofo (Th. Lersch Philosophie des Humors, Munique 1953, 26) que escreveu: “A essência secreta do humor reside na força da atitude religiosa. Pois o humor vê as coisas humanas e divinas na sua insuficiência diante de Deus”. A partir da seriedade de Deus, o ser humano sorri das seriedades humanas com a pretensão de serem absolutamente verdadeiras e sérias. Elas são um nada diante de Deus. E existe ainda toda uma tradição teológica que nos vem dos Padres da Igreja Ortodoxa que falam do Deus ludens (do Deus lúdico), pois criou o mundo como um jogo para o seu próprio entretenimento. E o fazia, sabiamente, unindo humor com seriedade.
Quem vive centrado em Deus tem motivos de cultivar o humor. Relativiza as seriedades terrenas, até os próprios defeitos e é um livre de preocupações. São Thomas Morus, condenado à guilhotina, cultivou o humor até o fim: pedia aos algozes que lhe cortassem o pescoço mas lhe poupassem a longa barba branca. São Lourenço sorria com humor dos algozes que o assavam na grelha e os incitava a virá-lo do outro lado, porque de um lado estava bem cozido, ou do Santo Inácio de Antioquia, bispo, ancião e referência de toda a Igreja dos primórdios, que suplicava aos leões que viessem devorá-lo para passar mais rapidamente à felicidade eterna.
Conservar esta serenidade, viver em estado de humor e compreende-lo a partir das insuficiências humanas é uma graça que todos devemos buscar e pedir a Deus.
Fonte: Blog Leonardo Boff
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